Israel – Sob o Espectro da opção Sansão

Leonam Guimarães
63 anos, é engenheiro nuclear e naval e integrante da Academia Nacional de Engenharia.
Foi presidente da Eletronuclear S/A e coordenador do Programa de Propulsão
Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Atualmente,
é coordenador do Comitê Estatutário de Acompanhamento de Angra 3.
Nota – DefesaNet uma versão deste artigo com o título
“Escalada do conflito em Israel pode levar a uso de armas nucleares” foi publicado no Poder360

O Programa Nuclear Israelense é uma das questões mais complexas e controversas do cenário internacional. Israel é amplamente reconhecido como um dos poucos países do mundo que possuem armas nucleares, embora o governo israelense nunca tenha confirmado nem negado oficialmente essa informação.

Em 7 de outubro de 2023, o grupo terrorista Hamas deu início a um ataque massivo contra o sul de Israel a partir da faixa de Gaza. Os fatos desse conflito se desdobram com muita rapidez, com Israel iniciando uma operação terrestre de grande monta contra o norte da Faixa de Gaza uma semana depois.

Seria temerário fazer previsões, mas uma coisa parece certa: o risco de propagação do conflito envolvendo outros atores estatais e paraestatais e áreas geográficas mais amplas é significativo. Torna-se, portanto, oportuno explorar a história do programa nuclear de Israel, suas capacidades e os vetores de lançamento das suas armas, com foco na intrigante estratégia conhecida como “Opção Sansão”.

O Programa Nuclear Israelense teve início em meados do século XX, durante a Guerra Fria, quando o país percebeu a necessidade de adquirir uma capacidade de dissuasão nuclear para enfrentar ameaças existenciais em uma região instável e conflitiva. Nos anos 1950 e 1960, Israel estabeleceu seu programa em segredo, com a ajuda de parceiros internacionais, notavelmente a França.

O reator nuclear de Dimona, localizado no deserto do Neguev, tornou-se o epicentro do desenvolvimento nuclear israelense, onde plutônio “weapon grade” pode ser produzido.

Reator Nuclear de Dimona (Jim Hollander/Reuters – 6.ago.2000)
Centro Shimon Perez de Pesquisa Nuclear do Neguev

Note-se que Israel é um Estado não signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Logo, suas instalações nucleares não são submetidas a salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)

O programa foi mantido em absoluto segredo e o governo israelense adotou uma postura ambígua, nunca confirmando nem negando a posse de armas nucleares. Essa política de ambiguidade é o alicerce do programa nuclear de Israel. Ela serve a diversos propósitos, incluindo a dissuasão de potenciais adversários na região e a manutenção da estabilidade geopolítica. O governo israelense acredita que a incerteza em relação ao seu status nuclear contribui para sua segurança.

Cabe notar que essa estratégia difere daquela adotada por outros países que também não são signatários do TNP e que desenvolveram armas nucleares mais recentemente, como Índia, Paquistão e Coréia do Norte, que afirmam abertamente suas capacidades, sem ambiguidades.

As estimativas do tamanho do arsenal nuclear de Israel baseadas em informações não oficiais e análises de especialistas variam, mas geralmente caem na faixa da centena de ogivas nucleares. Obviamente as informações sobre o inventário de armas de Israel são altamente classificadas e mantidas em estrito segredo. O caso Vanunu é bem emblemático do grau de sigilo envolvido.

No entanto, algumas estimativas feitas por especialistas e organizações dedicadas ao estudo da proliferação nuclear, especialmente o SIPRI, sugerem que o arsenal nuclear de Israel pode ser composto por aproximadamente 90 ogivas nucleares em 2023. Essas estimativas são baseadas em análises de capacidades de produção passadas, estimativas de produção anual, capacidade de entrega e outros fatores. Portanto, o tamanho exato do arsenal nuclear de Israel permanece um assunto de especulação e debate.

Israel também desenvolveu uma variedade de vetores de entrega para suas armas nucleares, incluindo mísseis balísticos, aeronaves de combate e submarinos, ou seja, a tríade nuclear completa (terra, mar e ar). Esses vetores conferem a Israel uma capacidade de dissuasão significativa na região.

Mísseis balísticos: Israel desenvolveu uma série de mísseis balísticos, incluindo o Jericho I, Jericho II e Jericho III, que são capazes de transportar ogivas nucleares a longas distâncias. O Jericho III é o mais avançado e tem um alcance estimado de até 7.000 quilômetros.

Aviação: Israel possui aeronaves de combate, como os caças F-15 e F-16, que podem ser configurados para transportar ogivas nucleares. Essas aeronaves podem ser usadas para ataques nucleares estratégicos.

F-15 da IAF (Israel Air Force)

Submarinos nucleares: Embora Israel não tenha confirmado oficialmente a existência de submarinos convencionais dotados de armas nucleares, é amplamente acreditado que o país tenha adquirido submarinos classe “Dolphin”, construídos na Alemanha, que têm a capacidade de transportar mísseis que podem ser configurados para lançar ogivas nucleares.

Submarino classe Dolphin

A “Opção Sansão” é o nome informal para uma suposta política de dissuasão nuclear de Israel. É uma estratégia de último recurso, na qual Israel se compromete a usar armas nucleares em caso de uma ameaça existencial iminente. No entanto, vale ressaltar que a existência da “Opção Sansão” nunca foi oficialmente confirmada, de acordo com a política de ambiguidade nuclear.

Ela recebeu esse nome em referência ao personagem bíblico Sansão, que sacrificou sua própria vida para destruir seus inimigos filisteus, derrubando as colunas do Templo de Dagom, ironicamente localizado em Gaza, teatro de operações do conflito no momento atual.

A ideia por trás dessa estratégia é que, se Israel estiver enfrentando uma ameaça existencial iminente que possa comprometer sua sobrevivência como nação, ela poderia lançar um ataque nuclear maciço contra seus inimigos como último recurso de autodefesa, mesmo que isso resulte em uma destruição mútua.

O Programa Nuclear Israelense tem implicações significativas para a região do Oriente Médio e para as relações internacionais. Muitos países na região expressam preocupações sobre a posse de armas nucleares por parte de Israel, argumentando que isso cria um desequilíbrio na segurança regional e aumenta as tensões.

Isso passa a ser então um racional para países vizinhos, como Iran, Iraque e Líbia buscarem, ou terem buscado ao seu tempo, obter armas nucleares. A questão da não proliferação nuclear no Oriente Médio continua sendo um tópico de debate com alta criticidade para a paz mundial.

A política de ambiguidade nuclear e a capacidade de dissuasão de Israel são fatores-chave que moldam a segurança na região do Oriente Médio e mantêm a atenção da comunidade internacional. O equilíbrio delicado entre dissuasão e segurança na região é uma questão que permanece no centro das relações internacionais e da segurança global. A “Opção Sansão” representa uma parte única e complexa deste panorama.

A possibilidade de escalada do conflito ora em curso ampliando sua área geográfica para além do sul do território israelense e Gaza com o envolvimento de outros atores paraestatais e estatais para além do Hamas e Israel configuraria aquilo que já foi chamado de “soma de todos os medos”, ou seja, a percepção por um estado dotado de armas nucleares que está sofrendo uma real ameaça existencial, deflagrando então uma ação de “mutua destruição assegurada” decidindo lançar mão da “Opção Sansão”.

Tal ação certamente envolveria não só os países do Oriente Médio, mas também os outros países reconhecidos como nuclearmente armados, não só os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França), mas também Paquistão, Índia e Coréia do Norte, quiçá até mesmo o Iran, caso as suspeitas de que esse país já possua armas nucleares em segredo sejam reais.

Não se pode descartar um tal cenário e é responsabilidade da comunidade internacional, especialmente as grandes potências globais e regionais envidarem todos os esforços possíveis e imagináveis para afastar o espectro desse desdobramento que certamente levaria a uma guerra nuclear generalizada.

Isso se torna ainda mais crítico na medida que esses acontecimentos no Oriente Médio ocorrem concomitantemente à Guerra da Ucrânia, que possui dinâmica própria, mas na qual já foi considerado e declarado publicamente pela Rússia a possibilidade de uso de armas nucleares táticas.


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