A violência endêmica e os direitos humanos no Brasil

 
Nota DefesaNet

Ver o estudo do UNODC Global Study on Homicide 2013 Link

  André Luís Woloszyn

Analista de assuntos estratégicos, pós-graduado em Ciências Penais e mestrando em Direito com área de concentração em direitos humanos.

 
 
Pela análise dos dados que vem sendo revelados sobre os índices de violência, tanto de parte de institutos de pesquisa nacionais como de órgãos internacionais, fica claro que estamos vivendo uma clara situação de violência endêmica no país. Nestas condições, torna-se difícil manter um discurso de negação feito, tradicionalmente, por autoridades governamentais que tentam minimizar o problema e com este proceder, acabam agravando-o.  

O recente relatório elaborado pelo Escritório sobre Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas, segue a mesma linha do apresentado pelo 7º Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Aponta que 11% dos homicídios ocorridos no mundo, estão concentrados no Brasil, ou seja, 50 mil assassinatos ano. Como fator  condicionante, seria óbvio que das 30 cidades mais violentas do mundo, 11 fossem brasileiras, uma situação pior do que muitos países subdesenvolvidos que enfrentam guerras internas e crises humanitárias. Este índice, é considerado endêmico pela ONU que considera uma taxa acima de 6,2 de mortes para cada 100 mil habitantes e onde alcançamos a média de 25 mortes para cada 100 mil habitantes, e em algumas regiões, chega a 30/100 mil hab.

 Já ocupamos desde o ano de 2011 a primeira colocação absoluta em mortes por arma de fogo do mundo, atingindo 70,5%, ou seja, mais de 35 mil pessoas do total. Quanto ao fato de que parcela significativa destas mortes estarem  relacionadas ao tráfico de drogas, poderíamos disser que é uma obviedade uma vez que somos o segundo maior consumidor de cocaína do mundo com cerca de 2,8 milhões de usuários e o primeiro em consumo de crack com mais de 1 milhão de usuários. Estes fatores, em perspectiva, evidenciavam a conjuntura atual de criminalidade e violência, apontando um cenário que se degrada a décadas.   

O inquietante é que as políticas públicas de segurança são pouco discutidas e quando ocorre, o debate é leniente. A impressão que se tem é de que os responsáveis vivem em um universo diferente do cotidiano da população, onde os reflexos são sentidos de forma mais impactante. E pelas ponderações feitas, é nítida a demonstração de um pensamento completamente ultrapassado sobre  segurança, o que provavelmente se reflete na situação em que nos encontramos.

Em uma análise mais ampla sobre este contexto, considerando aspectos como urbanização, crescimento demográfico e índice de desenvolvimento humano (IDH), o cenário é verdadeiramente sinistro e mostra claramente uma tendência de recrudescimento no comportamento criminal para os próximos anos, o que já havíamos estimado. Até o final desta década, poderemos vir a ser o país mais violento do mundo, segundo estudos de organizações internacionais. Na edição de 2013 da prestigiosa Revista norte americana, Forerig Policy, que divulga o ranking dos ditos Estados falidos ou fracassados, após analisados critérios como densidade populacional, crise econômica, falta de infraestrutura dos serviços públicos, violência do aparelho de segurança estatal e violação aos direitos humanos, o Brasil ocupa a 113ª posição dentre 177 países avaliados. Poderíamos considerar um alerta.  
 
Não é difícil identificar todas estas questões com direitos humanos. Estamos tão preocupados em direcionar estes direitos para uma reparação de danos histórica que  esquecemos de reivindicá-los no momento presente. O direito a vida, a saúde e ao bem estar social são indissociáveis, e neste contexto, estão sendo sistematicamente violados quando cresce o grau de vulnerabilidade dos cidadãos e a medida que aumentam as dificuldades em manter os riscos controlados no ir e vir das pessoas.

O ponto positivo, é de que estas pesquisas podem esclarecer pontos interessantes e alguns paradoxos para futuras análises. Parto de três, em especial. Ou está crescendo a desigualdade entre ricos e pobres, fato que contraria e coloca em cheque os índices demonstrados pelo governo em relação aos avanços das políticas sociais, ou os recursos destinados a estas políticas são, em sua maioria, desviados para beneficiar grupos e pessoas ou, o brasileiro não é tão pacífico como se pensava. Também é possível que estes três fatores estejam inter-relacionados.

Assim, somos levados a crer que as manifestações populares deflagradas em todo o país em 2013 não tenham sido apenas fomentadas por insurgentes ideológicos, como acreditávamos,  mas por  uma “coalizão de indignados” em busca destes direitos.
 

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