A Defesa em Debate – O projeto brasileiro do submarino nuclear e a estratégia da energia nuclear no desenvolvimento regional

A DEFESA EM DEBATE

Nam et ipsa scientia potestas est

O projeto brasileiro do submarino nuclear e a estratégia da energia nuclear no desenvolvimento regional

 

Fernanda Corrêa
Historiadora, especialista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com


No último dia 29 de novembro, se realizou no Congresso da República do Peru, na cidade de Lima, o Seminário Internacional "Avanços dos projetos de Energia Nuclear na América do Sul”. O evento foi organizado pela Comissão Defesa Nacional, Ordem Interna, Desenvolvimento Alternativo e Luta Contra as Drogas do Congresso da República do Perú e pelo Instituto de Pesquisa para a Energia e o Desenvolvimento (IEDES, em espanhol). A sessão de abertura foi realizada pela Congressista Luisa Cuculiza e por Rolando Páucar Jáuregui, presidente do IEDES.
 
Como expositores, participaram Rolando Páucar Jáuregui, presidente do IEDES, Diego Hurtado de Mendoza, docente da Universidade Nacional de San Martín (Argentina), Ulises Raúl Solis Llapa, gerente geral da empresa Global Gold SA, Carlos Alfredo Espinosa Alegría, diretor executivo do Instituto Peruano de Energia Nuclear (IPEN), Luis Araujo Cachay, presidente de Sociedade Peruana de Biologia e Medicina Nuclear, Elmer Manuel Gastelo Diaz,  chefe de projeto da Aleph Group SAC, Alfredo La Madrid Dolata, diretor de projetos da Ciatom SAC, Francisco Vidarte, vice presidente do IEDES, e eu, pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, representando o Brasil.

Além de congressistas, políticos, empresários e autoridades científicas peruanas, estavam presentes representantes da Embaixada brasileira no Peru e o representante da Armada Nacional da Colômbia, o Capitão-de-Navío John Fabio Giraldo Fabio

O evento promoveu debates produtivos e esclarecedores sobre os usos e os benefícios da tecnologia nuclear na biologia, na medicina, na agricultura, nos alimentos, na energia, na mineração e na indústria.
 
Dentre os principais objetivos da comunidade científica peruana no desenvolvimento nuclear nacional se encontram a maior qualificação da formação de recursos humanos estratégicos no setor, a criação de uma central nuclear de 900 MW, fomentar a difusão e o diálogo com a sociedade e a criação de um marco regulatório nuclear. E dentre os principais objetivos mencionados no evento sobre o desenvolvimento nuclear regional se encontram a busca por cooperação em formação de recursos humanos na área nuclear e troca de conhecimentos específicos sobre tecnologia de reatores de pesquisa,de energia e na fabricação do combustível nuclear.
 
No processo de crescimento econômico regional, o Peru tem se destacado por ser uma das economias que apresentam o maior índice de crescimento e estabilização regional. Se o crescimento econômico regional se torna evidente, a previsão é de que o setor de consumo também cresça, o que, obviamente, irá requerer uma alta demanda por tecnologia e, principalmente, energia. Por as tecnologias de geração de energia elétricas provindas da energia solar e eólica não serem ainda capazes de suprir as necessidades imediatas do crescimento econômico regional, a geração de energia produzida pelas termoelétricas e usinas nucleares têm se tornado as escolhas mais viáveis a curto e médio prazos.
 
O Peru dispõe de um único reator nuclear de pesquisa, o qual é utilizado para a produção local de radiofármacos. Durante as apresentações foram ressaltadas que apesar das vastas reservas de urânio no Peru, não existe norma que regulamente a prospecção e exploração no País. Desde 1985, há em curso no Peru a posposta de criação da lei de geração de eletricidade de origem nuclear. A proposta de 2013 contempla a construção de uma central nuclear com 900MW de potência no valor de 2 milhões de dólares que podem ser recuperados em até 10 anos, numa conjuntura de boas condições econômicas do País.
 
O Plano Estratégico Institucional do Instituto Peruano de Energia Nuclear referente ao período 2010-2016 esclarece que a existência da debilidade no uso de recursos das alianças estratégicas y da cooperação técnica internacional e mobiliza o setor nuclear peruano a buscar cooperação e integração nacional e internacional.
 
O Professor Doutor da Universidade Nacional de San Martín, da Argentina, Diego Hurtado de Mendoza, realizou em sua apresentação uma profunda análise o sobre o futuro da energia nuclear na América do Sul, considerando as estratégias e pressões dos países desenvolvidos, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista econômico. De acordo com ele, os debates que se seguem no mundo pós-Fukushima constituem passos imprescindíveis para o desenho de políticas nucleares nos países da região e para avançar, por meio da Unasul, nos processos de cooperação regional na área nuclear.
 
Interessante que os peruanos consideram o Programa Nuclear Brasileiro como modelo de referência em tecnologia e auto suficiência na América do Sul, não só por ter dominado o ciclo completo do combustível nuclear, mas por ser capaz de versatilizar as aplicações da tecnologia nuclear nas mais diversas áreas, desde a propulsão naval, geração de eletricidade e produção de radiofármacos até a esterilização de produtos médicos, farmacêuticos, cosméticos e na irradiação de alimentos.  
 
Elmer Manuel Gastelo Diaz, em sua palestra intitulada "Segurança alimentar: o projeto acelerador lineal de elétrons na preservação de alimentos", ressaltou que somente Argentina, Brasil e Perú utilizam a tecnologia nuclear na irradiação dos alimentos na América do Sul. Elmer apresentou as tecnologias de irradiação mais utilizadas e destacou a importância da radiação ionizante na eliminação de micróbios e patógenos, no controle de fungos e na ampliação da qualidade da comercialização internacional de alimentos. Dentre os alimentos que podem ser irradiados encontram-se: bulbos, raízes, tubérculos, frutas, cereais, carne bovina, frango, peixes etc. Além disso, a irradiação ionizante tem demonstrado ser cada vez mais válida na oferta de qualidade dos alimentos, a medida que as novas tecnologias garantem índices nulos ou reduzidíssimos na inativação das enzimas e proteínas dos alimentos. Ao prolongar a vida útil, a irradiação permite que os alimentos cheguem a locais ainda mais distantes e contribuam na promoção da segurança alimentar e no desenvolvimento humano mundial.
 
Em minha apresentação, intitulada “O projeto brasileiro do submarino nuclear e a estratégia da energia nuclear no desenvolvimento regional”, concentrei-me em abordar os quatro estágios do desenvolvimento do setor nuclear brasileiro: pesquisa, desenvolvimento, implantação e renascimento. Em um primeiro momento, abordei a formação da comunidade científica brasileira. Em um segundo momento, relatei a buscar do Brasil por cooperação tecnológica nuclear e a criação do setor nuclear no Brasil. Seguidamente, analisei a estruturação e organização do setor, das instituições, dos recursos humanos estratégicos e das empresas, especialmente, criadas para atender ao Programa Nuclear Brasileiro.  E na quarta fase, após analisar o desmonte do setor nuclear na década de 1990, destaquei como o setor nuclear renasceu e como o Brasil tem se articulado no plano nacional e internacional para consolidar o Programa Nuclear e concluir o projeto do submarino nuclear brasileiro, fruto também da terceira fase.
 
Ao final das apresentações, ao abrir para o debate com o público presente, três perguntas me foram feitas e faço questão de registrá-las:
(1) como o Programa Nuclear Brasileiro tem lidado com as pressões ambientalistas internacionais?,
(2) diante das propostas peruanas de construir uma central nuclear, o Brasil não poderia cooperar com este projeto? e,
(3) como convencer os políticos peruanos de que a sociedade precisa da tecnologia nuclear para o desenvolvimento nacional?
 
(1) O setor nuclear brasileiro precisa cada vez mais melhorar o diálogo com a sociedade. O Brasil dispõe de 3 grandes projetos estratégicos nucleares:

1-  a construção da usina nuclear de Angra 3 e da central nuclear no Nordeste:
2 – o projeto do submarino com propulsão nuclear e,
3 – o reator nuclear multipropósito.

Enquanto a sociedade brasileira não for informada que o setor nuclear dispõe dos mais qualificados recursos humanos, instalações e tecnologias nucleares estará vulnerável as pressões políticas, econômicas e ambientais internacionais. Como pode um acidente nuclear ocorrido no Japão, em um país que possui uma geologia completamente diferente da geologia brasileira, paralisar o Programa Nuclear Brasileiro? Temporariamente, paralisou. Felizmente, o setor convenceu os políticos da importância da energia nuclear como fonte complementar no Planejamento Energético Nacional. A participação da energia nuclear na matriz energética brasileira é de 3%. Por o sistema energético brasileiro ser interligado, as duas usinas nucleares brasileiras, junto com as demais fontes de energia, atendem a demanda por eletricidade de todo País. Mas, para reduzir e evitar pressões, distorções e calúnias, é preciso melhorar o diálogo com a sociedade. Isso é imperativo.  
 
(2) A estatal Eletronuclear, criada em 1997, tem por finalidade projetar, operar e construir usinas nucleares no Brasil. Angra 1 entrou em operação comercial em 1985. Angra 2 entrou em operação comercial em 2001. As obras para a construção da terceira usina nuclear brasileira somente se iniciaram em 2010. Embora o Programa Nuclear Brasileira remonte a década de 1970, o renascimento do setor nuclear, pós-desmonte, é muito recente. Devido a maior aceitação da energia nuclear na opinião pública ocorrer nestes últimos anos, gradativamente, a energia nuclear tem sido incluída na lógica mercadológica e de viabilidade nacional. A inserção da energia nuclear no Plano Nacional de Energia 2030 e no Plano Decenal tem por justificativa que, por a energia nuclear ser concentrada, contínua e em bases niveladas, se torna competitiva com as demais fontes de energia no mercado brasileiro. Se até 2030, a participação da energia nuclear na matriz energética brasileira saltar de 2% para 5%, isso significa que no parque de geração elétrica nuclear, o Brasil terá que ter construído entre quatro e oito novas usinas nucleares em seu território nos próximos 20 anos. Ou seja, primeiro, é preciso reestruturar e reorganizar o setor nuclear brasileiro em todos os seus estágios de desenvolvimento e implantação para que a Eletronuclear possa se consolidar como construtora de usinas nucleares no plano internacional. Precisamos fazer o nosso trabalho de casa.
 
(3) Posso dar alguns exemplos:
 

– Em 2001, o Brasil sofreu uma crise energética, devido a falta de investimento no setor, que deixou numerosas cidades sem energia elétrica. Esta crise ficou conhecida na história brasileira como “Apagão”. Coincidentemente, neste mesmo ano a usina nuclear Angra 2 havia entrado em operação comercial. Graças ao fornecimento de energia de Angra 2 que a cidade do Rio de Janeiro e áreas vizinhas não ficaram sem eletricidade. A partir daí, o Programa Nuclear voltou a ser debatido na política brasileira e o setor nuclear renasceu. Os principais políticos que disputavam a presidência da República, na época, incluíram em suas plataformas de campanha política o Programa Nuclear e o projeto do submarino nuclear brasileiro.

– Logo após a catástrofe natural que ocorreu em Fukushima, no Japão, em março de 2011, houve uma paralisação de projetos do Programa Nuclear Brasileiro. Esta paralisação motivou o setor nuclear brasileiro a recorrer à mídia, aos políticos, à comunidade acadêmica e à sociedade a fim de demonstrar a eficiência e segurança das usinas nucleares brasileiras, promovendo debates, participando de fóruns, publicando livros, ensaios e artigos, criando páginas na internet tirando dúvidas de internautas, promovendo visitas virtuais e presenciais de alunos da rede pública e privada de ensino à Central Nuclear. Pela primeira vez, este ano, a Eletronuclear fez propaganda na mídia televisiva brasileira sobre a geração de energia elétrica por meio de usinas nucleares.
 

– Em especial, depois do acidental natural em Fukushima, o setor nuclear brasileiro civil e militar tem convidado políticos de diversos partidos, de nível municipal, estadual e federal, a conhecer as instalações nucleares brasileiras. Os políticos visitam o centro de informações da central nuclear, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, as obras de Angra 3, o depósito de rejeitos nucleares, os simuladores das usinas e o laboratório de monitoramento ambiental. Em 2011, o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, pai do projeto do submarino nuclear brasileiro, foi homenageado e recebeu o título de benemérito do estado do Rio de Janeiro da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro por seus relevantes serviços ao desenvolvimento nacional. O maior diálogo do setor nuclear com os políticos tornou possível o maior interesse e a defesa de políticos à causa nuclear.

 
Concluo minha análise sobre o Seminário Internacional "Avanços dos projetos de Energia Nuclear na América do Sul”, realizado no Congresso da República do Perú, ressaltando que a aproximação do Peru é muito bem vinda e atende, plenamente, aos objetivos da UNASUL de uma América do Sul unida em prol da cooperação, integração e da soberania regional. A energia nuclear pode contribuir significativamente na integração dos povos, no desenvolvimento humano e na maior inserção da Unasul no jogo político do sistema internacional.

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