Diáspora Latina – A Invasão


 Guilherme Ramalho
e Selma Schmidt


Quinta-feira, 14h30min. No cruzamento da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rua Santa Clara, um carro da Unidade de Ordem Pública (UOP) do bairro está estacionado. Encostados no veículo, há quatro guardas municipais. O mar de tranquilidade dessa esquina contrasta com a balbúrdia logo adiante. Na mesma avenida, a 30 metros dos agentes, entre a própria Santa Clara e a Rua Figueiredo Magalhães, 19 camelôs expõem suas mercadorias sobre caixotes no chão.

Entre eles, os equatorianos Brayan Males, de 18 anos, Luis Morales, de 19, e Rafael Lema, de 30. Monossilábicos e com dificuldade para falar português, os três vendem roupas e integram um contingente crescente de sul-americanos que chegam ao Rio e por aqui ficam engrossando a disputa irregular por espaço na calçada com camelôs brasileiros.

Equatorianos, bolivianos, colombianos, peruanos, argentinos e uruguaios. É fácil esbarrar com hermanos em camelódromos informais espalhados por Copacabana, no Centro (Uruguaiana, Largo da Carioca e Central do Brasil), na Praia de Botafogo (nas proximidades do Botafogo Praia Shopping), na Rua Dias da Cruz (Méier), na Conde de Bonfim (Tijuca) e em vias de Campo Grande. Em geral, vendem roupas, bijuterias e artigos esportivos falsificados. Sem terem com quem deixar os filhos, alguns levam crianças de colo para as calçadas. A maioria é jovem e chegou aqui estimulada por amigos.

— O Luis chegou há um ano e nos chamou. Estamos aqui há quatro meses tentando melhorar de vida. Se não der certo, vamos para outro lugar — explica Brayan, contando que os três amigos estão morando num hotel próximo à Central.
 
Outro equatoriano, Luiz Arejano, de 19 anos, que faz ponto na Central, também está há quatro meses na cidade e mora perto da estação. Veio sozinho de Quito e vende artigos esportivos falsificados. Segundo Arejano, a mercadoria é comprada em Campo Grande e Caxias:

— Além da violência, o Equador é muito ruim para nós que não temos estudo. Espero que, aqui, eu possa ganhar dinheiro e até voltar a estudar.

Camelô fatura R$ 3 mil por mês

Muitos vieram atrás de diversão, durante a Copa do Mundo, e decidiram fincar raízes. Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães ainda fala da herança deixada pelo evento.

— Vários bolivianos que vieram para a Copa não voltaram para casa. Preferem ficar na entrada do metrô da Siqueira Campos, um trecho do bairro não incluído na área da UOP (limitada pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana e as ruas Barata Ribeiro, Francisco Sá e Hilário de Gouveia).

O colombiano Oscar Ramirez, de 24 anos, foi um que veio por causa da Copa. Entrou pela fronteira com a Venezuela e seguiu até Manaus. Depois de 13 dias de viagem em ônibus e pegando carona, chegou ao Rio para a final da competição. Agora, pretende ficar na cidade até os Jogos de 2016.

— Aprendi a fazer artesanato para sobreviver. Consigo tirar uns R$ 3 mil por mês vendendo essas pulseiras, e nem trabalho todos os dias — disse ele, enquanto negociava uma de suas criações em couro em Copacabana.

Por e-mail, a Polícia Federal informa que, como regra, os estrangeiros que entram no Brasil como turistas podem permanecer no país por até 90 dias, prorrogáveis por igual período, num limite máximo de 180 por ano. Para fins de trabalho, é necessária a expedição de visto específico. Segundo o órgão, o turista estrangeiro não pode trabalhar em nenhuma atividade, sendo que ele e o empregador estão sujeitos a multa e notificação para deixar o país.

O argentino Santiago Cozzi, de 30 anos, conta que, em outubro do ano passado, deixou a escola onde trabalhava como porteiro, em Rosário, para viver uma nova experiência de vida no Rio. Em dois meses, conseguiu um emprego de atendente de um hostel em Botafogo, onde ficou até março. Para completar a renda, chegou a vender quentinhas e, nos fins de semana, trabalhava em uma barraca na Praia de Copacabana. Também vendeu sorvetes em um quiosque da orla até ser demitido no mês passado. Hoje, se declara artesão e vende pulseiras e cordões em Copacabana:

— Quando fiquei desempregado, um amigo me chamou para trabalhar com artesanato. Compro os materiais na Uruguaiana e crio as peças.

Na Tijuca, o presidente da Associação Comercial e Industrial do bairro, Jaime Miranda, estima que haja um sul-americano a cada dez camelôs que se instalam nas calçadas da Conde de Bonfim, próximo à Praça Saens Peña, quando a Guarda Municipal se ausenta:

— Quando foi implantada a UOP na Tijuca (em 2011), acabaram os camelôs em situação irregular no bairro. Havia patrulhamento 24 horas por dia. Conforme foram sendo criadas outras UOPs (são sete, que atendem trechos de oito bairros), o efetivo da Tijuca ficou menor. As obras pela cidade e os eventos-teste para as Olimpíadas também provocaram diminuição no número de guardas. O ambulante tem informante. Brota camelô quando a guarda some.

Especialista em América Latina, a professora Maria Teresa Toribio Lemos, do Departamento de História da Uerj, ressalta que os imigrantes vêm principalmente dos Andes. Segundo ela, além da diferença cultural, muitos não conseguem se comunicar com os brasileiros porque falam quíchua, idioma indígena com vários dialetos:

— A América Latina passa por dificuldades, com governos autoritários. O Rio aparece como um Eldorado, mas não tem agricultura nem indústrias para alocar esses imigrantes. Sem ter o que fazer, param nas ruas.

O tema é motivo de preocupação para o secretário municipal de Ordem Pública, Leandro Matieli Gonçalves:

— Depois da Copa, muitos ficaram. Já levamos bolivianos que estavam no país ilegalmente para a Polícia Federal, que emite uma notificação para eles saírem por meios próprios.

Nota DefesaNet

De forma surpreendente dois grandes jornais publicam matérias sobre o mesmo tema mas com enfoques diferentes.

Vale a pena ler com cuidado e atenção. DefesaNet adota o termo “Diáspora” o mesmo usado pela Folha de São Paulo em seu artigo.

Diáspora Árabe – Refugiados mudam interior do Brasil FSP 20 Setembro 2015 Link

Diaspora Latina – A Invasão  O Globo 20 Setembro 2015 Link

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