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Os problemas do novo super duopólio formado por Airbus e Boeing

Steven Pearlstein, The Washington Post

Em abril de 2016, a Delta Air Lines abalou o mundo da aviação anunciando que compraria 75 jatos da Bombardier, a fabricante de aviões de Quebec, no Canadá. As encomendas de aviões são rotina na indústria de aviação, mas o pedido da Delta Air Lines era tudo menos rotineiro. Além de permitir que a fabricante de aeronaves regionais finalmente lançasse uma nova linha de jatos mais eficiente no mercado americano, a encomenda colocou a Bombardier na direção de desafiar a Boeing e a Airbus no mais lucrativo mercado de aviões maiores.

Agora, dois anos depois, tendo fracassado em usar seus poderes jurídicos e políticos para preservar o altamente lucrativo duopólio (concentração de mercado nas mãos de duas empresas), a Boeing e a Airbus fizeram o que os desesperados duopolistas invariavelmente tentam fazer: comprar seus concorrentes em potencial. E, por motivos legais e políticos, as duas gigantes da indústria da aviação provavelmente sairão impunes.

Existem, de fato, dois duopólios no negócio de aeronaves comerciais. Há o mercado de jatos grandes – normalmente aqueles com 140 a 400 assentos e um alcance de 3.500 a 8.000 quilômetros, dominado pela Boeing e pela Airbus. E há o mercado para jatos regionais menores, com 40 a 90 assentos, normalmente usados para voos mais curtos em cidades secundárias, um mercado hoje dominado pela Bombardier e pela brasileira Embraer.

Até recentemente, havia pouca ou nenhuma sobreposição nos dois mercados e os duopólios haviam se estabelecido em uma coexistência confortável, às vezes até cooperativa. Mas quando as companhias aéreas do mundo começaram a mostrar interesse em comprar aviões com 100 a 150 assentos, tanto a Bombardier quanto a Embraer viram uma oportunidade de ampliar suas linhas de produtos de maneira que, pela primeira vez, se colocassem em uma posição de roubar negócios. Já Boeing e Airbus não estavam preparadas para atender a essa demanda e, há décadas, não redesenham seus aviões menores de corredor único.

Para a Bombardier, o desenvolvimento de sua linha de aviões CSeries, de 100 a 150 assentos, levou mais tempo e mais dinheiro – US$ 6 bilhões ao todo – do que o previsto, exigindo uma espécie de resgate financeiro da companhia pelos governos do Canadá e de Quebec.

Embora a Air Canada tenha feito um pedido antecipado dos novos jatos da linha CSeries, as principais companhias aéreas dos Estados Unidos seguraram os pedidos, em parte devido a preocupações de que a Bombardier tivesse gasto tanto no desenvolvimento do avião que poderia não ficar em pé no futuro próximo para oferecer treinamento, peças, suporte e acompanhamento.

A Boeing, no entanto, não queria arriscar. A companhia americana estava tão ansiosa em impedir que a Bombardier conseguisse um espaço no mercado americano que, quando a United Airlines anunciou que estava planejando fazer pedidos para novos aviões na faixa de 120 assentos, a Boeing se ofereceu para vender a menor versão de seus 737s por uma barganha. O preço por avião, estimado na imprensa especializada em US$ 22 milhões, superou tanto as ofertas da Bombardier quanto da Embraer. Um mês depois, uma Bombardier cada vez mais desesperada por causa das suas dívidas reagiu a altura, conseguindo fechar uma encomenda da Delta para seus jatos da CSeries a um preço que a Boeing alegaria ser inferior a US$ 20 milhões por avião.

Não tendo conseguido impedir que a Bombardier encontrasse um cliente para estrear no mercado americano de aviões de 100 a 150 assentos, a Boeing fez o que sempre fez – envolveu-se na bandeira americana e exigiu ajuda de Washington. Ao longo dos anos, nenhuma empresa americana mostrou-se mais apta a usar sua força política e legal para impulsionar suas fortunas comerciais do que a Boeing.

Nas semanas que se seguiram à posse do presidente mais protecionista dos tempos modernos, a Boeing apresentou uma queixa ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos alegando que a Bombardier tinha roubado o contrato da Delta “despejando” seus aviões subsidiados pelo governo canadense e de Quebec no mercado dos EUA a um preço abaixo do custo de produção, em violação às leis comerciais americanas. Após uma longa audiência, o Departamento de Comércio concordou e recomendou que a Comissão de Comércio Internacional (USITC, na sigla em inglês) impusesse uma tarifa de 300% sobre os aviões CSeries para compensar os subsídios governamentais recebidos pela Bombardier.

A aliança Airbus-Bombardier

Com o pedido da Delta em perigo por causa do ataque político da Boeing – e , com isso, o próprio futuro da companhia canadense – a Bombardier saiu em busca de parceiros e encontrou na europeia Airbus uma aliada. A Airbus concordou em formar uma joint venture (uma terceira empresa) com a Bombardier para produzir os jatos da linha CSeries, tanto na fábrica da Bombardier em Quebec quanto em uma nova instalação da Airbus em Mobile, no estado americano do Alabama. Como os aviões da Delta e de outros clientes dos EUA seriam montados em solo americano, eles não seriam mais considerados produtos frutos de importação e também não estariam sujeitos às tarifas antidumping.

A Bombardier estava tão desesperada para encontrar uma sobrevida financeira e também para passar a vender em território americano que concordou em vender para a Airbus uma participação de 51% na nova empresa, fruto da joint venture, por apenas 1 dólar canadense. O acordo envolveu ainda a garantia de que a Bombardier absorveria os primeiros US$ 700 milhões em perdas na produção da CSeries. A Airbus, por sua vez, assumiu a responsabilidade pela venda e manutenção do avião, que agora faz parte da linha de produtos da Airbus. Algumas semanas depois, ninguém da indústria ficou surpreso quando a fabricante europeia anunciou que interromperia a produção de seu A-319, de 124 lugares.

Boeing ficou encurralada. E decidiu comprar a Embraer

A Boeing criticou rapidamente a aliança Airbus-Bombardier como “um acordo questionável entre dois concorrentes fortemente subsidiados pelo Estado”. Mas para muitos no setor, parecia que a estratégia da Boeing havia saído pela culatra. A Bombardier não só podia entrar no mercado dos EUA com um avião eficiente em termos de combustível, contra o qual a Boeing não poderia oferecer alternativa – pelo menos não sem prejudicar o preço dos seus 737 de menor porte –, mas também havia reforçado involuntariamente a posição de mercado do seu principal arquirrival, a Airbus.

Portanto, a Boeing decidiu que não tinha escolha a não ser responder da mesma maneira e iniciou negociações para comprar a divisão de aeronaves comerciais da Embraer. Embora as negociações estejam em andamento, o acordo provavelmente deve criar uma joint venture (terceira empresa) na área de aviões comerciais, na qual a Boeing deve ter 80% do controle e a Embraer, 20%. As áreas de defesa e de jatos comerciais da Embraer devem ficar de fora do acordo.

O novo super duopólio de Boeing e Airbus

A expectativa é que o anúncio do acordo Boeing-Embraer seja feito ainda neste ano. Se concretizado e aprovado por reguladores antitruste, o que antes eram dois duopólios no mercado global de jatos comerciais se transformará no que os analistas chamam “super duopólio”, comandado exclusivamente por Boeing e Airbus.

É claro que as leis antimonopólio visam evitar fusões que reduzam substancialmente a concorrência, particularmente em setores como o de aviação, onde já existem poucos competidores e altas barreiras para a entrada de novos participantes. O que está faltando neste caso, como tantos outros, são os reguladores ou juízes dispostos a impor agressivamente essas leis e adaptá-las a uma economia globalizada de alta tecnologia, na qual o competidor vencedor levar tudo virou regra, e não exceção.

No caso da Airbus e da Bombardier, a Federal Trade Commission (FTC) passou alguns meses revisando a proposta de joint venture antes de decidir não ir ao tribunal para tentar impedi-la. As próprias empresas se recusaram a comentar, mas de acordo com fontes do governo e da indústria, os reguladores concluíram que sem a joint venture Airbus-Bombardier, a canadense teria entrado em colapso financeiro. Então, a combinação serviria para aumentar a competição ao invés de reduzi-la. Essa teoria, usada como argumentação pela FTC para permitir a aliança, recebe o nome técnico de “failing firm”.

O que a teoria da “failing firm” ignora, entretanto, é a possibilidade de a concorrência global ter sido reforçada se a aliança com a Airbus tivesse sido impedida e a Bombardier tivesse feito sua aliança com a japonesa Mitsubishi ou com a chinesa Comac, ambas ansiosas para entrar em ação no mercado global. Isso teria criado um terceiro forte jogador no mercado para desafiar o duopólio Boeing-Airbus – exatamente o que a lei antitruste procura encorajar.

Interesses políticos permeiam decisões na indústria aeronáutica

Os reguladores e juízes americanos, no entanto, têm tradicionalmente relutado em levar em consideração tal possibilidade. Para os americanos, isso significa muita “política industrial”, com o governo desempenhando um papel muito importante na decisão de quantas e quais empresas competem em mercados estrategicamente importantes.

Apesar da relutância dos funcionários do governo americano em pensar no que eles fazem como política industrial, na verdade a política industrial está sempre por trás de todas as decisões envolvendo a indústria aeroespacial, que todo país avançado considera vital para sua economia e segurança nacional.

Os reguladores antitruste da União Europeia (UE), por exemplo, agiram agressivamente nos últimos anos para controlar o domínio de empresas americanas como Facebook, Google e Microsoft. Mas, no que diz respeito ao acordo entre a Airbus e a Bombardier, a UE, até onde posso afirmar, nunca se preocupou em analisá-lo. Autoridades da região se recusaram a discutir o assunto, mas o leitor pode ter certeza de que eles estavam cientes de que seus representantes políticos em Paris, Berlim e Bruxelas não ficariam entusiasmados se a UE tentasse impedir a Airbus, a campeã europeia, de ganhar alguma vantagem sobre a americana Boeing.

Pela mesma razão, não procure os reguladores americanos para ficar no caminho da união da Boeing com a Embraer. Os representantes da Boeing já estão vendendo a ideia de que concorrentes subsidiados pelos governos da China, Japão e Rússia são uma ameaça competitiva real que está surgindo no horizonte e que permitir que a Boeing assuma a Embraer colocará o campeão americano em uma posição mais forte para suportar essa concorrência “injusta”.

Os problemas do novo super duopólio

A queixa deles sobre subsídios por parte de governos estrangeiros é válida, é claro, mas ignora o fato inconveniente de a própria Boeing ter se beneficiado de bilhões de dólares em subsídios dos estados de Washington, Carolina do Sul e Missouri nos últimos anos, para não mencionar os subsídios federais que recebeu por meio de garantias de empréstimo do Export-Import Bank e subsídios para pesquisa e desenvolvimento embutidos nas dezenas de bilhões de dólares de contratos do Pentágono nas carteiras de encomendas da Boeing.

O argumento dos “subsídios injustos” também ignora o fato inconveniente de que, até poucos anos atrás, a própria Embraer era uma empresa estatal e recebeu bilhões de dólares em apoio do governo. E ignora a inconveniente realidade de que, com um presidente protecionista e um Congresso protecionista no poder em Washington e um forte sentimento anti-russo e anti-China entre os eleitores, serão muitos anos até que um avião russo ou chinês seja vendido no mercado dos EUA.

Também poderia se esperar que as companhias aéreas do país se queixassem de perder a possibilidade de ter três ou quatro companhias de aviação competindo por seus negócios, mas até agora elas também se mantiveram em silêncio sobre o novo super duopólio. Dado que as próprias companhias aéreas passaram as duas últimas décadas reduzindo a concorrência ao se fundirem entre si, dificilmente se pode esperar que elas liderem a acusação de uma aplicação mais vigorosa da lei antitruste. Em vez de reclamar ao governo sobre a natureza anticompetitiva das joint ventures com a Bombardier e a Embraer, as companhias aéreas estão mais propensas a usar tais oportunidades para obter concessões de preço e entrega em troca de manter o silêncio.

A Boeing, de fato, usou recentemente essa tática para responder à proposta de fusão de dois de seus maiores fornecedores de peças, a Rockwell Collins e a United Technologies. Quando o acordo de US$ 23 bilhões foi anunciado em setembro de 2017, tanto a Boeing quanto a Airbus reclamaram publicamente que isso reduziria a concorrência na cadeia de suprimentos do setor aeroespacial. Então, de repente, em março, a Boeing desistiu de sua oposição após anunciar que a United Technology havia concordado em participar de uma “iniciativa de redução de custos” no fornecimento de peças à Boeing.

Deveria estar claro agora para qual caminho todas essas fusões e aquisições estão levando: um setor aeroespacial menos competitivo no qual há apenas dois fabricantes de peças e dois ou três fabricantes de motores fornecendo para as duas gigantes do setor (Boeing e Airbus) que, por sua vez, vendem seus aviões para apenas três ou quatro companhias aéreas gigantes. Acreditar que o mercado está se desenhando de outra forma é simplesmente ingênuo. O nível de consolidação nesse setor, como em muitos outros setores, já atingiu o ponto em que está produzindo lucros enormes, preços mais altos para os consumidores e taxas de investimento e inovação em declínio.

E isso só vai piorar enquanto os juízes e os reguladores antitruste se recusarem a reconhecer que não é mais suficiente examinar a concorrência existente e a concorrência que vier a existir diante de uma fusão ou joint venture. Para continuar a ser relevante no mercado de hoje, o vencedor leva tudo, e a política antimonopólio eficaz agora exige a proteção de possíveis concorrentes.

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