Embaixador Sergio Duarte – Submarino Nuclear Brasileiro

Note DefesaNet

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Ambassador Sérgio Duarte – Brazilian Nuclear Submarine

The Editor

SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO

 

SERGIO DUARTE

Embaixador. Presidente das Conferências Pugwash

sobre Ciência e Assuntos Mundiais.  Ex-Alto

Representante das Nações Unidas para

Assuntos de Disarmamento.

No dia 8 de junho o Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, informou à Junta de Governadores do órgão que o Brasil decidira dar início a consultas sobre os procedimentos especiais de verificação que deverão ser aplicados ao material nuclear a ser utilizado no primeiro submarino a propulsão nuclear do país. O assunto já havia sido objeto de contatos preliminares entre o governo brasileiro, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de materiais nucleares (ABACC) e o Secretariado da AIEA, nos termos do Acordo entre Brasil, Argentina, ABACC e AIEA (Acordo Quadripartite). Ao fazer o anúncio, o Diretor-Geral elogiou a decisão brasileira de trabalhar em conjunto com a AIEA nesse projeto.  

O Brasil é membro da AIEA desde sua criação em 1957. Esse organismo internacional tem a responsabilidade estatutária de estimular e auxiliar a pesquisa e desenvolvimento das aplicações práticas da energia nuclear com objetivos pacíficos, além de estabelecer e administrar salvaguardas destinadas a assegurar que materiais físseis especiais não sejam usados para fins militares, aplicando tais salvaguardas, a pedido de qualquer estado, a suas atividades no campo da energia nuclear.

 

Nota DefesaNet

A Marinha do Brasil tem adotado o nome do submarino Álvaro Álberto para "Submarino Convencional com Propulsão Nuclear Brasileiro" (SCPN).  . Trata-se de uma definição clara que o submarino empregará a energia nuclear na propulsão.

O Editor

Por sua vez, o Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), do qual o Brasil é parte, exige de seus membros não possuidores dessas armas celebrar acordos com a AIEA para colocar sob salvaguardas fontes radioativas e material físsil utilizado em suas instalações nucleares. O projeto do submarino a propulsão nuclear dotado de armas convencionais “Álvaro Alberto”, assim batizado em homenagem ao pioneiro da introdução de indústria nuclear no Brasil, encontra-se atualmente em fase avançada. A embarcação será construída nos estaleiros de Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro. O protótipo do reator, que utilizará urânio de baixo teor de enriquecimento (LEU) como combustível, está sendo desenvolvido nas instalações da Marinha em Aramar, no estado de São Paulo, com tecnologia brasileira.

Uma vez completado o projeto, o Brasil será o primeiro país não possuidor de armas nucleares a desenvolver, de maneira autóctone, um submersível movido a energia atômica.

A vantagem dos submarinos a propulsão nuclear sobre os mais comuns, que usam motores a óleo diesel para a produção da energia elétrica a fim de gerar o movimento, está em que os primeiros podem permanecer submersos por períodos muito mais longos, sem necessidade de reabastecimento. Além disso, são mais rápidos, mais silenciosos e de mais difícil detecção.

Para o Brasil, que possui mais de sete mil quilômetros de costa marítima e de cerca de 3,6 milhões de km2 de mar territorial e zona econômica exclusiva, o submarino a propulsão nuclear dotado de armas convencionais será de grande valia para patrulha, dissuasão e proteção eficiente dos recursos naturais e econômicos existentes nesse espaço marítimo. O desenvolvimento e fabricação de nave desse tipo no país proporcionam também novas oportunidades de avanço tecnológico.

Todos os cinco membros do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) reconhecidos como possuidores dessas armas – China, Estados Unidos. França, Reino Unido e Rússia – dispõem de submarinos a propulsão nuclear capazes de disparar armas atômicas. Além deles, a Índia, que também tem armas nucleares mas não é parte do TNP, acrescentou a sua Marinha em 2016 um submarino desse tipo, apto a lançar mísseis balísticos armados com ogivas nucleares. A Coreia do Norte, que se retirou do TNP em 2003 e obteve capacidade nuclear bélica própria, está igualmente tratando de construir um submarino com capacidades semelhantes.

No ano passado, Estados Unidos, Reino Unido e Austrália – esta última parte não nuclear do TNP – estabeleceram uma parceria conhecida pelo acrônimo AUKUS, que prevê a aquisição de submarinos a propulsão nuclear pela Austrália mediante transferência de tecnologia. Esse acordo substituiu um ajuste anterior com a França, pelo qual a Austrália construiria submarinos convencionais com tecnologia cedida por aquele país. O arranjo com os EUA e o Reino Unido provocou reação muito negativa da China por seus alegados efeitos sobre o equilíbrio militar e estratégico, assim como apreensão entre países do Pacífico, preocupados com a possibilidade de proliferação de armas nucleares na região. O Diretor-geral Grossi informou a Junta de Governadores da AIEA de que já foram realizadas duas reuniões técnicas entre representantes dos três países da AUKUS e o Secretariado da Agência e outras deverão ocorrer em breve.

Existem algumas semelhanças, mas também diferenças importantes, entre o projeto brasileiro e a parceria AUKUS. Entre as semelhanças está o próprio exercício da opção da propulsão nuclear naval por parte de dois países não nuclearmente armados, ambos com reputação ilibada em matéria de não-proliferação. Vale também frisar que o submarino brasileiro, assim como o australiano, terá apenas armamento convencional, já que nenhum dos dois países possui armas nucleares.

As principais diferenças estão na natureza autóctone do programa brasileiro e da produção nacional dos componentes nucleares, inclusive o reator, ao passo que a Austrália não possui programa nuclear próprio e consequentemente dependerá de seus parceiros para a transferência do material nuclear a ser utiizado em seus submarinos. Outra diferença importante é o teor de enriquecimento do urânio a ser utilizado na propulsão: no caso brasileiro trata-se de urânio levemente enriquecido (abaixo de 20%), porém no caso australiano deverá ser de cerca de 90%, ou seja, o mesmo grau de enriquecimento necessário para armas nucleares.

Tais características do projeto australiano de submarinos vêm sendo, como já assinalado, objeto de contestação por parte da China, que considera incompativel com o TNP a transferência de “material de armas nucleares” de potências nuclearmente armadas, como os EUA e o Reino Unido, para a Austrália. Por seu impacto estratégico e pela polêmica que vem gerando, a parceria AUKUS tem conferido maior visibilidade política à questão da propulsão nuclear naval, e deverá repercutir na próxima conferência de exame do TNP, a realizar-se em agosto próximo, em Nova York.

 Para o Brasil, as consultas com a Agência iniciadas em maio último deverão resultar em mecanismos que darão maior expressão prática às disposições específicas dos acordos subscritos pelo país na matéria e às responsabilidades da ABACC nesse particular. Ao mesmo tempo, assegurarão maior confiabilidade às atividades de pesquisa, fabricação e uso de combustíveis nucleares e representarão uma mudança de patamar no que respeita à verificação do cumprimento dos compromissos assumidos, reforçando as credenciais de não proliferação do Brasil.

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