MRAI – Fábio C. Pereira – Parte V- O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Nota DefesaNet

DefesaNet lança a análise do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência  produzidas pelo Especialista em Inteligência Estratégica e Defesa Nacional Fábio Costa Pereira.

Parte I (Introdução) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte II (Justificativa do Projeto, Capítulo I e Capítulo II) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte III – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte IV – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte V – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte VI Final  – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

O texto na íntegra do Projeto de Lei nº 2719/2019, pode ser acessado em Link

O Editor

O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência – Parte V

Fábio Costa Pereira

Especialista em Defesa e Inteligência Estratégica

 I.    Introdução

No presente artigo, mais três pontos do Projeto de Lei serão analisados: o Capítulo VI, que trata dos Outros Meios da Produção do Conhecimento, o Capítulo VII, que trata dos Meios, e o Capítulo VIII que trata das Vedações.

II.  Capítulo VI: os Outros Meios de Produção do Conhecimento

Esse capítulo é composto por quatro (04) artigos. O primeiro deles, o artigo 28º, dispõe que as fontes humanas, independentemente de classificação, são sigilosas pela sua própria natureza. O artigo 29º, ao seu turno, veda que as fontes humanas revelem informações sobre os agentes de inteligência que, eventualmente tenham contato.

Há que se apontar, inicialmente, que o Capítulo VI, desde o seu início, incorre em erro conceitual, pois, ao revés do que dá a entender em seu título, não disciplina outros meios a empregar na produção do conhecimento, diversos daqueles referidos nos capítulos anteriores. Trata, tão somente, sobre o sigilo que deve envolver as questões relativas às fontes humanas e o dever de sigilo destas para com as informações que tiverem sobre os agentes de inteligência.

O artigo 28 [1], em seus quatro parágrafos, ao dispor que as informações relativas às fontes humanas, de per si, são sigilosas (caput), determina que, para a preservação de tal sigilo, o nome da fonte, nos conhecimentos de inteligência difundidos, deva ser substituído por um código identificador (parágrafo 1º); que os órgãos de inteligência mantenham o sigilo sobre as fontes mesmo após o seu desligamento (parágrafo 2º); que os agentes de inteligência possam negar o fornecimento de informações sobre as suas fontes a órgãos e comissões externas (parágrafo 3); e que a consulta pública às informações sobre as fontes humanas é vedada, sem marco temporal definido, enquanto perdurar a necessidade de sua manutenção para preservação da segurança da sociedade e do Estado.

Interessante notar que o parágrafo 3º do artigo 28 do MRAI introduz, em termos de inteligência brasileira, a chamada plausible denial[2], ao permitir que agentes de inteligência se neguem a fornecer informações sobre as sua fontes a comissões e órgãos externos, sem que isso lhes resulte em consequências cíveis, administrativas ou criminais.

O parágrafo 4º do artigo 28, igualmente inovando, contrapõe-se ao quanto disciplinado na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), no que tange à excepcionalidade e ao tempo de duração do sigilo às informações oriundas dos entes públicos.

A LAI foi criada para regular o acesso à informação, estabelecendo ser excepcional a imposição de grau de sigilo àquela, fixando marcos temporais claros para a sua vigência.

O MRAI, no entanto, de forma elástica estabeleceu condição futura e incerta como necessária ao termo final do sigilo: a segurança da sociedade e do Estado.

Importante referir que o MIRAI, na hipótese, tornou regra o sigilo, o que, em sociedades democráticas, pela necessidade de escrutínio dos atos da administração pública, para o fim de seu controle, é a exceção.

Dita exceção, no entanto, encontra justificação na necessidade de preservação da vida e da integridade física daqueles que, enquanto fontes de informações, viabilizam às inteligências exercerem a sua missão, prestando, assim, relevante auxílio à produção dos conhecimentos necessários à tomada de decisão.

Ultimando o Capítulo V, o artigo 29 veda que as fontes humanas, tanto quanto os profissionais que militam na área de inteligência, sob qualquer hipótese, revelem informações sobre aqueles.

O MRAI, no entanto, que se propõe a ser um microssistema próprio a disciplinar o exercício da Inteligência de Estado, não prevê tipos penais próprios para os casos de descumprimento das normas de conduta previstas na lei, remetendo a adequação típica ao Código Penal ou a outras legislações extraordinárias, conforme os matizes dados pelo caso concreto.

Merece o PL, no ponto, emendas parlamentares para incluir tipos penais específicos, em especial no que tange ao desvio de finalidade da atividade de inteligência e da quebra do dever do sigilo funcional.

III.  Capítulo VII: Dos Meios

O Capítulo VII, que trata dos meios alcançados à inteligência para produzir conhecimentos, é composto por três Seções e sete artigos.  A Seção I, formada por quatro artigos, trata da chamada verba sigilosa; a Seção II, que conta com um artigo, trata das áreas e instalações; e a Seção III, também composta de um artigo, trata dos Equipamentos e Materiais.

III.1) Seção I: Da Verba Sigilosa

Verba Sigilosa, nos termos do MRAI: “é a porção do orçamento do Órgão de Inteligência destinada exclusivamente para gastos de natureza sigilosa relacionados às atividades de Operações de Inteligência” (art. 30).

O uso de tal verba se faz necessária, no curso das operações de inteligência, porquanto, dada a sua natureza secreta, em muitas oportunidades a compra de materiais, equipamentos e serviços não pode ser submetida ao escrutínio amplo e irrestrito, via transparência absoluta dada pelos portais que demonstram o emprego dos gastos públicos, sob pena do comprometimento da operação em curso, em prejuízo da sociedade e do Estado.

Os mesmos portais que acessados pelo público em geral, é conveniente salientar, também podem ser acessados pelos alvos das operações, o que pode gerar o prévio conhecimento, por parte desses, do que a inteligência está a fazer e o motivo.

A restrição do pleno acesso do emprego das verbas secretas, no entanto, não significa a ausência de controle ou, de outro lado, de permissão para o seu uso sem qualquer critério.

As verbas sigilosas somente poderão ser empregadas, nos termos do artigo 31 [3] do MRAI, para a compra ou consignação de equipamentos, serviços e materiais, sendo indispensável a prestação de contas de como o dinheiro foi empregado (art. 32) [4], nos exatos termos da instrução normativa a ser baixada pelo Órgão Central de Inteligência (art, 31), devendo os documentos comprobatórios dos gastos ficarem arquivados e disponíveis aos órgãos de fiscalização pelo prazo fixado na Lei de Acesso da Informação (art. 33) [5].

O MRAI, em termos de responsabilização penal no caso do uso indevido da verba sigilosa, como antes apontado, novamente foi omisso, limitando-se a dizer, de forma genérica, que: “O detentor dos recursos da “Verba Sigilosa” é responsável pelo seu correto emprego e somente utilizará os recursos segundo os critérios estabelecidos na autorização para concessão” (art. 34), o que, a toda evidência, mostra-se insuficiente. É importante a previsão de sanções cíveis, penais e administrativas para o inadequado uso de recursos públicos pelos órgãos e agentes de inteligência.

III.2) Seção II: Das Áreas e Instalações

Na Seção II do Capítulo VII, o MRAI, de forma bastante sucinta, trata das áreas e instalações dos Órgão de Inteligência, atribuindo-lhes natureza sigilosa, com acesso restrito e controlado (art. 35, caput)[6], cuja visitação deve se amoldar às normas de segurança, não importando o estatuto ou hierarquia do visitante (artigo 35, parágrafo único)[7].

III.3) Seção III: Dos Equipamentos e Materiais

A Seção III, que trata dos equipamentos e materiais empregados na atividade de inteligência, sucinta como a Seção anterior, prevê hipótese de dispensa de licitação quando houver a necessidade de preservação do sigilo acerca da “capacidade da atividade de inteligência”, sem a especificação do que isso efetivamente se trata ou sua abrangência, para a contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos, com a indispensável comunicação do Tribunal de Contas (art. 36)[8], justificação no que diz respeito ao preço da contratação e escolha do fornecedor ou prestador de serviços (art. 36, parágrafo único)[9].

Cuidando-se a dispensa de licitação de exceção à regra das contratações em matéria de administração pública, imperioso que o legislador especifique quais as hipóteses em que o sigilo sobre a “capacidade da atividade de inteligência” deva ser preservado, evitando-se, dessa forma, o desvio de finalidade no emprego de recursos públicos.

O MRAI, portanto, na hipótese, deve ser aprimorado.

IV.  Capítulo VIII: Das Vedações

O Capítulo VIII, composto por um único artigo e seu parágrafo, trata de uma obviedade nem sempre observada pelos usuários dos conhecimentos de inteligência: a impossibilidade do uso dos documentos de inteligência, com exceção dos relatórios técnicos, como meio de prova ou a sua juntada em processos de qualquer natureza. É o que afirma, textualmente, o artigo 37, caput, do MRAI[10].

Na exceção aberta aos relatórios técnicos, diz o parágrafo único do artigo 37, que eles poderão ser confeccionados pelos Dirigentes dos Órgãos Centrais de Inteligência, que serão encaminhados ao Ministério Público (Federal/Estadual) para servirem como peça informativa.

Objetivando-se evitar desnecessárias confusões ou possíveis nulidades processuais, porquanto referidos relatórios, indefectivelmente, serão usados como meios probantes, é indispensável que o legislador discipline o que são relatórios técnicos, a sua abrangência e requisitos.

Não sendo assim, conhecimentos de inteligência, simplesmente nominados como relatórios técnicos, culminarão por compor cadernos processuais, contrariando os termos do MRAI.

  V.   Considerações Finais

No próximo artigo, encerrando a análise sobre o MRAI, trataremos do

Capítulo IX (controle externo da atividade de inteligência), Capítulo X (compartilhamento de  informações) e Capítulo XI (disposições finais).


[1] Art. 28. As informações referentes à identidade das fontes humanas serão sigilosas por natureza, sem necessidade de classificação específica, e sua produção, manuseio, consulta, transmissão, manutenção e guarda observarão medidas especiais de segurança. §1º Nos documentos difundidos por órgão ou unidades de Inteligência que façam referência à fonte humana, um código de identificação será utilizado em lugar de seu nome real. §2º Cabe aos Órgãos de Inteligência a responsabilidade sobre a manutenção do sigilo sobre suas fontes humanas, mesmo após seu desligamento. §3º Os servidores públicos envolvidos no tratamento com fontes humanas não poderão ser compelidos a revelar às comissões ou órgãos externos informações referentes às fontes sob sua responsabilidade, pois é necessário o resguardo do mesmo ao exercício profissional, nos termos do inc. XIV do art. 5º da CRFB. §4º A consulta pública às identidades das fontes humanas será vedada enquanto perdurar a importância do sigilo para a segurança da sociedade ou do Estado e se estenderá, aos dados pessoais das fontes humanas cadastradas no órgão ou unidade de Inteligência.

[2] É possibilidade de, justificadamente, negar-se a ocorrência de determinado fato, notícia ou atuação do serviço em dada situação. No caso, confere o MRAI, aos profissionais de Inteligência de Estado, o poder de negar aos mecanismos de controle externo informações sobre as suas fontes.

[3] Art. 31. A “Verba Sigilosa” poderá ser destinada para a compra ou consignação de equipamentos, serviços e materiais usados exclusivamente em Operações de Inteligência, independentemente da quantidade, ainda que tais equipamentos sejam irrecuperáveis ou depreciáveis, cabendo dispensa de licitação para este destino, ressaltando que compras de material de uso pessoal e administrativo sujeitam-se ao regular certame licitatório.

[4] Art. 32. Caberá ao Órgão de Inteligência Central estabelecer Instrução Normativa específica para concessão e prestação de contas dos gastos com “Verba Sigilosa”.

[5] Art. 33. Os documentos comprobatórios das despesas realizadas serão arquivados na unidade requisitante, ficando à disposição de órgãos fiscalizadores pelo prazo preconizado pela Lei nº 12.527/2011.

[6]Art. 35. As áreas e instalações dos OI são sigilosas nos termos da legislação vigente, sendo seu acesso restrito e controlado.

[7] Parágrafo único. Os pedidos de visita ou visita de qualquer autoridade às instalações da agência deverão ser tratados dentro das normas de segurança e sigilo previstas na legislação em vigor.

[8] Art. 36. Havendo necessidade justificada de manter sigilo sobre a capacidade da atividade de inteligência, poderá ser dispensada licitação para contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos, dispensada a publicação de que trata o parágrafo único do art. 61 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, devendo ser comunicado ao competente Tribunal de Contas da realização da contratação, preservandose o sigilo da informação.

[9] Parágrafo único. As dispensas de licitação serão necessariamente justificadas, notadamente quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante, cabendo sua ratificação ao titular da pasta ou órgão.

[10] Art. 37. Os documentos e relatórios de Inteligência, exceto o relatório técnico, não poderão ser utilizados como meio de prova ou juntados em processos de qualquer natureza. Parágrafo único: Os Dirigentes dos Órgãos Centrais de Inteligência poderão confeccionar relatório técnico, que serão encaminhados diretamente aos Ministérios Público Federal e/ou Estadual, conforme o caso, para que possam servir de peça informativa.

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