
COBERTURA ESPECIAL - MRAI - Inteligência
MRAI - Fábio C. Pereira - Parte V- O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência
Nota DefesaNet
DefesaNet lança a análise do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência produzidas pelo Especialista em Inteligência Estratégica e Defesa Nacional Fábio Costa Pereira.
Parte II (Justificativa do Projeto, Capítulo I e Capítulo II) - O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência |
O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência – Parte V
Fábio Costa Pereira
Especialista em Defesa e Inteligência Estratégica
I. Introdução
No presente artigo, mais três pontos do Projeto de Lei serão analisados: o Capítulo VI, que trata dos Outros Meios da Produção do Conhecimento, o Capítulo VII, que trata dos Meios, e o Capítulo VIII que trata das Vedações.
II. Capítulo VI: os Outros Meios de Produção do Conhecimento
Esse capítulo é composto por quatro (04) artigos. O primeiro deles, o artigo 28º, dispõe que as fontes humanas, independentemente de classificação, são sigilosas pela sua própria natureza. O artigo 29º, ao seu turno, veda que as fontes humanas revelem informações sobre os agentes de inteligência que, eventualmente tenham contato.
Há que se apontar, inicialmente, que o Capítulo VI, desde o seu início, incorre em erro conceitual, pois, ao revés do que dá a entender em seu título, não disciplina outros meios a empregar na produção do conhecimento, diversos daqueles referidos nos capítulos anteriores. Trata, tão somente, sobre o sigilo que deve envolver as questões relativas às fontes humanas e o dever de sigilo destas para com as informações que tiverem sobre os agentes de inteligência.
O artigo 28 [1], em seus quatro parágrafos, ao dispor que as informações relativas às fontes humanas, de per si, são sigilosas (caput), determina que, para a preservação de tal sigilo, o nome da fonte, nos conhecimentos de inteligência difundidos, deva ser substituído por um código identificador (parágrafo 1º); que os órgãos de inteligência mantenham o sigilo sobre as fontes mesmo após o seu desligamento (parágrafo 2º); que os agentes de inteligência possam negar o fornecimento de informações sobre as suas fontes a órgãos e comissões externas (parágrafo 3); e que a consulta pública às informações sobre as fontes humanas é vedada, sem marco temporal definido, enquanto perdurar a necessidade de sua manutenção para preservação da segurança da sociedade e do Estado.
Interessante notar que o parágrafo 3º do artigo 28 do MRAI introduz, em termos de inteligência brasileira, a chamada plausible denial[2], ao permitir que agentes de inteligência se neguem a fornecer informações sobre as sua fontes a comissões e órgãos externos, sem que isso lhes resulte em consequências cíveis, administrativas ou criminais.
O parágrafo 4º do artigo 28, igualmente inovando, contrapõe-se ao quanto disciplinado na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), no que tange à excepcionalidade e ao tempo de duração do sigilo às informações oriundas dos entes públicos.
A LAI foi criada para regular o acesso à informação, estabelecendo ser excepcional a imposição de grau de sigilo àquela, fixando marcos temporais claros para a sua vigência.
O MRAI, no entanto, de forma elástica estabeleceu condição futura e incerta como necessária ao termo final do sigilo: a segurança da sociedade e do Estado.
Importante referir que o MIRAI, na hipótese, tornou regra o sigilo, o que, em sociedades democráticas, pela necessidade de escrutínio dos atos da administração pública, para o fim de seu controle, é a exceção.
Dita exceção, no entanto, encontra justificação na necessidade de preservação da vida e da integridade física daqueles que, enquanto fontes de informações, viabilizam às inteligências exercerem a sua missão, prestando, assim, relevante auxílio à produção dos conhecimentos necessários à tomada de decisão.
Ultimando o Capítulo V, o artigo 29 veda que as fontes humanas, tanto quanto os profissionais que militam na área de inteligência, sob qualquer hipótese, revelem informações sobre aqueles.
O MRAI, no entanto, que se propõe a ser um microssistema próprio a disciplinar o exercício da Inteligência de Estado, não prevê tipos penais próprios para os casos de descumprimento das normas de conduta previstas na lei, remetendo a adequação típica ao Código Penal ou a outras legislações extraordinárias, conforme os matizes dados pelo caso concreto.
Merece o PL, no ponto, emendas parlamentares para incluir tipos penais específicos, em especial no que tange ao desvio de finalidade da atividade de inteligência e da quebra do dever do sigilo funcional.
III. Capítulo VII: Dos Meios
O Capítulo VII, que trata dos meios alcançados à inteligência para produzir conhecimentos, é composto por três Seções e sete artigos. A Seção I, formada por quatro artigos, trata da chamada verba sigilosa; a Seção II, que conta com um artigo, trata das áreas e instalações; e a Seção III, também composta de um artigo, trata dos Equipamentos e Materiais.
III.1) Seção I: Da Verba Sigilosa
Verba Sigilosa, nos termos do MRAI: “é a porção do orçamento do Órgão de Inteligência destinada exclusivamente para gastos de natureza sigilosa relacionados às atividades de Operações de Inteligência” (art. 30).
O uso de tal verba se faz necessária, no curso das operações de inteligência, porquanto, dada a sua natureza secreta, em muitas oportunidades a compra de materiais, equipamentos e serviços não pode ser submetida ao escrutínio amplo e irrestrito, via transparência absoluta dada pelos portais que demonstram o emprego dos gastos públicos, sob pena do comprometimento da operação em curso, em prejuízo da sociedade e do Estado.
Os mesmos portais que acessados pelo público em geral, é conveniente salientar, também podem ser acessados pelos alvos das operações, o que pode gerar o prévio conhecimento, por parte desses, do que a inteligência está a fazer e o motivo.
A restrição do pleno acesso do emprego das verbas secretas, no entanto, não significa a ausência de controle ou, de outro lado, de permissão para o seu uso sem qualquer critério.
As verbas sigilosas somente poderão ser empregadas, nos termos do artigo 31 [3] do MRAI, para a compra ou consignação de equipamentos, serviços e materiais, sendo indispensável a prestação de contas de como o dinheiro foi empregado (art. 32) [4], nos exatos termos da instrução normativa a ser baixada pelo Órgão Central de Inteligência (art, 31), devendo os documentos comprobatórios dos gastos ficarem arquivados e disponíveis aos órgãos de fiscalização pelo prazo fixado na Lei de Acesso da Informação (art. 33) [5].
O MRAI, em termos de responsabilização penal no caso do uso indevido da verba sigilosa, como antes apontado, novamente foi omisso, limitando-se a dizer, de forma genérica, que: “O detentor dos recursos da “Verba Sigilosa” é responsável pelo seu correto emprego e somente utilizará os recursos segundo os critérios estabelecidos na autorização para concessão” (art. 34), o que, a toda evidência, mostra-se insuficiente. É importante a previsão de sanções cíveis, penais e administrativas para o inadequado uso de recursos públicos pelos órgãos e agentes de inteligência.
III.2) Seção II: Das Áreas e Instalações
Na Seção II do Capítulo VII, o MRAI, de forma bastante sucinta, trata das áreas e instalações dos Órgão de Inteligência, atribuindo-lhes natureza sigilosa, com acesso restrito e controlado (art. 35, caput)[6], cuja visitação deve se amoldar às normas de segurança, não importando o estatuto ou hierarquia do visitante (artigo 35, parágrafo único)[7].
III.3) Seção III: Dos Equipamentos e Materiais
A Seção III, que trata dos equipamentos e materiais empregados na atividade de inteligência, sucinta como a Seção anterior, prevê hipótese de dispensa de licitação quando houver a necessidade de preservação do sigilo acerca da “capacidade da atividade de inteligência”, sem a especificação do que isso efetivamente se trata ou sua abrangência, para a contratação de serviços técnicos especializados, aquisição ou locação de equipamentos, com a indispensável comunicação do Tribunal de Contas (art. 36)[8], justificação no que diz respeito ao preço da contratação e escolha do fornecedor ou prestador de serviços (art. 36, parágrafo único)[9].
Cuidando-se a dispensa de licitação de exceção à regra das contratações em matéria de administração pública, imperioso que o legislador especifique quais as hipóteses em que o sigilo sobre a “capacidade da atividade de inteligência” deva ser preservado, evitando-se, dessa forma, o desvio de finalidade no emprego de recursos públicos.
O MRAI, portanto, na hipótese, deve ser aprimorado.
IV. Capítulo VIII: Das Vedações
O Capítulo VIII, composto por um único artigo e seu parágrafo, trata de uma obviedade nem sempre observada pelos usuários dos conhecimentos de inteligência: a impossibilidade do uso dos documentos de inteligência, com exceção dos relatórios técnicos, como meio de prova ou a sua juntada em processos de qualquer natureza. É o que afirma, textualmente, o artigo 37, caput, do MRAI[10].
Na exceção aberta aos relatórios técnicos, diz o parágrafo único do artigo 37, que eles poderão ser confeccionados pelos Dirigentes dos Órgãos Centrais de Inteligência, que serão encaminhados ao Ministério Público (Federal/Estadual) para servirem como peça informativa.
Objetivando-se evitar desnecessárias confusões ou possíveis nulidades processuais, porquanto referidos relatórios, indefectivelmente, serão usados como meios probantes, é indispensável que o legislador discipline o que são relatórios técnicos, a sua abrangência e requisitos.
Não sendo assim, conhecimentos de inteligência, simplesmente nominados como relatórios técnicos, culminarão por compor cadernos processuais, contrariando os termos do MRAI.
V. Considerações Finais
No próximo artigo, encerrando a análise sobre o MRAI, trataremos do
Capítulo IX (controle externo da atividade de inteligência), Capítulo X (compartilhamento de informações) e Capítulo XI (disposições finais).