Gen Ex Pinto Silva – Atividades de Guerra Híbrida e a Desestabilização do Governo

ATIVIDADES DE GUERRA HÍBRIDA E A DESESTABILIZAÇÃO DO GOVERNO

Pinto Silva Carlos Alberto [1]

1.  GENERALIDADES

Estamos vendo uma transformação da vida social, cultural e política, com repercussão nos comportamentos, nos gastos pessoais e no gozo dos direitos civis. Na era da informação o conhecimento passa a ser um recurso econômico e político crucial e as redes e os demais meios de comunicação se convertem em estrutura crítica, uma vez que aqueles que dominam o conhecimento e os meios de comunicação se apoderam de um grande Poder Político.

Se a sociedade quiser protestar, criticar ou realizar um abaixo assinado virtual, basta postar nas redes sociais ou grupos de mensagens que muitas pessoas serão alcançadas.

Alguns estudiosos já falam de “sociedade do conhecimento” para destacar o valor do capital humano na sociedade estruturada em redes telemáticas, que, passam a promover um novo elo entre o Estado e o cidadão.

2.  GUERRA HÍBRIDA E A DESESTABILIZAÇÃO DE UM GOVERNO [2]

No livro Guerras Híbridas, das revoluções coloridas aos golpes, Andrew Korybko constrói um novo conceito para explicar as novas táticas para derrubar governos. A Guerra Híbrida é a combinação de uma guerra política para desestabilizar governos (Revoluções Coloridas) e de guerras não convencionais, usando de todos os meios de disponíveis de uma nação para alcançar objetivos nacionais sem entrar em guerra (aquém da guerra), podendo haver o emprego de meios militares para manter “status quo”. Alguns conceitos abordados no livro por Andrew Korybko são apresentados a seguir.

2.1.CINCO ANÉIS DE WARDEN.

O coronel da Força Aéreados Estados Unidos, John Warden, é o criador do conceito estratégico dos cinco anéis. Segundo ele, existem cinco centros de gravidade principais que mantêm uma força adversária unida. (“Guerras Híbridas | Alfred Thayer Mahan | Rússia”) Começando pelo núcleo mais importante e expandindo para fora.

Esse conceito é importantíssimo tanto para as guerras não convencionais como para as ações de desestabilização de governo, os dois pilares das guerras híbridas.

A partir da identificação dos “Centros de Gravidade”, devemos estabelecer um critério que irá hierarquizá-los em escala de importância.

Os “Centros de Gravidade” revelam-se diferentes no caso da desestabilização do governo para a tomada do poder, havendo dois conjuntos diferentes de anéis [3] para cada alvo: a sociedade e o indivíduo.

– Primeiro alvo – a Sociedade: os anéis são População, Mídia (Internacional e nacional), Elite Nacional, Forças Armadas/Polícia, e Liderança (Do anel mais externo para o mais interno). (“Guerras Hibridas | Geopolítica | Rússia”).

    

O objetivo da ação, uma vez iniciada, é derrubar a liderança e tomar o poder do Estado. Ela é muito eficiente para essa finalidade uma vez que une a população em um enxame e faz com que ela subjugue as instituições públicas que representam o governo. (“Guerras Hibridas – Andrew Korybko.pdf | Geopolítica …”). Se as Forças Armadas / polícia vierem ao socorro do anel-núcleo liderança e forem bem-sucedidas, está armado o cenário para a luta armada, ainda que em baixas proporções. A elite é o terceiro anel mais profundo porque tem o poder de influenciar a mídia e a população, mas em geral é incapaz de induzir as Forças Armadas ou a polícia. As mídias internacional e nacional têm graus variantes de importância, mas ambas têm algum efeito sobre a população. A mídia internacional contra o governo pode deixar as autoridades desconfortáveis e hesitantes em se defender da tentativa de tomada do poder, mas esse não é um fator decisivo para a queda ou não do governo.

– Segundo alvo – o Indivíduo: os anéis são País, Religião, Vizinhança, o Trabalho e Família (Do anel mais externo para o mais interno).

Nesse exemplo, a família é o núcleo da vida do indivíduo, logo, se a campanha de informação da operação psicológica for capaz de se aproveitar dessa vulnerabilidade e convencer País, Religião, Vizinhança, Trabalho, a aderir ao movimento invocando a família, as vantagens crescem.

À semelhança, se o movimento apelar aos sentimentos patriotas, mas se o indivíduo ou a maioria da população não dão muita importância a esse conceito, o movimento não terá êxito.

 

2.2. GUERRA NEOCORTICAL REVERSA.

“A “guerra neocortical” é uma guerra que se esforça por controlar ou moldar o comportamento dos organismos inimigos sem destruí-los. Para tanto, ela influência, até o ponto de regular, a consciência, as percepções e a vontade da liderança do adversário: o sistema neocortical do inimigo.

Dito de maneira mais simples, a guerra neocortical tenta penetrar nos ciclos recorrentes e simultâneos de ‘observação, orientação, decisão e ação’ dos adversários. De maneiras complexas, ela esforça-se por munir os líderes do adversário – seu cérebro coletivo – de percepções, dados sensoriais e dados cognitivos projetados para resultar em uma gama de cálculos e avaliações estreita e controlada (ou predominantemente grande e desorientadora). O produto dessas avaliações e cálculos são escolhas do adversário que correspondem às escolhas e resultados que desejamos.

“Influenciar os líderes a não lutar é imprescindível.” (Richard Szafranski).

2.3. GUERRA CENTRADA EM REDE SOCIAL

A Lei de Metcalfe é uma das mais poderosas da atualidade. Ela sentencia que o “poder” de uma rede é proporcional ao quadrado de nós que ela possui.

Adaptando isso para as redes sociais humanas, os nós tornam-se os indivíduos que participam da atividade e seu “poder” agregado para praticar a tentativa de tomada do governo cresce na medida em que interagem primeiramente através das redes sociais e, depois, pessoalmente após a atividade desestabilizadora ter início.

Quanto à “grade de sensor” [4], esta torna-se o ponto de contato inicial através do qual o indivíduo é munido das informações contra o governo. Ela pode ser virtual, por meio de computadores e celulares, ou físico, por meio da interação direta com uma ONG.

A “grade de transação ou engajamento” é o catalisador para a ação, e, nessa comparação, equivale às redes de mídia social que organizam os participantes da luta pelo poder e disseminam o chamado à ação. Por fim, a espinha dorsal da informação de alta qualidade que sustenta todo o aparelho é a campanha de informação, que é, também, aperfeiçoada pela abordagem de guerra neocortical.

A Lei de Metcalfe é implacável. O grande desafio, no entanto, reside em como tracionar a audiência de forma eficiente eficaz. Está aí uma questão absolutamente desafiante, que não tem uma receita de bolo nem resposta pronta.

No entanto: é necessário testar, experimentar, criar protótipos para aprender e buscar soluções que vão nessa linha.

As organizações que não começarem a exercitar hoje esses modelos – já estão atrasadas.

2.4. GUERRA SOCIAL EM REDE

John Arquilla e David Ronfeldt, da RAND Corporation, publicaram um livro em 1996 chamado The Advent of Netwar (O advento da guerra em rede). Eles propuseram haver um novo tipo de conflito social no horizonte, no qual redes “sem líderes” compostas principalmente por atores desvinculados do Estado se aproveitariam da revolução da informação (isto é, da Internet) para travar uma luta amorfa de baixa intensidade contra o Establishment.

Refere-se a um modo emergente de conflito (e crime) nos níveis sociais, salvo guerras militares tradicionais, em que os protagonistas usam formas de organização em rede e doutrinas, estratégias e tecnologias relacionadas afinadas com a era da informação. Esses protagonistas provavelmente serão organizações dispersas, pequenos grupos e indivíduos que se comunicarão, coordenarão e conduzirão suas campanhas de uma maneira conectada via Internet, geralmente sem um comando central preciso.

2.5. OS ENXAMES E A MENTE DE COLMEIA

O grande objetivo da inteligência nacional e estrangeira ao infiltrar-se nas redes sociais é de criar uma mente de colmeia. Essa mente de colmeia faz então com que seus membros formem o enxame contra o alvo, de maneira aparentemente caótica, a fim de abalar o sistema de segurança e levá-lo ao colapso.

No contexto da guerra híbrida para a tomada do poder, essas são as massas insurgindo contra os centros simbólicos e administrativos de poder das autoridades como um enxame unificado a fim de provocar a troca de regime pela lei da aglomeração (isto é, caos organizado e dirigido).

As mentes de colmeia podem ser fabricadas por organizações de inteligência nacional ou estrangeiras através de plataformas de mídia social e princípios da guerra em rede.

As técnicas de “relações públicas” são extensivamente atividades Guerras híbridas colocadas em prática nos mundos virtual e físico para permitir que tudo isso aconteça.

A finalidade é reunir o máximo possível de pessoas que vieram indiretamente a compartilhar das mesmas convicções contra o governo. É imprescindível que esses indivíduos também sejam “programados” por meio das táticas de guerra neocortical reversa para que desejem ativamente provocar a mudança quando a decisão de iniciar a atividade de luta pelo poder for tomada.

Graças a esses meios, partes díspares tornam-se “uma só mente” e podem ser mobilizadas como uma unidade. Essa mente de colmeia também pode ser chamada de consciência coletiva ou inteligência de enxame dependendo se sua mobilização é, respectivamente, passiva ou ativa.

A “consciência coletiva” é definida por Anna Piepmeyer da Universidade de Chicago como “a condição do sujeito dentro da sociedade como um todo, e como qualquer indivíduo vem a se perceber como parte de um grupo”.

Os enxames são aparentemente amorfos, mas são uma forma deliberadamente estruturada, coordenada de forma estratégica para atacar de todos os lados, através de uma pulsação sustentável de força e/ ou fogo tanto de perto quanto de longe. Eles funcionarão melhor, quiçá só funcionarão, se forem desenvolvidos principalmente em torno da mobilização de inúmeras unidades de manobra, pequenas, dispersas e interconectadas (o que chamamos de “bandos” organizados em “aglomerados”).

2.6. O MODERNO ARSENAL QUE PODE SER USADO PELA GUERRA HÍBRIDA PARA A TOMADA DO PODER

As redes organizadas e pessoas ativamente mobilizadas por meios tecnológicos podem evoluir para células de enxame, que desestabilizam a sociedade com vistas a derrubar governos alvo.

Isso faz de suas táticas indiretas e caóticas, minando o planejamento das autoridades e dando a iniciativa estratégica de bandeja para os enxames ofensivos.

Hoje em dia, o Google Maps, YouTube, Facebook e Twitter são partes integrantes do “arsenal” que os guerreiros híbridos empunham.

É assim que a teoria das guerras híbridas vê essas quatro plataformas sociais, todas disponíveis em telefones celulares modernos, trabalhando em conjunto para desestabilizar caoticamente a sociedade e ajudar na formação de enxames.

O Facebook é o portal para reunir e fazer propaganda do movimento de desestabilização do governo. Ele recrutaapoiadores e permite a criação de grupos fechados nos quais ativistas contra o governo podem se encontrar e discutir suas estratégias virtualmente. Uma vez tomada a decisão de iniciar as ações,o Google Maps é usado para planejar rotas de protesto, localizar áreas públicas (tipicamente parques) onde os ativistas podem se organizar de antemão e identificar os melhores lugares para o enxame de manifestantes reunir-se. Durante o combate urbano contra os serviços de segurança, o Google Maps pode rapidamente exibir rotas de fuga para os combatentes e ajudá-los a elaborar estratégias para seus ataques.

Essas informações, incluindo a difusão de mensagens de qualquer natureza a todos os membros do movimento, podem ser transmitidas instantaneamente via Twitter. Por fim, os ativistas podem filmar os procedimentos com seus telefones celulares e publicar vídeos favoráveis ao movimento (e potencialmente enganosos e/ou editados) no YouTube.

Os ativistas podem então usar as mesmas contas no Twitter e Facebook, ou outras, para fazer propaganda de seus vídeos na Internet na tentativa de obter o máximo de visualizações possível.

As hashtags ajudama organizar as informações para que seja possível recuperar resultados com rapidez, além de facilitar a busca no Google e em outros algoritmos de busca.

3. CONCLUSÃO.

Reafirmamos o já publicado no Texto “Insurgência Moderna.

Um Pensamento ou uma Teoria que se tornou realidade.

No Brasil de hoje, a luta pelo Poder progride e a realidade nos mostra que até que o governo consiga conquistar a maior parte da sociedade com suas realizações, ou a grande imprensa vença o terceiro turno, com a guerra midiática interna e externa posta em execução contra o governo, aliada à esquerda brasileira que optou pela forma violenta para a tomada do Poder [5], e, assim, crescendo vertiginosamente os riscos políticos de consequências inimagináveis [6] e se multiplicando os erros de cálculo [7].

O governo deve elaborar estratégias defensivas apropriadas para impedir a “insurgênciamoderna”sequer começar, e, se ela começar, para reduzir o impacto e evitar que o “desafio anárquico” imponha danos paralisantes e derrube o governo e conquiste o Poder.

A maior defesa contra a “insurgência moderna”é estabelecer firmes ações de governo em defesa dos valores democráticos nacionais, da ética e do combate à corrupção, dos direitos das pessoas e de uma maior igualdade social, além de manter a população informada das realizações governamentais. Isso significa fazer com que a sociedade se sinta em grande quantidade parte de “algo maior” e enxerguem no executivo respeito a conceitos supranacionais, existentes nas verdadeiras democracias.

É importante que essa ação de governo seja inclusiva e reúna os mais variados grupos sociais, étnicos, religiosos e econômicos do país.   Na verdade, a forte promoção de ideais patrióticas pelo Estado leva à eventual criação de uma “mente de colmeia” em favor do governo e que participaria de um “contra enxame estratégico” em objeção a quaisquer insurgente ou ação visando a Tomada do Poder de Forma Violenta.”[8]

A grande dificuldade para as autoridades e instituições dos Estados Democráticos, na atual conjuntura, é de se ver presa pelo grande desafio de interpretar quando intervir, ou não, na luta pelo Poder sem ferir o regime democrático.


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] Resumo de partes do livro Guerras Híbridas das revoluções coloridas aos golpes, Andrew Korybko

[3] Centros de Gravidade.

[4] O objetivo é identificar quando os dados coletados identificam a ocorrência de um evento.

[5] Os protestos vividos em Brasília em 24 de maio de 2017, sinalizam o início da fase violenta para a conquista do Poder. Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/politica/perdeu-o-dia-de-caos-em-brasilia-entenda-o-novo-episodio-da-crise/.

[6] Manifestação em Brasília contra governo Temer; Fotos – https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/fotos-manifestacao-em-brasilia-contra-governo-temer.ghtml  

DefesaNet

Recomendamos a leitura da Série a Guerra Híbrida chegou ao Planalto, que  é composta de dois artigos de DefesaNet  e o terceiro obra do Gen Ex Pinto Silva:

1 – Guerra Híbrida Chegou ao Planalto Central Link

2 – Castrochavismo pleiteia na OEA que Dilma retorne à Presidência Link

3 –  Gen Ex R1 Pinto Silva – O Brasil e a Guerra Híbrida no Pós Guerra Fria Link

[7] Ressurge a união da esquerda visando o retorno ao Poder em 2018, enquanto a deputada Benedita da Silva declara: … “sem derramamento de sangue não há redenção, com a luta e vamos à luta com qualquer que sejam as armas.” – https://jornalggn.com.br/noticia/partidos-de-centro-esquerda-se-unem-contra-parlamentarismo-e-ameacas-da-direita

[8] “Guerras Híbridas: a abordagem adaptativa indireta com vistas à troca de regime”. Andrew Korybko

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