A evolução da administração pública no Exército Brasileiro: burocrática, neoweberiana e gerencial

Maj Andre Esteves de Lima

(EBlog) O Estado, com o passar dos séculos, vem se adaptando às novas conjunturas políticas, econômicas e sociais, impondo como consequência, uma evolução na administração pública. Inicialmente, com a estruturação do Estado, surge a administração pública patrimonialista, em que havia uma confusão entre a coisa pública e o patrimônio do monarca.

Com a influência do capitalismo e da democracia, essa confusão foi afastada pelo surgimento de um serviço público profissional (burocracia), denominado por Weber (1922) de administração burocrática, que tinha por base os princípios do mérito profissional, da impessoalidade, da centralização, da divisão do trabalho, da formalização e da hierarquia, típicos de culturas organizacionais militares e de ordens religiosas que atuam de forma racional e normativa. A administração burocrática clássica se baseou em princípios da administração do Exército Prussiano, sendo implantada nos principais países da Europa no final do século XIX e, nos Estados Unidos no início do século XX (BRESSER, 1996 e FERREIRA, 1996).

Somente no final do século XX, influenciado pela administração empresarial, surge a administração pública gerencial (BRESSER, 1996), focada na descentralização política e administrativa, no controle de resultados, no atendimento ao cidadão e em novas formas de gestão. As formas de administração pública não se sucederam de maneira estanque: houve uma substituição gradual de acordo com o nível de convergência dos fatores políticos, econômicos e sociais, que foram variados nos diversos Estados.

No entanto, existem órgãos governamentais e entidades públicas que devem ser mais burocráticos, em face da necessidade de observar procedimentos legais e regulamentos para o exercício de sua função pública e oferecer segurança jurídica. Há, contudo, outros setores públicos em que a flexibilidade na organização administrativa é necessária para a produção efetiva de resultados, principalmente aqueles relacionados com a prestação de serviços ao cidadão.

A adoção de um conceito de planejamento estratégico adequado às mudanças no mundo contemporâneo e capaz de pensar as políticas de médio e longo prazo é uma tendência de modificação do padrão burocrático weberiano para um modelo de administração gerencial (ABRUCIO, 1997), o que se verificou no âmbito do EB desde meados dos anos 80, quando foi instituído o Sistema de Planejamento Estratégico do Exército (SIPLEx), por meio da Portaria nº 077-EME, de 4 de dezembro de 1985.

Desde então, as boas práticas de gestão vêm sendo implantadas de forma sistemática no âmbito do EB, sofrendo ajustes pontuais para melhor se adaptar aos avanços da Tecnologia da Informação, às novas demandas administrativas e às orientações dos órgãos superiores e de controle externo.

Assim, diretrizes e princípios foram implementados no cotidiano da administração pública militar, que adquiriu uma ênfase gerencial, sem se afastar do seu viés burocrático inerente à essência da sua cultura organizacional, que valoriza a hierarquia, o mérito profissional, a impessoalidade, a centralização, a divisão do trabalho e a formalização. Esse é um bom exemplo da possibilidade de convivência de estruturas burocratizadas com o moderno modelo gerencial, numa espécie de administração pública militar neoweberiana (PETER apud NUNES, 2018).

Essa tendência foi aprofundada nas organizações militares com o Programa de Administração pela Qualidade Total (PAQT), de 1994, que tinha como um de seus vetores a metodologia japonesa do “5S”: Seiri (utilização), Seiton (arrumação), Seiso (limpeza), Shitsuke (disciplina) e Seiketsu (higiene). Em 2003, foi criado o Programa Excelência Gerencial do EB (PEG-EB), para a melhoria dos projetos e processos, bem como a qualidade dos produtos e serviços de defesa.

Já em 2007, foi implementado o Sistema de Excelência no EB (SE-EB), composto por quatro projetos: o Projeto Sistema de Gestão Estratégica/Balanced Scorecard (SGE/BSC); o Projeto Sistema Integrado de Gestão (SIG); o Projeto de Gestão por Processos (PGP); e o Projeto de Consolidação do PEG-EB, buscando implementar e consolidar as modernas práticas de gestão.

Atualmente, seguindo o Plano Estratégico do Exército (PEEx) para o quadriênio 2020-2023, o Comando do Exército deu continuidade à implantação da Política de Gestão de Riscos com princípios, objetivos organizacionais, diretrizes, competências e responsabilidades, tendo por referencial teórico as orientações do Committee of Sponsoring Organizations of the Tread Way Commission (COSO) e das Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), sendo mais um aperfeiçoamento da governança corporativa inerente ao modelo de administração gerencial.

Por fim, verifica-se que a administração pública do Comando do Exército, apesar de possuir características burocráticas na sua essência, vem sendo permeada pelo modelo gerencial com o surgimento de novas demandas e de novas tecnologias. Dessa forma, tem aumentado sua efetividade na gestão do bem público, com o aperfeiçoamento da sua governança corporativa, principalmente com a implantação de uma política de gestão de risco, de acordo com o estabelecido no Plano Estratégico do Exército para o quadriênio 2020-2023, configurando uma espécie de administração pública neoweberiana.

REFERÊNCIAS:

ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na administração pública: Um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP. n. 10. Brasília. 1997.

BRASIL, Portaria Ministerial nº 065, 16 de fevereiro de 1994. Programa de Administração pela Qualidade Total no Exército Brasileiro (PAQT). Brasília. 1994.

BRASIL, Portaria nº 348-Cmt Ex, de 1º de julho de 2003. Programa Excelência Gerencial do Exército Brasileiro (PEG-EB). Brasília. 2003.

BRASIL, Portaria nº 220-Cmt Ex, de 2 de abril de 2007. Sistema de Excelência no Exército Brasileiro (SE-EB). Brasília. 2007.

BRASIL, Portaria nº 1.968-Cmt Ex, de 3 de dezembro de 2019. Aprova o Plano Estratégico do Exército (PEEx) para o quadriênio 2020-2023. Brasília. 2019.

BRASIL, Portaria nº 077-EME, de 4 de dezembro de 1985. Instituiu o Sistema de Planejamento Estratégico do Exército (SIPLEx), Brasília. 1985.

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, n.47, Jan-Abr. Brasília: ENAP. 1996.

COSO. Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission. Gerenciamento de riscos corporativos. Tradução Audibra e Price water house Copers. São Paulo: [s.n.], 2013

FERREIRA, Caio Márcio Marini Ferreira. Crise e reforma do Estado: uma questão de cidadania e valorização do servidor. Revista do Serviço Público, n.47, Set-Dez. Brasília: ENAP. 1996.

NUNES, Alexandre Morais. Reflexão teórica comparada sobre modelos de Gestão Pública. Revista Brasileira de Administração Política, n. 1, v. 11. 2018.

Sobre o autor:

Maj Andre Esteves de Lima – O autor é Major do Quadro Complementar de Oficiais, área de direito. Realizou o Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar (2006) e o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (2015).

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2004) e em Ciências Contábeis pela Universidade do Estado da Bahia (2003); Pós-graduação em Aplicações Complementares às Ciências Militares pela Escola de Formação Complementar do Exército (2006), em Direito Militar pela União Educacional de Brasília (2008) e especialização em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (2015); e Mestrado em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Universidade Salvador (2021). Foi assessor jurídico do Estado-Maior do Exército (2007 – 2011). Desde 2012, é assessor jurídico do Comando da 6ª Região Militar. Contatos: (esteves.andre@eb.mil.br ou esteves.email@gmail.com)

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