BR-RU – Diálogo político-militar Brasil-Rússia reforça mudança estratégica global

Documentos

BR-RU – Comunicado Conjunto do Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin

https://www.defesanet.com.br/br_ru/noticia/43640/BR-RU—Comunicado-Conjunto-do-Presidente-da-Republica-Federativa-do-Brasil–Jair-Messias-Bolsonaro–e-do-Presidente-da-Federacao-da-Russia–Vladimir-Putin/

BR-RU – Declarações à imprensa após conversas russo-brasileiras

https://www.defesanet.com.br/br_ru/noticia/43643/BR-RU—Declaracoes-a-imprensa-apos-conversas-russo-brasileiras/

BR-RU – Declarações à imprensa após conversas russo-brasileiras

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BR-RU – Consultas 2+2 em Defesa, a perspectiva inicial

https://www.defesanet.com.br/br_ru/noticia/43651/BR-RU—-Consultas-2%2B2-em-Defesa–a-perspectiva-inicial/

Artigo

BR-RU – Diálogo político-militar Brasil-Rússia reforça mudança estratégica global

Lorenzo Carrasco e Geraldo Lino – MSiA

https://www.defesanet.com.br/br_ru/noticia/43644/BR-RU—Dialogo-politico-militar-Brasil-Russia-reforca-mudanca-estrategica-global/

Lorenzo Carrasco

e Geraldo Luís Lino

MSiA

A visita de Estado do presidente Jair Bolsonaro a Moscou, a convite de Vladimir Putin, sinaliza um novo patamar de entendimento estratégico entre os dois países, o qual pode ser um dos catalisadores do retorno definitivo do Brasil à sua antiga tradição de política externa independente e da recuperação da noção plena da sua grandeza como coprotagonista das mudanças globais, deixando para trás décadas de “apaziguamento” com a “Nova Ordem Mundial” pós-Guerra Fria, a causa principal do déficit de soberania experimentado pelo País em todo o período, em especial, na Amazônia.

Na edição de 19 de janeiro desta Resenha (“Desafios da reaproximação Brasil-Rússia”), afirmamos que a reaproximação do Brasil com a Federação Russa, em curso desde a participação virtual de Bolsonaro na reunião do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em junho de 2021, colocava dois desafios ao País: dar-lhe um conteúdo prático, de ampliação das relações comerciais e econômicas e cooperação para o desenvolvimento, e evitar enredá-la na armadilha da “Guerra Fria fake” com a qual os EUA estão reagindo à crescente proeminência da Rússia na configuração do cenário multipolar de poder global em curso.

A correta decisão de manter a viagem a Moscou, a despeito das pressões de Washington para o seu cancelamento, alegando uma “iminente” invasão da Ucrânia pelas Forças Armadas russas, reafirmou o distanciamento do Brasil das sibilinas manipulações da superpotência “excepcional”.

Quanto à visita, de início, chama atenção o formato das reuniões entre os altos representantes dos dois governos, definido pelo próprio chanceler brasileiro Carlos França como “diálogo político-militar” (ou “2+2”), com a participação dos respectivos ministros de Relações Exteriores, Defesa e segurança nacional e institucional. A Reunião de Consultas em Relações Exteriores e Defesa, como definida no comunicado conjunto divulgado pelo Itamaraty (16/02/2022), denota a importância atribuída a tais assuntos e sugere um desenho bastante interessante para entendimentos futuros.

Um destaque foi o inusitado apoio russo a uma presença permanente do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no quadro de uma ampliação do mesmo com países em desenvolvimento. Nas palavras do chanceler Sergei Lavrov:

 

O Brasil é agora membro não permanente do Conselho de Segurança [da ONU]. Confirmamos hoje que a Rússia reafirma seu apoio à candidatura do Brasil e ao seu registro permanente no Conselho de Segurança, no contexto do alargamento desse órgão, através de lugares adicionais para países em desenvolvimento na América, Ásia e África (Sputnik Brasil, 16/02/2022).

A posição de Moscou é algo inesperada, pois o Kremlin nunca apoiou ostensivamente a admissão de novos membros permanentes no Conselho, por recear uma diluição das suas atribuições e poderes.

De forma sugestiva, na entrevista coletiva com França, Lavrov (vídeo abaixo) deixou claro que a agenda das conversas incluiu uma franca troca de “avaliações geopolíticas” sobre as regiões da Ásia-Pacífico, Euroatlântica e Leste Europeu, além de sinalizar os EUA como o obstáculo principal à consolidação do cenário multipolar, com a sua “abordagem de trocar o Direito Internacional pelas suas ordens que pensam criar”.

Nesse contexto, é igualmente relevante a menção do grupo BRICS “como fórum de países dedicados à promoção de uma ordem mundial multipolar” e do G-20, como “o principal fórum de cooperação econômica internacional”.

Não menos importante é o fato de o comunicado oficial ter destacado a relevância da cooperação bilateral na área ambiental e de desenvolvimento sustentável, ressaltando que “os dois países abrigam as maiores florestas do mundo, a Amazônia brasileira e a Taiga russa”. A propósito, em sua saudação a Putin, Bolsonaro o agradeceu pela intervenção, “quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da humanidade”.

Em dezembro, a Rússia vetou uma resolução apresentada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que pretendia incluir as mudanças climáticas entre as ameaças de segurança internacional, a qual, se aprovada, poderia criar sérios problemas para o Brasil, em função da campanha internacional que tem manipulado os problemas reais e supostos da Amazônia para pressionar o País.

Cabe ressaltar que o aprofundamento das relações bilaterais não deve implicar em que o Brasil estaria virando as costas aos EUA e ao bloco ocidental sob sua influência, mas, vale insistir, na adoção de uma atitude internacional independente e compatível com a mudança de época representada pela emergência de um quadro de poder multipolar e não hegemônico e, não menos, com os seus próprios interesses de retomada do pleno desenvolvimento.

Quanto ao conteúdo prático, exemplificado pelas amplas possibilidades de cooperação bilateral, é preciso que elas se consolidem em políticas de Estado, e não apenas de governos transitórios, uma vez que os seus benefícios concretos nem sempre se mostram compatíveis com mandatos políticos.

Um exemplo é a Aliança Tecnológica Brasil-Rússia, que contempla áreas como biotecnologia, nanotecnologia, inteligência artificial, tecnologias de informação e comunicação, pesquisas em saúde e oceanografia, para a qual é necessário estimular os contatos entre universidades, institutos de pesquisa e startups dos dois países.

Em termos práticos, uma iniciativa promissora em prazo mais curto é a cooperação em segurança cibernética, área na qual o Brasil é sabidamente vulnerável, objeto de um memorando de entendimento assinado entre o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro, e sua contraparte russa, o secretário do Conselho de Segurança da Federação Russa, Nikolai Patrushev.

Igualmente relevante é a possibilidade de cooperação na área espacial e a implementação de projetos conjuntos em sistemas navegação por satélite e monitoramento de detritos espaciais e outras, que seriam muito bem vindas para proporcionar um inadiável “upgrade” ao semiestagnado programa espacial brasileiro – o que, no entanto, requer um imprescindível salto de sua prioridade na agenda nacional.

Dada a importância atribuída às questões de defesa no entendimento bilateral, embora não tenha sido mencionado nos comunicados oficiais, o Brasil teria muito a ganhar se a cooperação na área seja estendida à aplicação de novos  princípios físicos aos sistemas bélicos, em que a Rússia se destaca e o País tem condições de atuar como parceiro júnior de pesquisas.

Uma possibilidade adicional seria uma sinergia com a Argentina nesse quadro cooperativo, haja vista os acordos recém-assinados pelo país vizinho com a Rússia, durante a visita do presidente Alberto Fernández a Moscou. Ambos os países dispõem de centros de pesquisa avançada e empresas capacitados para a empreitada, casos, entre outros, do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Força Aérea Brasileira, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e empresas como a Embraer e as argentinas Invap e VENG. Em especial, a área de novas tecnologias e inovações é crucial para tal empreitada histórica e o Brasil e a Argentina detêm a “massa crítica” necessária para colocá-la em marcha.

Neste particular, quaisquer vestígios de rivalidade regional devem ser postos de lado, uma vez que a sinergia argentino-brasileira constitui um fator-chave da perspectiva de uma integração físico-econômica efetiva da América do Sul, permitindo-lhe atuar como uma contraparte à integração da Eurásia capitaneada pela China e a Rússia (uma iniciativa das mais promissoras neste sentido é o diálogo Mercosul-União Econômica Eurasiática, citado na nota do Itamaraty). Apontado por Putin como o principal parceiro russo na região, o Brasil tem uma grande responsabilidade histórica nesse processo de reconfiguração global.

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