Análise – A nova lei sobre o terrorismo do Brasil

A nova lei sobre o terrorismo

 
 

Sérgio de Oliveira Netto
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).

 
No Brasil, até o dia 17 de março de 2016, não se dispunha de uma definição legal, delineando, especificamente, aquilo que se deveria reputar como crime de terrorismo. Apesar de que várias normatizações fazem referência ao terrorismo, tais quais: Lei 6.815/80, art. 77, § 3º; Lei n° 7.170/83, art. 20; CF, art. 5°, XLIII; Lei n° 8.072/90, art. 2°; Lei n° 12.850/13, art. 1°, §2°, II.
 
Em 17 de março de 2016, entretanto, entrou em vigor a Lei n° 13.260, que regulamentou o disposto no inciso XLIII do art. 5°, da Constituição Federal[1]. Trazendo, finalmente, uma definição nacional daquilo que se deve reputar como terrorismo.
 
Essa tipificação do crime de terrorismo, era uma obrigação que o Brasil havia assumido no concerto internacional das nações. E que estava colocando o país em uma situação bastante desconfortável, dada a demora na sua implementação.
 
Some-se a isto que, ao ter se voluntariado a sediar grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014, e as Olimpíadas de 2016, o Brasil reforçou esse compromisso, de criar mecanismos penais, para reforçar a proteção contra a possível prática de intentonas terroristas.
 
Assim é que, no art. 2°, desta nova legislação, foi traçada a tipificação do crime de terrorismo, nos seguintes termos:
 

Art. 2o  O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
 
§ 1o  São atos de terrorismo:
I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
 
II – (VETADO);
III – (VETADO);
 
IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
 
V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
 

Conseguir o consenso em torno de uma definição de terrorismo não é mesmo tarefa fácil. Haja vista que, no âmbito estrangeiro, até hoje os organismos internacionais não conseguiram estabelecer um critério preciso desta odiosa prática criminosa.
 
Exemplo disto é que, no âmbito regional das Américas, a Organização dos Estados Americanos (OEA), elaborou a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, assinada em Barbados em 03 de junho de 2002. Pela qual insta os países que integram a OEA a prevenir, combater, punir e eliminar o terrorismo (art. 1)[2]. Colocada em aplicação no sistema jurídico brasileiro pelo Decreto n° 5.639 de 26 de dezembro de 2005. Sem, contudo, dar uma exata conceituação de terrorismo.
 
Estas discordâncias se devem muito ao fato de que, ilustrativamente, o que para uns é considerado terrorismo, para outros é tão-somente um ato de resistência contra uma suposta ocupação territorial ilegal. Como acontece entre as rivalidades entre palestinos e israelenses. Que se acusam mutuamente da prática de atos de terrorismo. No caso de Israel, a acusação se refere ao denominado terrorismo de Estado.
 
Entre erros e acertos, o fato é que, agora, dispomos de uma lei específica sobre terrorismo. Que pode não ser a que se esperava. Mas pelo menos o vácuo legislativo sobre o tema foi preenchido.
 
O que se pretende nesta breve análise, é fazer rápidas considerações sobre dois pontos de grande relevância, e que na sequência serão examinados.
 
Veto ao art. 2°, §1°, III

Este dispositivo tipificava uma das variantes das formas de terrorismo, redigido com o seguinte conteúdo: “III – interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados;”
 
As razões do veto foram estas: “Os dispositivos apresentam definições excessivamente amplas e imprecisas, com diferentes potenciais ofensivos, cominando, contudo, em penas idênticas, em violação ao princípio da proporcionalidade e da taxatividade. Além disso, os demais incisos do parágrafo já garantem a previsão das condutas graves que devem ser consideradas ‘ato de terrorismo.”
 
Inquestionavelmente, o vetado inciso III, acima reproduzido, deixa a desejar na sua redação. Sem dúvida, a firmeza de um comando legal incriminador está diretamente relacionado aos precisos contornos que lhes são atribuídos, naquilo que se denomina de tipo penal fechado. Ao se deixar a incriminação de uma conduta sem uma definição cirúrgica (tipo penal aberto), dá-se margem para interpretações as mais variadas possíveis (e possivelmente até mesmo arbitrárias).
 
Todavia, na atualidade, uma das ameaças terroristas mais temidas é exatamente a cibernética, promovida por meio (ou com o emprego) da informática, valendo-se das redes mundiais de computadores.
 
Tanto que o Brasil vem se estruturando para lidar com estas ameaças virtuais. No âmbito do Ministério da Defesa (Ministério da Defesa/MD – Portaria n° 3.028 do MD, de 14 de novembro de 2012), foi delegada ao Exército a incumbência de planejar e executar o intitulado Centro de Defesa Cibernético (CDCiber). Que teve sua ativação no ano de 2010, e foi efetivamente colocando em funcionamento em 2012.
 
O CDCiber está desenvolvendo dez projetos estratégicos nesta área, dentre os quais: Organização do Centro de Defesa Cibernética CDCiber, Planejamento e Execução da Segurança Cibernética (Escudo Cibernético) CITEx, Estrutura de Capacitação e de Preparo e Emprego Operacional (Força Cibernética), e  Rede Nacional da Segurança da Informação e Criptografia (RENASIC).[3]
 
Noutras palavras, era fundamental o enquadramento pormenorizado do terrorismo virtual, e não o reducionismo legislativo de um veto.
 
É bem verdade que no art. 2°, §1°, IV, foi consignada uma modalidade de terrorismo cibernético. Mas, infelizmente, perdeu-se a oportunidade de se avançar, e elaborar um mecanismo legal protetivo contra estas reais e imediatas ameaças virtuais.[4]
 
Redação do art. 2°, §2°

Este dispositivo foi alvo de acaloradas discussões, e havia inclusive sido excluído do texto, durante a tramitação do projeto de lei no Senado. Mas, a Câmara dos Deputados (Casa Legislativa na qual o projeto teve início), teve a palavra final, e manteve esta blindagem contra a eventual responsabilização por terrorismo, quando praticados nas situações descritas abaixo:

§ 2o  O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

 
Aparentemente, essa vedação de criminalização de atos em tese passíveis de serem considerados terroristas, nas condições descritas no art. 2°, §2°, seria uma garantia contra utópicos abusos. Que poderiam ser praticados contra movimentos ditos sociais, e assemelhados.
 
Ocorre que, ao deferir esta blindagem aos referidos movimentos, o legislador talvez não se tenha dado conta das brechas que tenham sido abertas para a consumação de atos de terrorismo, que porventura sejam perpetrados por grupos que se valham da dissimulação de manifestações desta espécie, para acobertar suas verdadeiras origens e intenções.
 
Ou seja, podemos nos deparar com situações nas quais, grupos travestidos de sociais, promovam o terrorismo, e permanecem imunes contra uma responsabilização mais severa. Como a que seria decorrência natural do enquadramento na lei antiterror.
 
Neste contexto, pergunta-se: não seriam atos de terrorismo os praticados por Black Blocks, que deliberadamente difundem o uso da violência, como forma de intimidação do Estado, para a introdução das mudanças sociais que consideram adequadas?
 
E os atos comandados por presidiários, também na busca de melhorias no sistema carcerário, que impliquem em incendiar ônibus, disparar tiros contra bases policiais em inequívoco desafio aos poderes públicos? Certamente que as reivindicações são justas (a própria lei exige que os estabelecimentos prisionais tenham condições adequadas para albergar os presos), mas de maneira alguma se pode contemporizar com esta forma de demonstração de inconformismo com as condições precárias do sistema prisional.
 
Note-se que a literalidade do art. 2°, §2°, conduz à ilação de que em todas estas hipóteses, o máximo que se poderia fazer, seria realizar o enquadramento penal nas formas convencionais de crimes previstos na legislação.
 
Entretanto, respeitando os que pensam em contrário, estes comandos legais ordinários, por vezes são demasiadamente frágeis para lidar com situações muito mais gravosas.
 
Ora, uma coisa é responsabilizar pelo crime de incêndio, um manifestante que se exaltou em uma manifestação que até então era justa.[5] Outra, bem diferente, seria enquadrar um integrante de organização criminosa, que incendeia um mesmo ônibus, na busca de aprimoramentos de sistema prisional, em uma evidente postura desafiadora e intimidadora do Estado. Mas como se enquadrar por terrorismo esse agente, se ele atua sob o manto de uma agremiação social, religiosa, ou correlata?
 
É cediço, vivemos em tempos conflituosos (atuais ou latentes), no que se convencionou intitular de era da “Guerra de Quarta Geração” (Fourth Generation Warfare – 4GW), dentro da concepção desenvolvida por William Lind em 1989.[6]
 
Na qual, “grupos irregulares” (integrados por agentes não-estatais), são os novos senhores da guerra (war lord).Tendo o Estado-País perdido o monopólio sobre a iniciativa bélica.
 
Neste formato contemporâneo de guerras, os Estados-Países, por meio de suas forças de segurança, enfrentam oponentes não-estatais (guerra assimétrica, ou hibrida, ou composta). Que podem ser encontrados tanto em conflitos urbanos, movimentos sociais ou religiosos extremistas e hostis, ou em guerrilhas contrárias aos governos instituídos, que estejam aquarteladas em áreas remotas e de difícil acesso.
 
Por isso, por mais que se deva comemorar a edição da nova lei antiterror, é preciso continuar avançando, e aperfeiçoar a legislação recém-editada.
 
De maneira a que se municie o sistema jurídico, com ferramentas legais condizentes com a gravidade das situações decorrentes do terrorismo.
 
A população brasileira, em geral, parece não acreditar que atos terroristas já aconteceram, e podem continuar a acontecer em solo pátrio.
 
Não por outra razão o Ministério da Defesa (MD), em parceria com a Agência Brasileira de Inteligência (ABIn), estão implementado o que se denomina de Estágio de Percepção de Ameaça Terrorista (EPAT). Cujo objetivo e conscientizar as pessoas da concreta possibilidade de atentados terroristas durante as Olimpíadas de 2016.[7] 


[1] Constituição Federal, art. 5°, XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; 
[2]  Artigo 1:  Esta Convenção tem por objeto prevenir, punir e eliminar o terrorismo. Para esses fins, os Estados Partes assumem o compromisso de adotar as medidas necessárias e fortalecer a cooperação entre eles, de acordo com o estabelecido nesta Convenção.
[4] Lei n° 13.260/16: art. 2°, §1°,IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
[5] Código Penal,  Art. 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:   Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.
[6] The Changing Face of War: Into the Fourth Generation. William S. Lind, Colonel Keith Nightengale (USA), Captain John F. Schmitt (USMC), Colonel Joseph W. Sutton (USA), and Lieutenant Colonel Gary I. Wilson (USMCR),  Marine Corps Gazette, October 1989.

[7] Disponível em: http://www.defesa.gov.br/noticias/17552-estruturas-antiterror-estarao-presentes-em-toda-a-area-de-atividade-olimpica

Matérias do Procurador Sergio Netto


As Forças Armadas e a Garantia da Lei e da Ordem – Sergio Netto Link

Emprego das Forças Armadas em ações de Defesa Civil – Sergio Netto Link

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