Livro desvenda ambição surpreendente da Marinha do Brasil


Especial DefesaNet

 
Formado, nas décadas de 1970 e 1980, na escola do jornalismo investigativo – primeiro na Revista Veja, depois no Jornal do Brasil, na Folha de S. Paulo e na Revista Época –, o jornalista e historiador carioca Roberto Lopes gosta dos assuntos inéditos, inexplorados – e não se importa se eles geram polêmica.
 
Foi ele quem revelou que a empresa brasileira ENGESA negociava mísseis (que nem possuía para ofertar) com o regime do ditador líbio Mouammar Kadhafi, e foi também ele quem primeiro noticiou o colapso financeiro da mesma ENGESA – que no fim de 1989 apregoava ter vendido centenas de carros de combate Osório ao Exército saudita, quando essa transação ainda enfrentava obstáculos que, ao final, iriam se revelar insuperáveis.
 
Em abril de 2012 o jornalista voltou a surpreender, ao relatar – em “O Código das Profundezas” (Ed. Civ. Brasileira, disponível nas livrarias) –, com riqueza de detalhes, a aventura – ou desventura – dos submarinos argentinos destacados para, nas águas encapeladas do Atlântico Sul, enfrentar a frota britânica incumbida de recuperar as Ilhas Malvinas.
 
Em janeiro deste ano, neste espaço da DefesaNet Agência de Notícias, Lopes publicou que o governo do Reino Unido pressionara a indústria aeronáutica israelense, a fim de evitar que ela vendesse aos argentinos uma aeronave excessivamente sofisticada – no caso, caças-bombardeiros Kfir modernizados (aptos a operar sobre o espaço marítimo que separa o território continental argentino do arquipélago malvinense). O negócio dos Kfirs argentinos até hoje não saiu (dizem que por falta de acordo na forma de pagamento das aeronaves).
 
Esse e outros textos de Roberto Lopes têm rodado o mundo, publicados em jornais e sites noticiosos da Europa, Indonésia, Hong Kong… E obtém, claro, repercussão igualmente ampla nos Estados Unidos e na América Latina…
 
Ex-aluno do Centro de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, onde graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa, Lopes escreve, há 38 anos, sobre temas militares brasileiros e internacionais. E tem pronto o seu trabalho mais instigante.

Neste início de setembro chega às livrarias, com o selo da Editora Record (Rio de Janeiro), “As Garras do Cisne”, obra de quase 500 páginas, fartamente documentada, que desvenda a perseverança – ou obsessão – dos almirantes brasileiros em construir uma Força Naval destinada a (cumpridos os planos) ocupar o 9ª posto entre as principais frotas do planeta.
 
Será isso possível? No Brasil?
 

Dados do Livro

As Garras do Cisne
Autor Roberto Lopes
Editora Record
462 páginas
Formato: 16x 23 cm
Preço: R$ 55,00
Já disponível nas Livrarias do rio de Janeiro


É o próprio Lopes que, nessa entrevista exclusiva, responde:
 
DefesaNetNossos militares não têm dinheiro para alimentar os seus soldados, para pagar a conta de luz dos quartéis… Como uma força com tão poucos recursos poderá se incluir entre as grandes potências marítimas? O senhor não tem medo de ser chamado de visionário, ou ingênuo…
 
Roberto Lopes –
Não tenho outra coisa com que lidar senão com os fatos. E o que a Marinha está executando me autoriza a prever que, dentro de mais 15 ou 20 anos seremos, sim, a 9ª potência marítima do mundo, depois de Estados Unidos, China, Rússia, França, Inglaterra, Índia, Coreia do Sul e Japão. Nessa ordem.
 
DefesaNetQue critérios o senhor utiliza para chegar a essa conclusão? O número de navios, o tamanho do efetivo…
 

Lopes – A qualidade dos meios. Uma corporação que está praticamente pronta para dar início à construção do seu primeiro submarino de propulsão nuclear, o primeiro de seis, que já tem também em andamento a fabricação de dois modernos submarinos com propulsão diesel-elétrica, dos quatro que estão programados, lote inicial de um conjunto de 15 embarcações dessa classe, uma Força que prevê construir no país, com assistência estrangeira, dois porta-aviões, essa frota será, naturalmente, superior às marinhas hoje consideradas de projeção regional, como a australiana. (Veja mais detalhes sobre o PROSUB na Cobertura Especial Link)
 
Atualmente, a Marinha do Brasil não passa da vigésima posição entre as mais preparadas para atuar, mas os seus programas de construção e aquisição de navios, aeronaves e equipamentos para os Fuzileiros Navais a habilitam a ultrapassar forças navais no momento mais bem estruturadas, como as do Paquistão, da Turquia, Arábia Saudita, Taiwan e outras.
 
DefesaNetMuitos perguntarão para quê o Brasil precisa da 9ª frota mais poderosa do globo.

Lopes– Isso não me impressiona. Tivesse a opinião pública brasileira maior consciência acerca da importância da Defesa Nacional como um Bem Público, e esse assunto já estaria sendo tratado, sobretudo na área econômica do governo, com muito mais respeito. Pouquíssima gente no Brasil sabe do esforço que começa agora, envolvendo a área de mineração do governo, o setor acadêmico e a Marinha de Guerra para a delimitação de um perímetro marítimo bem no meio do Atlântico Sul, onde brasileiros, associados a pesquisadores estrangeiros, vão investigar o potencial de exploração dos minérios encravados no leito submarino.
 
Você não se lança em um projeto complexo desses se não tem uma força naval capaz de garantir o local de exploração obtido junto aos organismos internacionais. Conto tudo isso no livro. Até mesmo gente supostamente esclarecida, do setor da Economia, enxerga os gastos militares como um fardo, como dinheiro que escoa pelo ralo, investimento sem retorno. Não tenho a esperança de que isso mude a curto prazo.
 
DefesaNetMas já li um texto em que o senhor diz que o governo do PT fez pelas Forças Armadas o que nenhum outro fez…
 

Lopes – É verdade, escrevi isso. Mas a Administração Dilma Roussef não pode, no capítulo da Defesa Nacional, ser comparada ao segundo mandato do ex-presidente Lula. Movido pela descoberta do pré-sal e por outras motivações de ordem externa, Lula arrancou o dispositivo de Defesa brasileiro do ostracismo. Em “As Garras do Cisne” descrevo essas circunstâncias pormenorizadamente.
 
DefesaNetPara quem imagina que o seu trabalho não passa de uma homenagem à Marinha, é bom dizer logo que ele traz críticas duras aos almirantes…
 
Lopes – Não sei se são críticas duras, mas admito que alguém entenda dessa forma porque fui muito objetivo, muito direto nas minhas observações. E elas estão baseadas em fatos, em documentos. Na metade final dos anos de 1980 fui um dos repórteres que, na Folha de S. Paulo, noticiei o chamado “Projeto Calha Norte”, de povoamento e defesa da fronteira ao norte da calha do Rio Amazonas.
 
Mas entre as diferentes seções desse documento que permaneceram sigilosas, há uma avaliação, do então Conselho de Segurança Nacional, que meu livro agora revela, quanto ao despreparo da Marinha para guarnecer a rede hidrográfica da Amazônia. A Força melhorou muito a sua presença na Amazônia Ocidental, mas essa área de atuação ainda representa um esforço absolutamente secundário entre os muitos programas em desenvolvimento pelos chefes navais. Até hoje é assim.
 
E isso é só parte do problema. Os meios alocados pelos almirantes ao patrulhamento dos rios da fronteira oeste, zona crítica dos crimes transnacionais, são completamente antiquados e insuficientes. Aliás, nesse capítulo dos setores da Marinha que precisariam ser reforçados, é bom dizer que falta investir em guerra de minas e numa aviação para os Fuzileiros Navais, já que, com a entrada em operação dos novos navios-patrulha oceânicos, os helicópteros da Força Aeronaval estarão cada vez mais comprometidos com as missões da Esquadra.
 
DefesaNet Uma aviação somente para os Fuzileiros não seria um luxo? Algo admissível nos Estados Unidos, que tem a tropa anfíbia de maior capacidade expedicionária do mundo, mas impensável numa outra força que não a dos Marines?
 
Lopes – Não seria luxo, não. A Estratégia Nacional de Defesa, aprovada em dezembro de 2008, prescreve que os Fuzileiros sejam uma tropa expedicionária por excelência, e eu defendo que uma força desse tipo tenha a sua própria aviação. Meu livro mostra que em países de grau de aprontamento militar tão diverso quanto a rica Coreia do Sul e a atrasada Venezuela, essa é a tendência, de maneira a garantir mobilidade aos fuzileiros.
 
E o mais surpreendente é que uma das teses mais polêmicas dentro da corporação dos Marines, hoje, defende que a aeronave mais apropriada para prover o apoio aéreo requerido por uma tropa anfíbia em terra, é fabricada no Brasil…
 
DefesaNet Fabricada pela EMBRAER, certamente…

Lopes– Isso. O A-29 Super Tucano, da Embraer.
 
DefesaNetO senhor não estará se esquecendo de que para o funcionamento de todo esse aparato, são necessários recursos que a Marinha não tem? Dinheiro para combustível, por exemplo. Há um rumor de que bem antes da metade do ano, o dinheiro reservado para o combustível dos helicópteros da Força Aeronaval já havia terminado…
 
Lopes – A escassez de recursos não vai terminar de uma hora para outra, e o mais provável é que a Marinha enfrente ainda outras crises financeiras representadas por uma redução dos dias de mar dos seus navios e coisas assim. Especialmente se o próximo governo não puder entender que a Estratégia Nacional de Defesa deu aos militares o que eles mais apreciam: metas.
 
O ex-presidente Lula colocou o trem militar nos trilhos e deu o empurrão inicial para que ele alcance seus objetivos. Pará-lo, agora, mesmo que através dos contingenciamentos de verbas, será bem difícil. Eu não apostaria nisso. Estou convencido de que a Marinha avançará na construção de uma esquadra poderosa, assim como estou certo de que o Exército levará adiante o SISFRON, e a FAB os seus programas de renovação da aviação de caça e da aviação de transporte. Se depois dos primeiros 36 caças Gripen NG a FAB conseguirá encomendar uma segunda tranche, conforme foi prometido aos suecos, é outro problema.

Mas Marinha tem o melhor sistema de planejamento das três Forças, por isso acredito que, mesmo com algumas adaptações, ela fará avançar o plano de modernização da esquadra. Meu livro relata muitas dessas alternativas que estão em estudo, em função da escassez dos recursos.
 
DefesaNet Por exemplo.

Lopes– A nítida aceleração do programa de produção das quatro corvetas da série 03, chamada de “Classe Barroso Modernizada”, que me parece um claro sinal de que, face à insensibilidade do Palácio do Planalto, o Almirantado não tem confiança na execução do PROSUPER conforme seu planejamento original. Especialmente no item referente à construção no país de seis modernas fragatas com características stealth.
 
O mercado internacional já até comenta a possibilidade de a Marinha do Brasil vir a se interessar por navios usados, dos Estados Unidos e da Europa. Está tudo no livro. Pode ser até que o anúncio da aprovação do PROSUPER saia amanhã, mas, pelo sim ou pelo não, os almirantes estão se precavendo, e acelerando o desenvolvimento das novas corvetas.
 
DefesaNetO senhor falou nas críticas que seu livro faz à Marinha, mas não mencionou a mais incisiva delas, sobre o bloqueio dos almirantes à criação de uma Guarda Costeira no país.
 
Lopes – É verdade. O livro é muito incisivo nesse assunto, porque estou convencido que os prejuízos à segurança pública causados pela ausência de uma Guarda Costeira são enormes. Hoje temos quadrilhas que agem especificamente no litoral, desembarcando todo o tipo de contrabando, de radinho de pilha a lança-foguetes; assaltando condomínios de luxo em balneários destinados a turistas; e invadindo navios mercantes estrangeiros que se consideram protegidos por estarem atracados nos nossos portos.
 
Contra todas essas atividades criminosas, o que temos são algumas lanchas da Polícia das Capitanias Navais e a Ala Marítima da Polícia Federal, que, sabe-se, é completamente incapaz de prevenir o crime nas zonas costeiras. É uma vergonha.
 
Ao mesmo tempo, é importante dizer que a Marinha nunca teve tantas condições de criar uma Guarda Costeira como tem hoje. Bastaria que, para isso, ela transferisse à nova corporação uma parte dos seus meios distritais. Entre as embarcações de 9 a 900 toneladas, creio que os almirantes poderiam repassar à Guarda Costeira, de imediato, mais de 50 barcos. E isso sem mexer nas unidades classe “Grajaú” ou na classe “Macaé”.
 
DefesaNetDe tudo o que o senhor pesquisou para fazer o seu livro, o que mais o impressiona no programa de expansão da Marinha?
 
Lopes– A determinação da Armada em possuir navios-aeródromos é algo que me impressiona. Acho elogiável, apesar de ter dúvidas sobre a conveniência de se aplicar mais verbas e mais esforços na recuperação do “São Paulo”. Digo isso no livro, detalho os sinais evidentes de exaustão do navio. Mas a disposição de ter porta-aviões sinaliza para uma esquadra que deseja operar longe das suas bases, e isso me parece fundamental para um país que planeja, de verdade, projetar sua influência política, garantir a segurança da navegação nos acessos ao litoral brasileiro, tanto por meio do controle das rotas que procedem do hemisfério norte, quanto daquelas que conectam o Atlântico Sul ao Oceano Pacífico e ao Índico.

Mas nada é tão impressionante, no atual momento da Marinha, quanto a construção do complexo naval para submarinos no município fluminense de Itaguaí. O conjunto de bases, instalações fabris e centro radiológico é comparável às principais instalações do gênero nos Estados Unidos, na Rússia e na China.

Por isso meu livro tem vários capítulos dedicados à elevação do patamar operacional da Força de Submarinos brasileira. Itaguaí, o aprontamento para o início da construção do primeiro sub nuclear e a fabricação da classe “Humaitá” configuram um ponto de inflexão no poderio naval do país, a escalada de um degrau inimaginável para a Marinha até seis ou sete anos atrás. É tudo muito recente. Creio que é por isso que o “As Garras do Cisne” é tão oportuno.

 

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