ONU deve usar força letal contra rebeldes no Congo

Luis Kawaguti

Há algo diferente nos soldados de capacete azul nas trincheiras e blindados brancos posicionados nos limites da cidade de Goma, na província do Kivu Norte, no extremo leste da República Democrática do Congo – o principal foco do conflito no país.

A presença de tropas das Nações Unidas na região não é novidade para a população. O organismo é visto pelos moradores com uma boa dose de descrédito, principalmente depois que rebeldes do M23 conseguiram invadir a cidade, sem enfrentar resistência da ONU, no fim do ano passado (eles se retiraram logo depois).

Mas hoje também estão presentes atrás das trincheiras tropas diferentes daquelas que observaram passivas a tomada da cidade. Um novo mandato, endurecido, foi autorizado pelo Conselho de Segurança após a invasão.

Ele cria a chamada Brigada de Intervenção, uma unidade fortemente armada e treinada, e dá autorização para que os capacetes azuis usem "todos os meios necessários" para conter as ações dos rebeldes e até atacá-los em ações preventivas – em uma decisão sem precedentes na história das Nações Unidas.

Também mudou o perfil do homem responsável por comandar as tropas. O novo comandante da força é o brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz. Ele estimula seus subordinados a implementar as novas ordens de Nova York e retaliar, se necessário com força letal, uma eventual nova agressão em larga escala por parte dos rebeldes.

Mas não é só isso. Santos Cruz está tentando impor um novo ritmo à missão, mais ativo. Ele quer respostas rápidas de seus comandantes para qualquer agressão de grupos rebeldes contra a ONU ou a população. Também está tentando deslocar para as regiões mais críticas armamentos que estavam em bases mais remotas e não vinham sendo utilizados.

Mas a tarefa é complicada, especialmente devido a dimensão continental do país. Os rebeldes atacam áreas remotas e fogem em seguida para a selva. Mesmo com mais de 20 mil capacetes azuis não é possível estar em todos os lugares. Além disso, mover rapidamente a estrutura colossal e complexa da ONU não é tarefa fácil.

Montanhas Muningi

É difícil a subida da montanha de Muningi, coberta de fuligem e material vulcânico expelido por anos pelo Nyiragongo. Santos Cruz e seus oficiais a escalaram na última sexta-feira para checar as instalações de defesa da cidade.

Logo no início da subida, começam a aparecer entre a vegetação baixa as primeiras trincheiras sinalizadas com a bandeira azul e branca da ONU.

A cadeia montanhosa circunda Goma e foi ocupada recentemente por tropas da Brigada de Intervenção.

"É uma estratégia clássica de defesa, da época da Segunda Guerra", disse o general.

Santos Cruz dá um ritmo rápido a subida na montanha. Os soldados sul-africanos nas fortificações parecem surpresos ao ver o comandante geral em pessoa à frente da marcha.

Em cada trincheira, o brasileiro examina foguetes tipo RPG, metralhadoras pesadas e lançadores de granadas. Ele orienta os homens sobre em que ocasião usar cada tipo de arma.

Oficiais reforçam para seus soldados a determinação decorrente do novo mandato da ONU em relação as regras de combate. Os capacetes azuis devem atirar para o alto, em sinal de advertência, caso indivíduos ou grupos armados se aproximem da montanha. Se o avanço continuar é preciso usar a força letal.

Ou seja, segundo as regras em vigor, se membros da ONU, instalações do organismo ou civis forem ameaçados, é permitido atirar para matar.

Mais acima na montanha, oficiais indianos e sul-africanos responsáveis pela área orientam Santos Cruz sobre pontos para onde ele deve apontar seu binóculo: são as posições no M23 nas montanhas imediatamente vizinhas.

Combate

O nível de tensão vinha aumentando na região desde maio. Na tarde deste domingo o confronto explodiu entre tropas do governo congolês e membros do M23.

Segundo uma fonte na ONU, houve mais de sete horas de combate entre as duas forças, em frente às montanhas Muningi, em área rebelde. Os capacetes azuis não teriam participado do conflito.

Nos últimos dez dias, ao menos duas escaramuças haviam ocorrido na região, mas em menor escala. Indivíduos armados dispararam contra posições da ONU e foram atingidos (ainda não há informações precisas sobre os casos). Nenhum capacete azul foi atingido.

O norte da província também registrou ataques na semana passada, na região de Beni. Um grupo contrário ao governo de Uganda atacou um vilarejo – fazendo com que mais de 30 mil refugiados cruzasse a fronteira do país vizinho.

Diante do clima de tensão crescente, o general Santos Cruz tenta movimentar a máquina militar da ONU. Ações dos capacetes azuis nos próximos dias não estão descartadas.

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