VARIG – Aposentados: do glamour à penúria

Do céu ao inferno. Assim pode ser resumido o calvário dos ex-trabalhadores da Varig. Com um bom e glamouroso emprego em uma companhia que era um símbolo do país, eles tinham acesso a programas e serviços top de linha, como um plano de previdência que lhes garantiria uma expressiva aposentadoria complementar no fim da vida. Mas tudo isso mudou com a falência da empresa e com a liquidação do seu fundo de pensão, o Aerus, também compartilhado pelos funcionários da Transbrasil, outra gigante da aviação que afundou em dívidas e má gestão.
 
Em abril de 2006, quando foi decretada a liquidação extrajudicial dos Planos I e II de Benefícios da Varig, a vida dos participantes virou de ponta-cabeça. Simplesmente não existia dinheiro suficiente para honrar as aposentadorias e pensões já concedidas, nem recursos para ressarcir os beneficiários que ainda continuavam pagando, religiosamente, as suas contribuições. Isso porque, antes de falir, as empresas patrocinadoras deixaram de honrar as suas parcelas ao Aerus e descumpriram, sistematicamente, todos as repactuações de dívidas firmadas com o fundo. No caso da Varig foram feitos 21 acordos; com a Transbrasil, oito.
 
O resultado desse descaso é dramático. Passados seis anos e quatro meses da liquidação do Aerus, aposentados e pensionistas não estão recebendo quantias suficientes até mesmo para a compra de comida e de medicamentos. Pior: as verbas que ainda restam no caixa do fundo está prestes a acabar. Não à toa, o comissário de bordo aposentado José Paulo Resende, de 62 anos, se diz indignado. Ele recebe R$ 592 por mês. Antes da intervenção no fundo, seu benefício chegava a R$ 3.475. "É inacreditável, mas há pessoas em situação pior do que a minha, recebendo apenas R$ 40 ou R$ 100 mensais. Uma vergonha", protesta.
 
Paulo Resende, como é conhecido entre os colegas, só consegue sobreviver porque conta com a ajuda da esposa, Júlia, professora aposentada, que faz diversos bicos, como vestidos de noiva e bolos para festas. Muitos colegas e amigos dele já morreram e suas famílias estão na penúria. "Pelo nosso cálculo, perdemos mais de 600 colegas. É uma tragédia que se abateu sobre os trabalhadores da Varig", lamenta.
 
Depressão

 Em situação desesperadora está Maria das Graças Carrilho, 57 anos, viúva de um comissário de bordo. O marido, José Luiz, era beneficiário do Aerus. Enquanto ele trabalhava, os dois tinham um padrão de vida excelente. Ela não sabia o que eram contas atrasadas e nada faltava em casa. A situação mudou drasticamente depois que o fundo de pensão quebrou. O marido teve um câncer devastador, que o levou à morte em 2009. "Já durante a doença dele, a situação estava difícil. Não tínhamos plano de saúde e, recebendo tão pouco, havia dias em que não tínhamos dinheiro para comprar nem um pote de geleia de mocotó, que ele adorava", diz, emocionada.
 
A morte do comissário só piorou as coisas para a pedagoga com licenciatura em estudos sociais, que, devido às constantes viagens do marido, optou por ser dona de casa e cuidar dos sogros idosos e dos dois filhos. "Minha vida tornou-se um pesadelo", sentencia Graça, que entrou numa depressão profunda, agravada pela difícil situação econômica. O quadro a levou a adquirir outra doença, vitiligo. Constrangida, ela praticamente não sai de casa. "Quem compra comida é minha mãe, uma senhora de 83 anos. Minha filha está desempregada e não pode ajudar com as despesas. Todo dia ligam e mandam cartas cobrando os empréstimos que meu marido fez quando estava doente. Como acertar as contas se não nos pagaram?", pergunta.
 
A vida também não é nada fácil para outro comissário aposentado, João Roberto Moura Benevides. Ele recebe, há seis anos, R$ 275. Antes, seu benefício era de R$ 2,6 mil. A sorte dele é que voltou a estudar e, como tradutor, consegue algum dinheiro. A esperança dos ex-funcionários da Varig de conseguir o que lhes é devido está em ações que correm na Justiça. Numa delas, a massa falida pleiteia do governo uma vultosa indenização pelos prejuízos que teria sofrido com o controle de preços das passagens aéreas. Em outra ação, aposentados e pensionistas pedem que a União seja condenada a recompor o valor dos benefícios.
 
Esperança na Justiça

 Nos anos de 1980, a política de reajuste das passagens aéreas no Brasil não era regida pela lei da oferta e da procura. Cabia ao governo estabelecer limites para o valor dos bilhetes. Com o choque do petróleo, os custos de operação dos aviões dispararam, mas os preços foram mantidos artificialmente baixos, resultando em enormes prejuízos para as gigantes da época, justamente a Varig e a Transbrasil. Muitos acreditam que a defasagem tarifária foi decisiva para a falências das empresas.
 
Em 1992, já com sérios problemas financeiros, a Varig recorreu à Justiça para receber a diferença entre as correções autorizadas e o aumento real dos custos. Ganhou em todas as instâncias. Falta apenas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), onde a relatora do processo é a ministra Carmem Lúcia.
 
Os aposentados e pensionistas da companhia, assim como os demais participantes do Aerus, têm interesse direto nessa ação, já que ela foi dada como garantia do pagamento da dívida que a Varig acumulou com o fundo de pensão. O débito foi estimado, à época, em mais de R$ 3 bilhões. Os cálculos do valor da indenização variam de R$ 4 bilhões a R$ 8 bilhões. Se receber uma bolada dessas, a massa falida da Varig acertará suas pendências com a entidade de previdência complementar, o que permitirá tirar os beneficiários da precária situação em que se encontram atualmente. (VC)
 
Omissão

Os participantes do Aerus estão batalhando para reaver seus direitos. Em 2004, o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) iniciou uma ação judicial, chamada de antecipação de tutela, na qual pede que a União seja responsabilizada pela quebra do Aerus e condenada a restaurar o valor dos benefícios de aposentados e pensionistas. A alegação é de que a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) falhou ao dar aval para todas as repactuações de dívidas feitas e nunca cumpridas pelas empresas, não agindo a tempo de salvar o fundo. No mês passado, o juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira, da 14ª Vara Federal de Brasília, deu ganho de causa aos participantes do fundo de pensão, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da sentença.

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