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Um governo “estratégico”

 

ELIO GASPARI

Madame Natasha tem horror ao uso de expressões que não querem dizer nada e, com um significado vago, destinam-se a empulhar a plateia, complicando a conversa. Dor de cabeça vira cefaleia.

A doutora Dilma louvou duas operações militares e policiais que fazem parte do "Plano Estratégico de Fronteiras". Outro dia, ao justificar o perdão de uma dívida de US$ 900 milhões de cleptocratas africanos disse que "o engajamento com a África tem um sentido estratégico.". A Presidência da República, assim como diversos governos estaduais, tem uma Secretaria de Assuntos Estratégicos. Quase todos os ministérios têm programas de "gestão estratégica" e o do Planejamento oferece o software Geplanes, destinado a "monitorar o desempenho dos objetivos estratégicos."

Trata-se de puro blábláblá, destinado a confeitar promessas ou, na melhor das hipóteses, desejos. Dizer que a economia brasileira crescerá 4% num determinado ano nada tem de enunciado estratégico. É apenas um objetivo, quando não, pura mentira. A empolação destina-se apenas a envernizar o comissário que anuncia o rio de mel.

Em 1812, o marechal russo Kutusov enfureceu seus generais porque a certa altura deixou Napoleão Bonaparte escapulir com suas tropas. Por mais que detestasse o Corso, achava que a destruição de seu exército e sua eventual captura favoreceriam os interesses da Inglaterra. Preferiu fritá-lo, deixando que chegasse a Paris, onde os franceses forçaram-no a abdicar e um príncipe russo ocupou a cidade. Kutusov tomou uma decisão estratégica.

Não se pode confundir esse tipo de conduta com coisas mais imediatistas. Por exemplo: quando ocupava uma diretoria da Caixa Econômica, o doutor Moreira Franco queria ser ministro e aceitou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Pensava em coisa melhor. Em março passado tornou-se Secretário de Aviação Civil. Foi apenas astucioso.

Juscelino Kubitschek jamais anunciou estratégias. O que ele apresentou ao país foi um "Plano de Metas". Eram trinta. Duplicou a produção de energia, aumentou em 70% o número de leitos em hospitais e, onde foi mal, incrementou em apenas 40% a produção agrícola. JK nunca disse que o apoio de seu governo ao colonialismo português na África era uma estratégia, pois era só oportunismo.

A diferença entre uma meta e um estratégia está no fato de que uma pode ser cobrada e a outra pode ser transferida para o próximo governo, a quem se acusará de ter abandonado um plano que tinha tudo para dar certo. O Trem-Bala Rio-São Paulo da doutora Dilma é considerado um projeto estratégico. Deveria ficar pronto para a Copa do Mundo, talvez um pouco depois. Seria inteiramente financiado pela iniciativa privada e custaria US$ 9 bilhões. Já custou à Viúva R$ 63,5 milhões, ainda não saiu do papel, mas já pariu uma estatal e terá os Correios como "sócio estratégico". Indo até Campinas, há transportecas que estimam seu custo em US$ 17,5 bilhões. Não há empreiteiro que fale em menos de US$ 25 bilhões. A conta? Irá quase toda para a Viúva. "Estratégia"? Apenas uma falsa promessa.

Madame Natasha não espera que se cumpram as promessas. Pede apenas que deixem o idioma em paz.

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