Gen Ex Pinto Silva – BRASIL: POSSÍVEIS CONFLITOS

Análise do Gen Ex Pinto Silva BRASIL: POSSÍVEIS CONFLITOS.

Pinto Silva Carlos Alberto[1]

“A vitória sorri àqueles que antecipam o caráter da guerra e não aos que esperam para se adaptar depois que ela ocorre”. (Douhet)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma análise prospectiva do emprego das Forças Armadas Brasileiras em médio prazo, particularmente do Exército, apontará para cenários que, por sua diversidade e complexidade, poderão requerer uma reengenharia no preparo e adestramento para o emprego da tropa.

A Guerra do Iraque, ou Segunda Guerra do Golfo, desencadeada pela coalizão anglo-americana, tornou evidente, antes de tudo, a clara impotência dos organismos internacionais em mediar conflitos de interesses, bem como a impossibilidade de países mais fracos fazerem frente à agressão, salvo se, como medida dissuasória, deixarem patenteada a possibilidade de cobrarem um preço extremamente alto para sua derrota utilizando a Estratégia Indireta, com a Guerra Irregular, através da Estratégia da Resistência (Guerra de Quarta Geração) e Atividades Híbridas (Guerra de Quinta Geração).

Em relação aos países vizinhos, os conflitos clássicos são pouco prováveis, contudo, podemos observar, como consequência do processo de integração econômica, a existência de empreendimentos brasileiros em outras nações, especialmente projetos na área de energia, que podem levar a algum desentendimento diplomático.

Fruto da instabilidade política, pobreza e má distribuição de renda, algumas dessas nações se constituem em terreno propício para a disseminação de ideias que colocam o Brasil como a potência hegemônica regional que impede ou dificulta o desenvolvimento econômico e social local, gerando áreas de atrito nos campos político e econômico, que poderão em algum momento envolver o campo militar.

Por outro lado, a crescente escalada da violência urbana em nosso país, levada a efeito pelo crime organizado, notadamente aqueles vinculados ao narcotráfico e ao contrabando de armas, fugindo, em algumas situações, do controle efetivo do Estado, possibilita ações que atemorizam a população, numa clara tentativa de intimidação e coação da sociedade, processo semelhante ao utilizado por grupos terroristas e segmentos guerrilheiros.

2. CENÁRIOS

1.1. ATUAÇÃO INTERNA CONTRA O CRIME ORGANIZADO

O Brasil, pela sua proximidade com países produtores de drogas, por ser um grande mercado consumidor e por proporcionar facilidade de ligação com os mercados consumidores da Europa, é afetado pela ação do crime organizado, especialmente aqueles relacionados ao narcotráfico. A falta de capacidade (recursos, pessoal e vontade política) do Sistema de Segurança Pública em responder de forma efetiva a esta situação resulta no fortalecimento desses agentes, que ameaçam a sociedade pela imposição de seus propósitos, criando áreas de exclusão ou de terror, como podemos observar, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro e em algumas cidades do Nordeste.

Apesar de ser um assunto afeito à área de segurança pública, podemos inferir que, em razão do armamento e do efetivo utilizado pelos criminosos, as ações necessárias para combatê-los podem extrapolar a capacidade de emprego exclusivo da área de Segurança Pública e buscar uma solução na área de Defesa, passando a envolver as Forças Armadas.

Não devemos ignorar que a pressão da sociedade é a forma mais eficaz de modificar comportamentos, pareceres, teorias e considerações, em especial no campo político. Não podemos nos colocar apenas na situação de aceitar ou concordar, e sim nos prepararmos para as situações factíveis, principalmente para aquelas com as quais não concordamos, pois em última instância esta decisão não cabe à Força Terrestre.

2.2. INTERVENÇÃO EXTERNA

A ausência, na ordem mundial vigente, de uma oposição forte e com vontade suficiente para antepor-se ao sistema monopolar ora existente, não permite o descarte da possibilidade e da consideração de intervenção internacional em qualquer parte do planeta, escudada nos conceitos de “dever de ingerência” e de “soberania limitada”.

Exceções à Soberania podem a vir a se emoldurar nos problemas com indígenas em Roraima, pressupostos desrespeitos aos direitos humanos de indígenas em outras partes do país e o aumento da criminalidade, nos levando à possibilidade, mesmo que controversa e até absurda, porém factível, de uma intervenção externa, uma vez que, segundo a ONU, a comunidade internacional deve conhecer o princípio da “Responsabilidade de Proteger”.

Nesse sentido, Estados devem proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e todos os outros crimes contra a humanidade. Quando a obrigação não é cumprida, a comunidade internacional tem de interferir. Isso ocorre porque concilia o conceito de soberania[2] com a responsabilidade que o Estado possui em proteger sua própria população de graves violações de direitos humanos.

2.3. Países Vizinhos

As Hipóteses de Emprego contra os países vizinhos, pela conjuntura política atual e pelo poder de combate atribuído aos mesmos, devem ter por parâmetro que nossos prováveis adversários, considerando suas capacidades militares, serão incapazes de engajar-se em algo que signifique uma operação militar regular ofensiva de maior porte. Em operações defensivas deverão se abster à condução da Estratégia Indireta, com a Guerra de Irregular, através da Estratégia da Resistencia, ou, com poucas exceções, uma Defesa de Área, enquanto, nas operações ofensivas, pequenas incursões, todas enquadradas na Guerra de Quarta Geração, com algumas atividades de Guerra Híbrida.

Ainda nesse contexto, deve ser considerado que existem grandes movimentos migratórios, seja de brasileiros para países vizinhos, bem como de imigrantes de países fronteiriços para várias regiões do Brasil, fruto de conjunturas sociais e econômicas, gerando consequências tanto para a segurança de brasileiros em outros países, como de acompanhamento das atividades desenvolvidas por estrangeiros em nosso país.

A esta situação deve ser acrescido o incremento das relações comerciais entre o Brasil e países vizinhos, gerando, em algumas oportunidades, áreas de tensão pela defesa de interesses de empresas nacionais lá instaladas ou pelo intercâmbio comercial de produtos de grande importância para o Brasil. O gasoduto Brasil – Bolívia e a Hidrelétrica de Itaipu são dois exemplos significativos.

Existe ainda, como resultado de processos históricos, principalmente nos países mais pobres, uma situação política de instabilidade, uma vez que a democracia implantada não resultou em melhoria nas condições de vida da população local. Este fato os transforma em campo fértil para a difusão de políticas que, para o seu fortalecimento, poderão apontar o Brasil como grande responsável pela sua paralisia econômica e social, reeditando áreas de fricção históricas, que, em princípio, já estariam sepultadas.

3. CONCLUSÃO

Essa realidade, pelos cenários aqui apresentados, poderá ensejar um redirecionamento do preparo e emprego da Força Terrestre?

Eis uma pergunta que devemos e não podemos responder na postura reativa dos que esperam os acontecimentos e, fatalmente, são ultrapassados pelos fatos.

A responsabilidade perante a nação e a evolução meteórica das situações, conduz a um posicionamento proativo, de antecipação aos problemas, de soluções criativas e, sobretudo exequíveis.


[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.

[2] “A soberania não deve ser um escudo atrás do qual os governos ou os grupos armados possam se esconder, a discussão com relação à soberania está em evolução.” Richard Feinberg – ex-assessor do então Presidente Bill Clinton para Segurança Nacional e Preside.

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