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Um BRIC sem rumo e sem estratégia

Rolf Kuntz


O economista Jim O"Neill pa­recia ter feito uma boa aposta quando inven­tou a sigla Bric, em 2001, para indicar quatro países – Brasil, Rússia, Índia e China – com potencial para mu­dar o equilíbrio global e ultra­passar as maiores nações capi­talistas em algumas décadas. Só parece ter esquecido ou ne­gligenciado um detalhe: a quali­dade da política. Isso inclui a capacidade de fixar metas, iden­tificar obstáculos e desenhar es­tratégias sem tropeçar em pre­conceitos e sem sobrepor inte­resses de curto prazo – partidá­rios e até pessoais – às ações de longo alcance.

Os estragos impostos à Petrobrás, agora forçada a desinves­tir para fazer caixa, bastariam para mostrar o ponto fraco da avaliação de O"Neill. Mas a cole­ção de provas é muito maior e é enriquecida, dia após a dia, pelo empenho do governo em demo­lir os fundamentos da econo­mia brasileira. A piora das con­tas externas; a erosão fiscal, a tolerância à inflação e a estagna­ção dos investimentos são indisfarçáveis.

O esforço de recuperação da Petrobrás pela nova adminis­tração apenas começou. A em­presa realizou maus investi­mentos, negligenciou a produ­ção, perdeu dinheiro com pre­ços controlados e foi converti­da irresponsavelmente em ins­trumento de política indus­trial. Para cumprir integral­mente esse papel seria forçada a deixar seus objetivos empre­sariais em plano inferior. O au­mento da importação de com­bustíveis e lubrificantes – de ja­neiro a abril 28,4% mais que em igual período do ano passado – é uma das consequências des­ses erros. A decisão de vender a participação de 20% em seis blocos exploratórios no Golfo do México é outra. Isso é ape­nas parte do desinvestimento necessário.

A autossuficiência no setor de petróleo, alardeada no tem­po do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é agora prevista para 2020. Deixou de constar do repertório de bravatas ofi­ciais. Mas a expansão das im­portações da Petrobrás é só um dos componentes negativos da balança comercial. Erros seme­lhantes aos cometidos na ges­tão da estatal ocorreram em muitas outras áreas.

Os itens mais importantes de uma política de longo prazo ; foram substituídos por ações eleitoreiras e pela distribuição de favores a favoritos da corte. Gastou-se muito para salvar al­gumas empresas em dificulda­des – só as escolhidas, é claro. Sem critério estratégico, aplica­ram-se bilhões na formação de grandes vencedores nacionais, em alguns casos com notáveis prejuízos. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômi­co e Social (BNDES) nunca er­rou tanto. Ao mesmo tempo, a infraestrutura entrou em colap­so. Pequenos apagões – alguns nem tão pequenos – tomaram- se rotineiros, afetando às vezes vários Estados. O setor de transportes entrou em pane, mesmo depois da faxina par­cial no ministério em 2011. Nes­te ano, mais uma vez o agrone- gócio teve dificuldade para em­barcar seus produtos, enquan­to navios se enfileiravam ao lar­go e importadores ameaçavam cortar encomendas.

No ano passado o investimen­to em máquinas, equipamen­tos, construção civil e obras de infraestrutura foi 4% menor que em 2011. Governo e empre­sários projetam para este ano um aumento, mas, ainda assim, o total investido provavelmen­te ficará abaixo de 20% do pro­duto interno bruto (PIB), mui­to abaixo do mínimo necessá­rio para desatolar a economia, A meta oficial é algo em tomo de 24%, mas esse nível, segun­do projeção do governo, só de­ve ser alcançado em mais ou me­nos cinco anos.

A perda geral de eficiência e de competitividade é evidente no comércio exterior. Entre ja­neiro e abril o País faturou US$ 71,47 bilhões com a exportação, 3,1% menos que no primeiro quadrimestre do ano passado, pelas médias diárias. Enquanto isso, o valor importado, US$ 77,62 bilhões, foi 10,1% maior que o de igual período de 2012, pelo mesmo critério. O saldo co­mercial, um déficit de US$ 6,15 bilhões em quatro meses, é de longe o pior em muitos anos e produzido basicamente por er­ros cometidos internamente.
O Brasil tem perdido espaço jornalista em seus principais mercados, incluídos China, Estados Uni­dos, União Europeia e Argenti­na, embora esses países te­nham aumentado suas impor­tações totais. Ao mesmo tem­po, concorrentes estrangeiros continuam conquistando fa­tias do mercado brasileiro, ape­sar das barreiras criadas pelo governo.

O aumento do déficit em transações correntes é uma das consequências da erosão do saldo comercial. O buraco formado em 12 meses passou de 2,05% do PIB em março de 2012 para 2,93% um ano de­pois. Não é um desastre, mas a piora é rápida e a tendência é clara. Basta ver o descompasso entre exportação e importação de mercadorias.

Do lado fiscal, o governo pro­clamou a decisão de jogar as metas de superávit primário pa­ra segundo plano, em troca de uma política anticíclica. Mas is­so é coisa de governos sérios e disciplinados: economizar nos tempos bons e gastar mais quando a economia fraqueja. O padrão brasileiro é outro. Con­siste em gastar sempre, por mo­tivos políticos e porque o Orça­mento é cada vez mais engessado. O recente anúncio da nova orientação pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, ape­nas oficializa o abandono da responsabilidade fiscal e a op­ção pela farra nas finanças pú­blicas. Quanto às desonera­ções, são uma coleção de re­mendos mal feitos e desarticu­lados. Política tributária é ou-tra coisa.

A irresponsabilidade fiscal é irmã da tolerância à inflação. Quem quiser negar essa tole­rância terá de explicar por que o governo mantém desde 2005 a meta de 4,5% com a escandalo­sa margem de dois pontos. Paí­ses emergentes com governos respeitáveis têm adotado me­tas bem mais severas. Ainda é preciso esperar para saber se o recente aumento de juros pelo Banco Central foi o início de uma mudança. Por enquanto, o mais seguro é duvidar.

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