Por que o seqüestro deixou de ser uma saída rentável para os bandidos

Eduardo Gonçalves e Kalleo Coura

Quando doze homens da Divisão Antisequestro (DAS) da Polícia Civil de São Paulo invadiram a casa onde era mantida refém, Aparecida Schunck, de 67 anos, entrou em pânico. Sem ver a luz do sol havia nove dias, a sogra do todo-poderoso da Fórmula 1 Bernie Ecclestone estava desorientada e demorou a perceber que seu martírio chegara ao fim.

Passou os doze minutos que durou a ação policial agarrada ao braço de um dos agentes que a libertaram do sobrado nas cercanias da favela Jardim São Miguel, em Cotia, na Grande São Paulo seu cativeiro desde 22 de julho. Naquele dia, Aparecida foi levada de sua casa, no bairro de Interlagos, Zona Sul da capital paulista, por dois homens que se apresentaram como entregadores.

Vitor Oliveira Amorim, de 19 anos, e Davi Vicente Azevedo, de 23 anos ambos com passagem na polícia por roubo, receberiam 40.000 reais pelo seqüestro, que a polícia acredita ter sido planejado pelo piloto de helicóptero Jorge Eurico Faria. Dono de uma empresa que prestava suporte aéreo ao GP da Fórmula 1 no Brasil, ele chegou a transportar Ecclestone em suas visitas ao país. O empresário, de 85 anos, é dono de uma fortuna avaliada em 3,2 bilhões de dólares. Desde 2012, é casado com Fabiana Flosi, de 38 anos, filha de Aparecida.

Depois de arrancarem a sogra de Ecclestone de casa, os bandidos a colocaram em seu próprio carro. Circularam com ela por uma hora até chegar a um ponto próximo à Rodovia Raposo Tavares. Ali, transferiram-na, encapuzada, para um Fiesta branco. Nesse momento, alguém viu a cena e anotou os números da placa do carro.

Aparecida foi levada para uma casa alugada por 400 reais e alojada em um quarto sem janelas, onde havia apenas uma cama de casal. A seu pedido, os bandidos lhe trouxeram um remédio que toma diariamente a quantidade de pílulas na caixa permitiu que mantivesse o controle do tempo que passou no cativeiro.

Horas após o seqüestro, os bandidos enviaram um e-mail para uma outra filha de Aparecida, que mora no Brasil. Exigiram um resgate equivalente a 410 milhões de reais, a ser pago mediante uma operação "rocambolesca", na definição do delegado Rodolpho Chiarelli, que, junto com o colega Fabio Nelson Fernandes, foi responsável pela operação que resultou na libertação de Aparecida.

Os sequestradores queriam que o dinheiro fosse dividido em três moedas: 110 milhões de euros, 5 milhões de dólares e 5 milhões de reais. A quantia deveria vir de avião da Inglaterra, onde vivem Ecclestone e Fabiana. Quando a aeronave chegasse ao Brasil, passando por Pernambuco, aterrissaria no aeroporto de Jundiaí, no interior de São Paulo. No local, o dinheiro, dividido em oito sacos, deveria ser distribuído em três helicópteros. O nome e o telefone dos pilotos, assim como o prefixo das aeronaves, seriam passados a um dos sequestradores, que informaria as coordenadas do ponto de entrega.

A profusão de detalhes aparentemente sem sentido, o fato de os pedidos terem sido passados por e-mail e as referências aéreas ajudaram a entregar tanto o mandante do crime como seu amadorismo. O rastreamento do endereço de IP por meio do qual as mensagens foram enviadas permitiu que os investigadores chegassem ao piloto Faria e o detalhamento da rota para a entrega do dinheiro serviu como mais uma evidência contra ele.

A um dos e-mails, os bandidos anexaram vídeos que mostravam duas mulheres sendo assassinadas uma por asfixia e a outra por degola. "Olha o que vamos fazer com ela se não houver o pagamento", escreveram (imagens como essas podem ser facilmente captadas na internet, sem que seja possível saber se são ou não verdadeiras). Quando a família pediu uma prova de que Aparecida estivesse viva, os sequestradores enviaram uma gravação em que ela dizia: "A mamãe está bem aqui. Mas acerta com eles, Fabiana, não envolva a polícia nem a imprensa. Pelo amor de Deus, Fabiana, faz alguma coisa. São muitos dias. Por favor, acerte com eles".

No início da gravação, Aparecida aparenta tranqüilidade, mas a carga de emoção aumenta e a gravação se encerra com ela aos prantos. Usando fones especiais, os policiais ouviram um dos sequestradores cochichar: "Fala que está há muito tempo aqui e chora". A filha a quem os bandidos enviaram os e-mails era o alvo original do seqüestro. Vitor Amorim, o sequestrador mais jovem, disse ter recebido do piloto Faria informações com o endereço e a foto da mulher. O grupo decidiu trocá-la por sua mãe ao perceber que seria difícil render alguém que mora em um condomínio fechado, caso da irmã de Fabiana.

Faria foi presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero entre 2014 e 2015 e chegou a ser indicado para uma diretoria da Anac. Caiu em desgraça após ter sido indiciado pelo furto de um helicóptero em 2014. A partir daí, sua empresa perdeu o contrato com a Fórmula 1. Na Justiça de São Paulo, responde a um processo pelo calote no condomínio de um apartamento localizado no interior.

O seqüestro de Aparecida Schunck está praticamente solucionada, falta prender um dos criminosos. O crime faz parte de uma estatística rara na segurança pública. Neste ano, todos os seqüestros ocorridos no Estado de São Paulo foram esclarecidos. As vítimas foram libertadas sem pagamento de resgate. A situação já foi bem outra. Em 2002, o estado chegou a ter 321 casos. O publicitário Washington Olivetto, que ficou 53 dias no cativeiro, foi solto naquele ano. "Havia quadrilhas que faziam quatro, cinco sequestros simultaneamente", diz o delegado Wagner Giudice, então diretor da DAS. Em 2010 quando ele deixou a divisão, os casos tinham baixado para 73. E continuaram em queda. Desde 2013, os 138 seqüestros ocorridos no estado acabaram com a libertação do refém. Em apenas um caso pagou-se resgate – ainda assim, antes que a polícia fosse avisada.

Giudice lista três iniciativas que permitiram chegar a esse resultado: o investimento em estrutura (o efetivo da DAS chegou a saltar de quarenta policiais para 180), a insistência da polícia para que as famílias não pagassem o resgate ("O valor recebido com um seqüestro financia o próximo", diz o policial) e a prisão dos cabeças das principais quadrilhas. Como seqüestro é crime hediondo, sujeito a penas altas, e os bandidos daquela época costumavam reincidir na modalidade, a maioria deles continua até hoje na cadeia. Conclusão: se a polícia conseguiu derrubar o crime em São Paulo, isso não se deveu a nenhuma mágica, mas à aplicação de uma receita consagrada cujo resultado fala de perto à lógica dos bandidos quando um negócio passa a ter um custo maior que o seu benefício, deixa de ser um bom negócio.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter