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“Me diga um país no mundo que não monitore manifestações”, diz ministro da Defesa

Marcia Carmo


Para o ministro da Defesa Raul Jungmann, monitorar as manifestações é "necessidade". Em entrevista à BBC Brasil, Jungmann disse que a medida ocorre em vários países e tem o objetivo de "proteger a sociedade, os grupos de manifestantes e também o Estado". "Não é polêmico. É uma necessidade. Me diga um país no mundo que não monitore manifestações", disse o ministro. Ele afirmou ainda que esse monitoramento ocorre, principalmente, pelas redes sociais, porque "estamos todos, para resumir, dentro das redes sociais".

Por ter se dedicado a temas de defesa no Legislativo, o peemedebista foi sugerido ao presidente Michel Temer por comandantes militares, e não foi uma opção partidária para ocupar a pasta. Jungmann falou à BBC Brasil um dia após acompanhar Temer à Argentina e ao Paraguai, onde a segurança na região de fronteira foi um dos assuntos tratados.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Como o senhor viu o caso daquele capitão do Exército, Willian Pina Botelho, infiltrado em movimentos de protesto contra o presidente Temer?

Raul Jungmann – Esse processo encontra-se em finalização na sindicância feita pelo Exército e aguardo esses resultados para poder me pronunciar a respeito. Até lá, não quero emitir nenhum juízo, não quero prejulgar, mas deixo bem claro que as Forças Armadas estão estritamente dentro dos parâmetros constitucionais ou legais e elas não só dessa vez ou nesse caso, mas elas não excederão e não excedem os limites que lhe são tratados pela lei.

BBC Brasil – Por que isso aconteceu?

Raul Jungmann – O que o Exército faz através da inteligência é o monitoramento de determinadas situações que requeiram a atenção do Poder público. Isso qualquer governo, qualquer país do mundo (faz). As Forças Armadas, por definição, até porque elas podem ser convocadas em caso de necessidade, têm o dever de, em qualquer governo, aqui no Brasil e no exterior, cumprir esse papel. Fazem um papel de monitoramento e acompanhamento para a informação da defesa do país, em conjunto com o sistema brasileiro de inteligência coordenado pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

BBC Brasil – O senhor acha que manifestações devem ser monitoradas? Não é polêmico?

Raul Jungmann – Não é polêmico. É uma necessidade. Me diga um país no mundo que não monitore manifestações. Países como Estados Unidos, Inglaterra, França. Me diga um país, um governo do mundo, que não monitore manifestações. Se você me disser, direi que de fato estarei muito surpreso porque é dever do poder público fazê-lo, ou seja, acompanhar. O que ele não pode é exceder os limites da lei. Então o monitoramento hoje é feito, sobretudo, pelas redes sociais. Você faz um acompanhamento em larga medida por meio das redes sociais, porque elas estão em todos os limites, em todos os quadrantes, porque não há esfera da sociabilidade humana hoje, seja econômica, privada ou social, que não se manifeste nas redes sociais. Estamos todos, para resumir, dentro das redes sociais. 

Vamos pegar por exemplo as Olimpíadas. Sabíamos que teria uma manifestação. Ora, estávamos dentro de uma GLO, Garantia da Lei e da Ordem, onde é que você vai colocar o efetivo? Você vai esperar que aconteça tudo e que você perca o controle para depois ir atrás do prejuízo? Não é racional isso, em nenhum país democrático do mundo. Isso não existe em nenhum país.

BBC Brasil – Esse monitoramento, no caso de manifestações, pode ser feito com pessoas sem uniforme? Aí o manifestante fica muito vulnerável, o senhor não acha?

Raul Jungmann – Não conheço nenhum tipo de inteligência no mundo onde os agentes estejam uniformizados. Desconheço. Por exemplo, se você vai a um ato público para ouvir, um chamamento, por exemplo, você iria fardado para fazer um serviço de inteligência? Pelo amor de Deus, não existe essa possibilidade.

BBC Brasil – Mas o manifestante não fica muito exposto? Não podem ocorrer então novos casos como o desse capitão?

Raul Jungmann – Com relação a ser infiltrado ou não e os limites da ação dele, tenho que esperar a sindicância. Não posso me antecipar. Apenas digo que, pelo contrário, muitas vezes a atividade de inteligência funciona como a defesa dos próprios militantes e da própria sociedade, que afinal tem que ter suas garantias, que fazem parte da democracia. É uma garantia para a sociedade e é indispensável. Aqui a questão não é se você monitora ou não, é se você o faz dentro do limite da lei.

BBC Brasil – O que diz a lei? Assim como permite o monitoramento na fronteira, permite em protestos, em redes sociais?

Raul Jungmann – A lei permite ao sistema que ele gere informações para a tomada de decisões do governo. Podendo, no caso da inteligência, incluir o monitoramento e o acompanhamento de ações que possam resultar em danos para a sociedade e para o Estado.

BBC Brasil – O senhor diz que no mundo inteiro a pratica de monitoramento é feita e que serve para proteção da própria sociedade. Mas como a sociedade pode se manifestar se há a possibilidade de haver um infiltrado (ao lado)?

Raul Jungmann – Basicamente, a sociedade tem os seus mecanismos de proteção. No nosso caso, tem o Ministério Público, a Justiça, a imprensa, que é absolutamente livre. Quando algum integrante dessas agências, seja da inteligência, seja da defesa, ultrapassa o limite, as defesas da sociedade são acionadas. Você tem os órgãos de direitos humanos, então há uma efetiva capacidade de controle social sobre qualquer excesso que aconteça. O que digo são duas coisas: nenhum governo tem condições de prover a segurança para o conjunto da sociedade e para o Estado se não tiver um sistema de inteligência.

Num regime autoritário não existem os limites, mas num regime democrático o processo de inteligência é literalmente aprovado pelo Congresso Nacional e tem o controle do Congresso. Há uma comissão mista de inteligência do Congresso para acompanhar essas situações. A sociedade tem os mecanismos necessários para coibir excessos, erros e ilegalidades cometidas.

BBC Brasil – O que o senhor consideraria uma ilegalidade?

Raul Jungmann – Qualquer coisa que ultrapasse o limite da lei. Ultrapassar ou desconsiderar a lei, é uma ilegalidade e tem que ser exemplarmente punida.

BBC Brasil – Numa manifestação, as pessoas estão protestando achando que estão ao lado de pessoas que pensam da mesma maneira. Mas pode ter alguém que não seja manifestante. Isso é legal?

Raul Jungmann – Depende. Se isso acontecer em ambientes públicos não se trata, necessariamente, de uma infiltração. Por exemplo, você tem uma chamada para discussão pública, que qualquer cidadão pode comparecer. Alguém assistir a isto não significa que essa pessoa esteja ultrapassando o limite da lei. Alguém acompanhar isso por meio das redes sociais, abertas, ou de reuniões abertas, eventos abertos, sejam presenciais, sejam virtuais, não configura nenhum desrespeito à lei. Ir além, somente com autorização judicial.

BBC Brasil – No caso do capitão, ele deveria ter tido uma autorização judicial para fazer o tipo de participação que fez?

Raul Jungmann – De novo, tenho que esperar o resultado da sindicância.

BBC Brasil – Manifestação é vista como algo perigoso? Ou é porque outras pessoas (de fora do protesto) podem provocar violência?

Raul Jungmann – A manifestação é um direito de uma sociedade democrática. Deve acontecer, precisa acontecer e todo o sistema de inteligência de um país democrático a entende como absolutamente democrática e natural. Nós do Brasil entendemos assim. Você foi muito feliz quando disse que pode haver provocadores, que entram nesse processo com outras intenções, inclusive contrariamente aos interesses daquele grupo que dentro da lei se manifesta, e da própria sociedade. Então o processo de monitoramento tem o objetivo de exatamente proteger a sociedade, aquele grupo de manifestantes e também o Estado.

BBC Brasil – Que tipo de reforço à segurança na região de fronteira está sendo planejado com os países vizinhos?

Raul Jungmann – Esse talvez tenha sido o tema mais recorrente da visita do presidente Temer ao presidente Mauricio Macri e ao presidente (Horacio) Cartes, no Paraguai. Temos zonas produtoras (de drogas) no exterior e um centro de consumo que integra o mercado de tal forma que medidas só de um lado da fronteira não vão resolver o problema.

BBC Brasil – Haveria aumento da segurança, de soldados, na região?

Raul Jungmann – Sobretudo ações conjuntas no âmbito de polícia. E apoio, no nosso caso, das Forças Armadas, que têm um sistema integrado de monitoramento de fronteiras, o Sisfron. Ele está com sua fase inicial sendo desenvolvida no Mato Grosso do Sul. É um sistema de postos, de radares, satélites que visam a ampliar o controle do Brasil sobre suas fronteiras.

BBC Brasil – Uma preocupação com tráfico de drogas, mas também com outras questões.

Raul Jungmann – Contrabando, tráfico de armas, trafico de pessoas e evidentemente a sonegação fiscal. Isso tem que envolver uma ampla gama de agências na região de fronteira que vão desde policiais locais até a Polícia Rodoviária, Polícia Federal, Receita Federal, Inteligência, ou seja a Abin, com o apoio das Forças Armadas.

BBC Brasil – O Brasil se preocupa com o possível reinício de hostilidades entre as Farc e o governo colombiano?

Raul Jungmann – O Brasil acompanha o assunto e vê com preocupação o fato de que o plebiscito tenha sido derrotado. Entendemos que a saída para os conflitos não só regionais, mas sub-regionais, deve ser negociada e o emprego da força (deve ocorrer) só em ultima instância, sabendo que ela deve ser sucedida por um processo de negociação, de um pacto de saída do conflito que leve à paz. De preferência que ele se desse antes do conflito. Então, monitoramos e temos um desejo expresso pelo presidente Temer de que as negociações de paz avancem, sejam destravadas, e que a Colômbia encontre a tranquilidade e segurança que precisa para crescer e se desenvolver.

BBC Brasil – O governo continua monitorando possíveis extremistas no Brasil mesmo após as Olimpíadas? Ou foi apenas durante aquele período?

Raul Jungmann – Não, o monitoramento de extremistas é algo que no mundo contemporâneo tem que ser permanente. Nas Olimpíadas, tivemos a colaboração, inclusive aqui no Brasil, de dezenas de países e seus sistemas e agências de inteligência. E essa colaboração continua. O acompanhamento, o monitoramento, é permanente. Antes e depois dos Jogos Olímpicos.

BBC Brasil – No governo da presidente Dilma telefones foram hackeados, o que gerou distanciamento temporário com os Estados Unidos. Qual cuidado existe hoje para que o telefone do presidente Temer não seja hackeado?

Raul Jungmann – Hoje temos o nosso sistema de criptografia. Ele é nacional, desenvolvido por nós, e temos condições de assegurar a blindagem da comunicação não só do presidente, mas do governo. No fim de 2016 e início de 2017 estará sendo lançado nas Guianas o primeiro satélite geoestacionário brasileiro. Inteiramente desenvolvido pelo Brasil e pela França. É um satélite que vai permitir a segurança, em nível do Estado, das comunicações não só do governo, mas, sobretudo, das comunicações da defesa, das Forças Armadas brasileiras. Neste capitulo, avançamos e estamos bem.

BBC Brasil – O satélite vai proteger as comunicações das Forças Armadas e do governo?

Raul Jungmann – Não. Ele vai fazer, não proteger. As comunicações governamentais e da defesa estarão feitas por um satélite nacional, brasileiro, sob nosso inteiro controle. Além disso, temos uma criptografia verde e amarela, não importada. Lembrando que nas Olimpíadas sofremos quase 1.500 ataques de hackers a vários dos nossos sites, mas não conseguiram penetrar ou derrubar estes sites.

BBC Brasil – O papel das Forças Armadas mudou totalmente, não? Tem o papel tradicional de militarização e ao mesmo tempo de tecnologia…

Raul Jungmann – A tendência natural é que as Forças Armadas acompanhem a caminhada da sociedade. Sobretudo por causa de novas plataformas tecnológicas. As Forças Armadas, não só as nossas, mas de todo o mundo, não poderiam deixar de acompanhar isso. Porque elas ficariam totalmente defasadas.

BBC Brasil – Qual é sua opinião sobre o fato de o Exército ser convocado para a área de segurança pública, como ocorreu no Rio de janeiro?

Raul Jungmann – Em primeiro lugar, a Constituição coloca, como uma das atividades das Forças Armadas, a chamada da garantia da lei e da ordem, que é o seu emprego a pedido de um dos três poderes, e obviamente por determinação do presidente da República. No caso específico dos Estados, (ocorre) quando as forças estaduais são insuficientes e indisponíveis ou inexistentes. Mas esse apoio é por tempo limitado e em local limitado.

Deve-se evitar a banalização das Forças Armadas. As Forças Armadas têm função de defesa do interesse nacional, da soberania, de atuar no caso da defesa civil. As Forças Armadas distribuem água para 4 milhões de nordestinos, coisa pouco sabida. E fazem isso com enorme competência. As Forças Armadas têm que cuidar da fronteira, como já comentamos aqui. E a experiência internacional aponta que o uso continuado das Forças Armadas em ação de polícia não é bom nem para as Forças Armadas que não são treinadas, equipadas, para esse tipo de atividade, e nem para a sociedade. No caso do Rio de Janeiro, há um pedido do governador (Francisco) Dornelles, que se encontra para decisão do presidente da Republica, o que deve acontecer nos próximos dias.

BBC Brasil – Pedido de permanência das Forças Armadas.

Raul Jungmann – Exatamente. Ele pede a permanência. Mas isso é questão que caberá ao senhor presidente.

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