Soltura de Presidiários durante a Pandemia: Uma Visão Baseada em Lógica

Soltura de Presidiários durante a Pandemia:

Uma Visão Baseada em Lógica 

 

Rogério Atem de Carvalho, DSc

Eduardo Atem de Carvalho, PhD

 

 

 

1.Introdução

Desde o início da Pandemia por COVID-19 a Sociedade tem visto a soltura em massa de presidiários, ou, empregando a terminologia atual “Indivíduos Privados de Liberdade”,  tendo como justificativas desde questões humanitárias, posto que estariam expostos ao COVID nas condições sanitárias das prisões, até pressões internas nesses ambientes, por ameaças de rebeliões, devido ao corte nas visitas por pessoas externas.

               

Diante do óbvio questionamento da maioria das pessoas, que começa a se perguntar se os argumentos anteriores suprimem da realidade o fato destes indivíduos estarem presos por algum motivo sério, faz-se necessário trazer à tona uma discussão mais baseada na racionalidade, de maneira a embasar os decisores envolvidos nos processos de soltura em fatos e não argumentos, que, embora aparentem ser óbvios, podem estar contaminados por falhas lógicas. Assim, o objetivo desse breve comentário é apresentar uma análise, baseada em sentenças lógicas, sobre a racionalidade da soltura de indivíduos que estão sob a tutela do Estado no Sistema Prisional justificada pela Pandemia.

 

2. Medidas de Isolamento Social no Sistema Prisional

Em relação ao Sistema Prisional, de uma maneira geral, pode-se destacar que uma das primeiras medidas tomadas em todo o Brasil, foi a suspensão das visitas sociais, bem como as íntimas e as assistidas. Essas medidas visavam, ao que se entende, evitar a contaminação de indivíduos privados de liberdade (IPL) por pessoas da comunidade externa.

               

Entende-se que tal medida foi tomada porque sabe-se que o aumento do contato entre (inter) grupos sociais e dentro dos próprios (intra) grupos sociais aumenta o número de contaminados, assim, se estabeleceram as já bem conhecidas Medidas de Isolamento Social.

 

3.Carga Viral

De fato, como se sabe, a doença se transmite quando se atinge uma certa quantidade de vírus em dado local, a chamada Carga Viral, ou seja, quanto menos pessoas contaminadas houverem numa dada região, menos transmissão haverá, por isso é que poucas pessoas contraem a doença no começo de uma epidemia e quase todos pegam a partir de um ponto, quando muitos já estão contaminados. Desta forma, é um contrasenso aumentar o contato inter-grupos, o que já é sabido, posto que muitas prefeituras no país adotaram controle de acesso às cidades, por exemplo.

 

4. Indivíduos Contaminados no Sistema Prisional

Dada a dinâmica natural da Sociedade, o Sistema Prisional continua recebendo indivíduos, sejam estes reincidentes ou não, contaminados ou não.

Estando dentro do Sistema portanto os IPL podem estar em duas situações:

– Contaminado;

– Não Contaminado.

Desta forma, coloca-se a Questão Central deste estudo:

– Deve-se liberar os IPL devido à Pandemia ou mantê-los no Sistema Prisional?

E a Questão Subsidiária:

– O fato do IPL estar contaminado, muda a decisão relacionada à Questão Central?

 

De maneira a se chegar a uma conclusão técnica e racional, constrói-se a seguir um raciocínio baseado em Lógica para se chegar à conclusão.

Seja:

– IPL: Indivíduo Privado de Liberdade

– SP: Sistema Prisional

– Contato inter-grupos: ocorre entre indivíduos de diferentes grupos sociais

– Contato intra-grupo: ocorre entre indivíduos do mesmo grupo social

 

Premissas:

 

– A própria existência do SP atesta que a Sociedade fracassa, por definição, na vigilância daqueles indivíduos incapazes de obedecer a Lei.

– As Medidas de Distanciamento Social devem ser seguidas por todas as pessoas;

– As Medidas de Isolamento Social devem ser seguidas pelas pessoas contaminadas;

– Os IPL estão sob tutela do Estado;

– A Carga Viral de uma região aumenta com o maior contato inter-grupos.

– A Carga Viral de um local aumenta com o maior contato intra-grupo.

– Não é possível para um ser humano uma existência absolutamente isolada de outros seres humanos, ou seja, ele sempre pertencerá a algum grupo social.

 

Sentenças Lógicas:

 

Parte 1: Isolamento Inter-grupos

1) Por definição de Indivíduo Privado de Liberdade (IPL) e Sistema Prisional (SP):

 

SE IPL está no SP ENTÃO há garantia que o IPL cumpre isolamento inter-grupos

2) Negando-se os dois termos da sentença (1) tem-se:

       

SE IPL NÃO está no SP ENTÃO NÃO há garantia que o IPL cumpra isolamento inter-grupos 

 

Portanto:

Conclusão A: Um IPL colocado em liberdade deixará de cumprir, por definição e consequência lógica, o isolamento inter-grupos, ao sair do contato do seu grupo formado com outros IPL e ir para o contato de seu grupo social original, ou mesmo novos grupos aos quais ele possa se agregar, posto que, por premissa, não há como sobreviver completamente fora de algum grupo social.

               

Por definição a Conclusão A é robusta, ou seja, não há como negá-la, devido ao fato do indivíduo deixar o SP, por definição, ele muda de grupo social, indo para algum outro, seja família, seja amigos, seja comunidade em geral.

 

Parte 2: Isolamento intra-grupo

Sabido que a libertação leva a uma quebra do isolamento inter-grupos, existe a argumentação que  o isolamento intra-grupo é dificultado pelas condições do SP, portanto a liberação dos IPL deveria ocorrer por essas condições. 

               

O Estado deve garantir, com a mesma assertividade, que um IPL fora do SP esteja em isolamento intra-grupo. Enquanto que tal situação seria possível na teoria, na prática é sabidamente inviável devido à limitação de recursos do Estado, posto que seria impossível manter vigilância sobre cada IPL liberado para verificar seu isolamento dentro de seu grupo social. O uso de tornozeleiras eletrônicas não garante tão pouco tal isolamento, posto que, enquanto que identifica a posição geográfica do IPL no tempo, não é capaz de dizer com que pessoas ele se encontra, se elas estão contaminadas ou não. Uma alternativa, porém, é a auto-declaração feita pelo próprio IPL, de que se manterá em isolamento intra-grupo e que cuidará de si próprio em relação aos perigos da Pandemia.

 

3) Então:

               

SE não há como garantir vigilância para o isolamento intra-grupo ENTÃO é necessário obter auto-declaração do IPL, na forma da Lei, de que este cumprirá tal isolamento  

4) Porém:

               

SE o cidadão é um IPL ENTÃO o cidadão descumpriu a Lei

 

Da União de (3) com (4):

Conclusão B: Será necessário exigir de um cidadão que descumpriu a Lei que então cumpra a Lei para garantir que o isolamento intra-grupo funcione.

 

Como complementação da Conclusão B, pode-se ainda construir:

Conclusão B1: Se auto-declaração garantisse o cumprimento da Lei na prática, por premissa, não haveria necessidade de exstência de Sistema Prisional.

 

Parte 3: Conclusão Inicial 

É necessário responder a Questão Central:

Deve-se liberar os IPL devido à Pandemia ou mantê-los no Sistema Prisional?

               

5) Unindo a Conclusão A com a Conclusão B e com a premissa “IPL estão sob tutela do Estado” tem-se que:

              

Ao libertar os IPL o Estado está imediatamente colaborando para a redução do isolamento inter-grupos. Quanto ao isolamento intra-grupo, o Estado está deixando de tutelar indivíduos que deveria tutelar, passando para eles próprios a responsabilidade por sua saúde (e daqueles de seu convívio), ao se declarar incapaz de fazê-lo, mesmo tendo pleno conhecimento, pelo histórico desses indivíduos, que eles não são capazes de cumpri a Lei, e que justamente por isso são IPL.

               

Resposta à Questão Central:

               

Não, posto que libertar IPL é reduzir o isolamento inter-grupos e passar o isolamento intra-grupo para a responsabilidade de indivíduos tutelados pelo Estado. 

 

Parte 4: Questão Subsidiária

A Questão Subsidiária que se coloca:

– O fato do IPL estar contaminado, muda a decisão relacionada à Questão Central?

Tal situação deve ser novamente analisada em face da necessidade de isolamento inter-grupos e intra-grupo.

 

6) Da Conclusão A :

               

SE IPL contaminado libertado ENTÃO haverá contato inter-grupos com um indivíduo contaminado

7) Da Conclusão B:

SE  IPL contaminado libertado ENTÃO um não-contato intra-grupo com um indivíduo contaminado dependerá do cumprimento da Lei pelo IPL

 

Conclusão C: Da união da Conclusão A com a Conclusão B, a libertação de um IPL contaminado aumenta o risco de contaminação na sociedade, tanto inter-grupos, quanto intra-grupo (considerando o grupo social que o IPL será recebido na sociedade).

 

É necessário porém verificar a robustez da Conclusão C em relação à situação do SP, onde a permanência de um IPL contaminado por trazer problemas, devido à maior probabilidade de contato intra-grupo, levando-se em conta uma maior lotação dos presídios.

 

8) Dilema:

               

– SE IPL contaminado libertado ENTÃO maior risco para IPL e sociedade

               

– SE IPL mantido ENTÃO maior risco para outros IPL e SP

 

9) Ora, se a libertação do IPL contaminado leva maior risco ao mesmo e à sociedade e a manutenção do seu status leva a maior risco ao SP e aos outros IPL eu seu grupo de contato direto a solução para este dilema é a mudança de seu status, porém dentro do SP.

 

Conclusão D: A solução para o IPL contaminado é seu isolamento dentro dentro do SP, de maneira a evitar a contaminação de outros indivíduos, dentro e fora do SP.

               

5. Conclusões Finais

Mesmo levando-se em conta todos os “considerandos” usualmente empregados para justificar a libertação de IPL diante da Pandemia por COVID-19, uma análise racional, puramente baseada em Lógica, independente inclusive de estatísticas, mostra que a libertação de IPL apresenta primeiro um risco de saúde para estes e para a sociedade e secundariamente, uma forma do Estado se desobrigar da tutela de cidadãos os quais a Justiça decidira que deveriam por esse Estado serem tutelados. Desta forma, não há justificativas do ponto de vista racional que embasem tal movimento de libertação, mesmo sob o ponto de vista humanitário.

Matéria Relacionada

Pandemia e Guerra de Informação: Uma Breve Análise

Trabalhos dos irmãos Atem Carvalho sobre a Infodemia ou a Guerra de Informações sobre os dados relacionados a Pandemia

Junho 2020 DefesaNet Link

 

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter