Até onde chega o efeito da tragédia no Japão?

Paulo Guedes

A economia mundial já estava em rota de menor crescimento e maior inflação para o biênio 2011-2012. A catástrofe japonesa ajuda a reduzir ainda mais a produção mundial de bens e serviços. A destruição da capacidade produtiva, o colapso da infraestrutura, a desorganização das cadeias de suprimento e a ruptura dos fluxos de comércio agravam a desaceleração econômica e a pressão de custos que já se manifestavam nos diferentes países do mundo.

A grande questão é em que medida os efeitos desse choque na economia japonesa podem se espalhar pelo globo – e com que intensidade. E não se trata apenas das formas mais óbvias de contágio, como seria o caso da interrupção do fornecimento de componentes eletrônicos para linhas de montagem chinesas ou da maior demanda de petróleo para o esforço de reconstrução, no momento em que as fontes nucleares de energia encontram-se bloqueadas.

É fundamental avaliar também os possíveis meios de transmissão desse choque por caminhos diversos – entre eles, o estrago causado por quedas de Bolsas e reduções ou suspensões de planos de consumo e investimento em outros países. O impacto inicial já ocorreu, como se pôde observar pelas ações desvalorizadas em todo o mundo. Mas, apesar da importância da economia japonesa, a terceira maior do globo, as consequências diretas até o momento nem se comparam aos efeitos do colapso americano em 2008-2009.

Os mais importantes canais de transmissão do choque de oferta japonês às condições de demanda das economias ocidentais são as Bolsas e os fluxos financeiros. A queda das Bolsas é uma estimativa inicial dos estragos à frente. Mas há também os movimentos de capitais.

Por décadas, os japoneses conseguiram saldo comercial positivo vendendo ao mundo mais do que comprando. Esse dinheiro foi aplicado nos principais centros financeiros mundo afora. Numa situação de crise tão ameaçadora, o mercado supõe que os japoneses devam se livrar de parte dos investimentos (ativos, como ações e imóveis) e enviar o dinheiro de volta para casa, para financiar a reconstrução econômica do país. Essa liquidação de ativos com repatriação de fundos ocorreu quando o buraco negro da crise imobiliária e do colapso das Bolsas ameaçou engolir a economia americana em 2008-2009. O dólar se valorizava enquanto a América “empobrecia”, como hoje se valoriza o iene quando sabemos que o Japão “empobreceu” e deveria comprar menos do exterior para se ajustar ao choque adverso.

O país deverá retirar dinheiro de outros mercados para usar na reconstrução
Apesar da semelhante aparência, o fenômeno japonês é inteiramente distinto do fenômeno americano. O primeiro foi causado por uma explosão instantânea de forças da natureza. O segundo foi irresponsavelmente construído por autoridades e financistas, atuando em cumplicidade na promoção da Grande Pedalada, a expansão excessiva do crédito. Foi sempre essa fabricação humana, a farra do crédito, a responsável pelas dimensões épicas das crises financeiras que passaram à história. Por isso, revelou-se fulminante o colapso do crédito que se seguiu à queda dos preços dos imóveis e das ações na crise de 2008-2009. A crise japonesa terá contornos diversos por sua diferente natureza.

Há deslocamentos na competitividade regional. Se a destruição de portos e a desorganização logística japonesa perturbam a cadeia de suprimentos da indústria eletroeletrônica chinesa, abrem novas oportunidades para Taiwan e Coreia do Sul, também estimuladas pela valorização do iene. No Ocidente, a venda de imóveis por japoneses em mercados imobiliários já congestionados leva tempo, enquanto a liquidação de títulos do governo americano é instantânea, constituindo desdobramentos sempre desfavoráveis, mas com impactos distintos sobre os mercados.

Houve uma importante destruição de riqueza no Japão. Embora os mercados globais tentem dimensionar instantaneamente os efeitos sobre a economia mundial, tais desdobramentos são ainda incipientes e envolvem enorme grau de incerteza.

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