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Todos os países devem ter competência para receber e utilizar informações geoespaciais

Jornal da Ciência 20 Abril 2006


Todos os países devem ter competência para
receber e utilizar informações geoespaciais

 

José Monserrat Filho *


A criação, em cada país, da capacidade para receber, tratar e usar informações geoespaciais em benefício do desenvolvimento nacional pode expandir a todo o mundo a cultura de utilização de tais informações e criar um mercado, para elas, do tamanho do planeta.

Eis, em resumo, o sentido da projeto brasileiro "Sobre a Cooperação Internacional para a Construção de Capacidade Nacional no Uso de Informações Geoespaciais em Benefício do Desenvolvimento", exposta em 10 de abril na Subcomissão Jurídica do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Copuos, na sigla em inglês), com sede em Viena, Áustria.

A idéia foi acolhida com simpatia, não tendo nenhum país se pronunciado contra. Ainda assim, o Brasil segue consultando inúmeros países, tendo em vista apresentar o projeto durante a 49ª Reunião do Copuos, agora em junho.

O Brasil espera, em especial, a palavra da China, nosso parceiro no projeto Cbers de satélites de sensoriamento remoto.

Trata-se de estimular a disseminação de acordos e mecanismos de cooperação internacional para a construção, em cada país – sobretudo, claro, nos países em desenvolvimento -, da infra-estrutura necessária à recepção, processamento, análise e uso de informações geopespaciais, ou seja, dados sobre a Terra.

A proposta busca alcançar o reconhecimento internacional dessa capacidade de cada país de receber, processar, tratar e utilizar informações geoespaciais como ferramenta indispensável à promoção do desenvolvimento nacional.

A construção e o desenvolvimento da capacidade nacional de usar dados geoespaciais converteram-se em condição sine qua non para (1) a pesquisa e o conhecimento dos recursos e riquezas do próprio território, e (2) a tomada de decisões racionais e consistentes, hoje absolutamente imprescindíveis à elaboração e realização dos planos e projetos de desenvolvimento do país pelos órgãos de governo e também pelas entidades privadas.

A proposta considera que a cooperação internacional desempenha papel essencial na conquista da capacidade nacional pela grande maioria de países. A própria experiência do Brasil demonstra isso. Fomos o segundo país do mundo, depois do Canadá, a ter uma estação de recepção de dados do satélite Landsat, em 1972, graças a um acordo de cooperação com os EUA. Hoje, Brasil, China e Índia, além dos países desenvolvidos, podem contribuir de forma decisiva para o estabelecimento de infra-estruturas nacionais de informações geoespaciais.

O que se tem em vista é universalizar um benefício, sem o qual país nenhum terá base de informações modernas para superar o atraso e tornar-se uma sociedade capaz de conhecer e aproveitar seus recursos naturais. Para cada país, isso significa poder afirmar-se soberanamente e autodeterminar-se, formulando e implementando suas próprias políticas de desenvolvimento, em cooperação com a comunidade internacional.
Se todos os países do mundo passarem a ter capacidade de receber, tratar e usar informações geoespaciais, como pretende a proposta, isso certamente há de gerar ampla e inédita cultura global de uso de dados de satélite.

Tal cultura não será necessariamente uniforme e padronizada, mas diversa, variada e, portanto, mais rica, pois seu emprego deve apoiar-se, o mais possível, na capacidade nacional, voltada sobretudo para especificidades e demandas de cada país. É uma cultura global que poderá favorecer a diversidade.

O resultado, com certeza, será um aumento do mercado mundial de dados geoespaciais, jamais visto desde o início das atividades de observação da Terra (sensoriamento remoto) por satélite, nos anos 80.

Parece evidente haver hoje entre os países subdesenvolvidos um considerável mercado de dados geoespaciais pouco contemplado ou simplesmente ignorado. O atendimento desse grande mercado potencial poderá fomentar, por sua vez, as atividades industriais produtoras de aplicativos espaciais.

Se "freqüentemente, se diz que o mercado de dados espaciais é imaturo", isso se deve, em boa parte, a que "as exigências para um mercado eficiente, como a perfeita consciência por parte dos compradores, não são satisfeitas." É o que bem assinalam Mukund K. Rao, diretor da agência espacial da Índia, e K. R. Shidhara Murthi, diretor da Artrix, a maior empresa espacial indiana, no artigo "As imagens de sensoriamento remoto e as informações geográficas internacionais: perspectivas políticas e jurídicas", apresentado na II Conferência Asiática promovida pelo Instituto Internacional de Direito Espacial, em Bangalore, Índia, em junho de 2005.

Na verdade, um mercado mundial maduro nesta área de alta tecnologia exige compradores preparados e competentes que conheçam profundamente as necessidades e demandas nacionais de seus países.

Daí que a criação de infra-estrutura nacional para o uso de dados geoespaciais tem implicações que vão muito além das fronteiras deste ou daquele país. Isso, sem mencionar sua extrema relevância no combate a epidemias e desastres naturais, bem como na solução de vastos problemas ambientais, que, como se sabe, não respeitam limites nacionais.

A competência nacional é vital – Fala-se muito em criar sistemas internacionais e regionais de observação da Terra. Isso, sem dúvida, é imperioso. Mas também imperioso é criar competências nacionais neste campo. O conjunto de tais competências, junto com os sistemas internacionais e regionais, pode garantir ainda maior segurança e desenvolvimento mais eqüitativo e impetuoso no mundo inteiro.

Talvez assim os povos e os países consigam chegar, enfim, à tão almejada e sensata situação em que o que é bom para um é bom para todos e o que é bom para todos é bom para cada um.

* Editor do Jornal da Ciência, jurista, membro da delegação brasileira à Reunião do Subcomitê Jurídico do Copuos, realizada de 3 a 13 de abril último, em Viena. O embaixador Celso Vieira de Souza chefiou a delegação, integrada também pela ministra-conselheira Carmen Lidia Richter Ribeiro Moura, e pelos advogados Francisco Raymundo da Costa Júnior, chefe da Consultoria Jurídica da Agência Espacial Brasileira (AEB), e Álvaro Fabrício dos Santos, chefe da Consultoria Jurídica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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