Setor aeroespacial como recurso geopolítico: o caso da expansão científico-tecnológica da China

Setor aeroespacial como recurso geopolítico: o caso da expansão científico-tecnológica da China [1]

 

Nicholas Damasceno Ostrovski

 
Resumo:

Este artigo tem como objetivo demonstrar o histórico do avanço da China no setor aeroespacial, mostrar os resultados presentes, perspectivas futuras do país depois de décadas de investimentos e como isso tem afetado a geopolítica mundial, além de analisar quais países têm uma parceria estratégica com a China. No âmbito geopolítico, a China apresenta um complexo industrial-militar capaz de rivalizar com países líderes em exploração espacial como os Estados Unidos da América, o que tem gerado profundos atritos entre ambos os Estados, fomentando até mesmo uma nova corrida espacial. A China tem desenvolvido equipamentos tecnológicos de alto valor agregado que, assim como os Estados Unidos, estão sendo implantados em planetas distantes como Marte não só com a missão de coletar materiais para pesquisa científica como também para demonstração de poder. Serão abordadas fontes de revistas, jornais, artigos e livros através de pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Setor Aeroespacial; China; Geopolítica.
 
Abstract:

This article aims to demonstrate the history of China's advance in the aerospace sector, show the current results and, future prospects of the country after decades of investments. and how this has affected world geopolitics, as well as analyze which countries have a strategic partnership with China. In the geopolitical scope, China has an industrial-military complex capable of rivaling leading countries in space exploration such as the United States of America, which has generated deep friction between both States, even fomenting a new space race. China has developed super modern technological equipment that, like the United States, is being deployed on distant planets such as like Mars not only with the mission to collect materials for scientific research but also to demonstrate power. Sources from magazines, newspapers, articles and books will be addressed through bibliographic research.

Keywords: Aerospace Sector; China; Geopolitics.

Introdução
           
As Relações Internacionais, nos dias de hoje, moldam e acabam sendo moldadas pela intensa informatização e desenvolvimento de novas tecnologias. A inteligência artificial, os sistemas cibernéticos, o setor aeroespacial são alguns dos setores-chave para o desenvolvimento econômico, bélico e político de um país. Com relação ao setor aeroespacial, é possível presenciar uma nova corrida na era contemporânea entre alguns poucos países que detém a tecnologia capaz de explorar diferentes ambientes fora da estratosfera da Terra. Um desses países que mais têm se destacado é a China, que, segundo Erickson (2014), desde a era Mao Zedong, a partir da revolução instaurada em 1949, tem sido um setor estratégico do país. Devido à falta de material e recursos humanos, a China necessitou firmar acordos de amizade, aliança e assistência mútua com a União Soviética, o que fez com que, em pouquíssimo tempo, sua indústria pesada desse um salto grande para o desenvolvimento. Em meados da década de 1950, a indústria de mísseis da China foi estabelecida, com foco em mísseis balísticos para fornecer uma capacidade independente de contra-ataque nuclear. Para estabelecer as bases para o desenvolvimento de futuros mísseis e veículos de lançamento espacial, a China se envolveu em P&D simultâneo de espaçonaves, telemetria terrestre e tele controle (ERICKSON, 2014).
           
A China apresenta uma capacidade científico-tecnológico de difícil competição. A cada ano que passa vemos o rápido crescimento que o país apresenta tendo cada vez mais missões espaciais sendo conduzidas pelos seus astronautas, grandes projetos de desenvolvimento de estações espaciais e muitos projetos ambiciosos sendo planejados.

De forma a analisar o debate acerca do desenvolvimento do setor aeroespacial chinês e de que forma a China utiliza esse setor como um poder de persuasão serão abordados o desenvolvimento aeroespacial chinês, trazendo um pouco do histórico, como o setor se apresenta hoje, quais são as principais parcerias estratégicas que a China tem ao redor do mundo de forma a desenvolver suas capacidades junto a outros países, e como se dá a política da China no setor aeroespacial, baseando-se não apenas em documentos governamentais mas também em aspectos geopolíticos.
           
A hipótese acerca do rápido desenvolvimento do setor aeroespacial da China é o fato de que, como ela pulveriza seu desenvolvimento através de parcerias estratégicas com países considerados subdesenvolvidos e outros considerados emergentes. A tecnologia desenvolvida entre as partes torna-se mais barata para não somente ser produzida mas para também ser projetada pelos países como forma de desenvolvimento ter seus próprios recursos para terem seu poder persuasão na região onde atuam. No caso da China, ela acaba ganhando tanto a tecnologia, quanto a influência dentro daquela região onde ela busca uma parceria estratégica. Alguns casos que serão abordados envolvem, por exemplo, a cooperação no desenvolvimento de satélites de navegação nas regiões onde estão presentes países de religião islâmica no Norte da África e no Oriente Médio, sendo um contraponto aos satélites oferecidos pelos Estados Unidos.
 
Formação do Setor Aeroespacial
           
A ruptura sino-soviética na década de 1960 deixou os líderes da China sentindo-se cada vez mais isolados internacionalmente e limitados tecnologicamente. Líderes da indústria de defesa pressionaram para a frente, determinados a terem sucesso à luz de ameaças à segurança e indisponibilidade de assistência estrangeira. Durante um certo tempo a China precisou focar mais no setor de misseis (ERICKSON, 2014). Em 1970, A China lançou com sucesso seu primeiro satélite (Dong Fang Hong I) no espaço, utilizando seu foguete construído localmente, e que seria responsável por criar e manter a extensa família de foguetes que duram até os dias de hoje, o Longa Marcha 1. Fundada em 1968, a Academia Chinesa da Tecnologia Espacial foi fundamental para realizar essa ambição (GOSWAMI, 2018).

Durante a Revolução Cultural (1966-1976) a segurança nacional da China e até mesmo seus programas nucleares, de mísseis e satélites foram ameaçados, embora esses sistemas tenham recebido uma prioridade relativa mais alta. Quadros de funcionários foram perseguidos e até mesmo os trabalhadores de bases nucleares sofreram desnutrição. Duas falhas de testes de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) foram atribuídas a problemas da Revolução Cultural. Felizmente, burocratas como Zhou Enlai, premier da época, intervieram para evitar maiores danos (ERICKSON, 2014).
           
O programa espacial chinês só retomaria seu ritmo a partir das reformas pragmáticas de Deng Xiaoping. A China elaborou uma agenda para o desenvolvimento de novos mísseis estratégicos e tecnologia espacial centrada em três programas focais. De 1980 a 1985, a China lançaria (1) “um foguete de longo alcance para o Pacífico”, o DF-5 ICBM; (2) um satélite de comunicações experimental; e (3) um Míssil balístico lançado de submarino (SLBM), o JL-1. Durante 1977-1979, as realidades econômicas forçaram um foco adicional nestes três principais projetos, com Deng colocando o desenvolvimento do ICBM em primeiro lugar. Em 1978, a indústria espacial da China descartou "políticas errôneas e slogans”, títulos técnicos foram restaurados, um novo aparato se estruturou e foi dado o pontapé inicial para grandes projetos. Foram reconstituídos e instalados comitês de Ciência e Tecnologia em todos os níveis, além de um sistema administrativo de planejamento e despacho, restabelecendo regras e regulamentos e junto a sistemas de controle de qualidade e logística (ERICKSON, 2014). Na década de 1980, um progresso adicional foi feito com o desenvolvimento de ICBMs de alcance total e o lançamento dos foguetes Longa Marcha 2C e Longa Marcha 3. Este último desenvolvimento permitiu a criação de um programa de lançamento comercial em 1985, dando à China a capacidade de enviar satélites ao espaço – principalmente para interesses europeus e asiáticos (WILLIAMS, 2020).

Em 1988, a China criou o Ministério da Indústria Aeroespacial para supervisionar todos os aspectos dos voos espaciais. Depois de alguns anos, o ministério foi dividido para estabelecer a Administração Espacial Nacional da China (CNSA) e a Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da China. Entidades governamentais e privadas da indústria uniram forças para participar do programa espacial (PETERSEN, 2018). Sob a orientação da CNSA, vários marcos importantes se seguiram. Em 1999, a CNSA conduziu o primeiro lançamento da espaçonave Shenzhou, uma versão modificada da espaçonave russa Soyuz que foi criada para apoiar o programa espacial tripulado da China.

Em 2003, a primeira missão tripulada à órbita da Terra foi lançada com sucesso (Shenzhou 5). Esta missão envolveu o envio de um único taikonauta (Comandante Yang Liwei) para a órbita em 13 de outubro. Após orbitar a Terra por 21 horas, a cápsula de Yang retornou à Terra no dia 15 (WILLIAMS, 2020).
Ainda em 2003, o CNSA inaugurou seu Programa de Exploração Lunar Chinês (o programa Chang'e, em homenagem à deusa da Lua chinesa), que previa o envio de uma série de missões robóticas à Lua em preparação para uma eventual missão tripulada. Intrínseco a esse programa estava o desenvolvimento de veículos de lançamento pesado, como a Longa Marcha 3B e 3C. Foram esses foguetes que enviaram as três primeiras missões do programa lunar chinês para a Lua, com a missão Chang'e 1 lançada em 2007, Chang'e 2 em 2010 e Chang'e 3 em 2013 (WILLIAMS, 2020).
           
Com a Chang'e 3 foi possível aplicar novas tecnologias como o rover Yutu na superfície lunar — este que se tornou o primeiro veículo de rodas a atravessar a paisagem lunar desde a missão soviética Luna 24, de 1976. A Chang'e 3 também levou consigo um observatório chamado Lunar-based Ultraviolet Telescope (LUT), o primeiro observatório de longo prazo implantado na Lua e adequado para capturar imagens do céu noturno a partir da superfície lunar. No final de 2018, a CNSA decidiu desligar os equipamentos da Chang'e 3 para se concentrar na Chang'e 4 com o objetivo principal de, no lado afastado da Lua (o que não pode ser vista da Terra), estudar sua geologia, sendo sua aterrisagem e seus dados obtidos um sucesso para a ciência (GNIPPER, 2019). Atualmente, a China tem feito os preparativos para as sondas Chang'e 6 e 7 para pavimentarem o caminho para a construção de uma estação lunar de pesquisa com apoio da Rússia (CASSITA, 2020).
 
Política e Geopolítica Espacial da China
           
Segundo Pollpeter (2015), a geopolítica espacial da China é determinada pela estratégia geral de um país e seus objetivos políticos, econômicos, militares, científicos e tecnológicos e sociais. O principal investidor em tecnologias espaciais é o governo e, como resultado, o mais alto nível de liderança governamental determina a política espacial. Os objetivos estratégicos para o desenvolvimento do espaço e as políticas para realizar essas metas têm recebido consistentemente a atenção da mais alta liderança e têm recebido o apoio de cada organização. Pode-se dizer que a política espacial do país é a tábua de salvação para o desenvolvimento espacial.

Os documentos oficiais da China na exploração espacial sempre afirmam o mesmo propósito: “explorar o espaço exterior e aumentar a compreensão da Terra e do cosmos; utilizar o espaço exterior para fins pacíficos, promover a civilização humana e o progresso social, e para beneficiar toda a humanidade; atender às demandas de desenvolvimento econômico, desenvolvimento científico e tecnológico, segurança nacional e progresso social; e melhorar o conhecimento científico e cultural do povo chinês, proteger os direitos e interesses nacionais da China e fortalecer sua força nacional abrangente.” (CHINA, 2011). Embora a China não busque conflito com os Estados Unidos, ela deve, ao mesmo tempo, agir de forma a fazer com que seus objetivos tragam resultados para que ela se torne uma potência mundial (POLLPETER, 2015).

De forma a manter a estabilidade ou até mesmo controlar seu entorno geográfico, a China utiliza seus programas espaciais como uma atividade estratégica para obter vantagem política e militar, mas o objetivo principal do programa espacial tripulado da China é político. Para a China, é especialmente importante para mostrar que recuperou seu lugar entre as nações líderes do mundo. Suas sucessivas atividades no espaço com alcances cada vez maiores e planos cada vez mais ambiciosos reforçam suas reivindicações de domínio regional, demonstrando que é o mais avançado entre as nações asiáticas, com tecnologia e recursos que outros não podem igualar. Isso traz não somente prestígio à China, como também ao Partido Comunista Chinês (PCCh), enfatizando sua legitimidade externa e doméstica (CORDESMAN; KENDALL, 2016).

A China consegue utilizar tanto o soft power quanto o hard power para sua projeção regional. No caso do soft power, a China utiliza sua base espacial frequentemente para projetar poder. A China implantou repetidamente seus vários satélites para lidar com evacuações, desastres e ajuda humanitária. O satélite Gaofen-1 tem sido usado na investigação de recursos terrestres, na gestão de recursos minerais, monitoramento da qualidade do ambiente atmosférico e hídrico, pronta-resposta e monitoramento em desastres naturais, e suas imagens têm apoiado dezenas de ministérios e agências nacionais, governos locais, instituições de pesquisa, universidades, empresas e organizações na China (CORDESMAN; KENDALL, 2016).

Com relação ao Hard Power, a China tem trabalhado muito para garantir rotas marítimas de comunicações não apenas em seu entorno estratégico, mas no exterior, como exemplificado por seu envolvimento em esforços de combate à pirataria no Golfo de Adem, que fica entre a Somália e o Iêmen. O monitoramento e a coordenação de operações marítimas dependem cada vez mais de sistemas baseados em Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (C4ISR) no espaço. Nas áreas disputadas dos mares do Sul e Leste da China, Pequim aumentou muito a utilização de satélites. Outro fator, seria a Marinha do Exército Popular de Libertação, que utiliza um aparato tecnologicamente avançado para defender seus interesses através das águas japonesas perto das ilhas Senkaku/Diaoyu e bloquear as Filipinas do Cardume Scarborough, uma ilha no Mar da China Meridional, com o objetivo de projetar seu poder, tudo isso através do uso de recursos baseados no complexo espacial (CORDESMAN; KENDALL, 2016).
 
Parcerias Estratégicas

Brasil
           
O final dos anos 1970 e início dos 1980 foram marcados por uma forte aproximação política entre os dois países, tanto no âmbito multilateral quanto no bilateral. Esse período destacou-se pela construção do aparato político e diplomático que marcou a institucionalização da cooperação sino-brasileira em áreas-chave para os projetos desenvolvimentistas de ambos os países – siderurgia, energia hidrelétrica e, o foco principal desta pesquisa, ciência e tecnologia, com foco no desenvolvimento conjunto de satélites de sensoriamento remoto (BECARD, 2008). Desde então, a China ampliou sua parceria com o Brasil em diversas áreas e se tornou uma das principais parceiras econômicas do Brasil (SILVA, 2015).
           
De acordo com Cepik (2011), os chineses deram início ao projeto Ziyuan, de satélites de sensoriamento remoto em 1986 e constituiu a primeira modalidade de cooperação sul-sul para o co-desenvolvimento de alta tecnologia. Os chineses vinham enfrentando algumas dificuldades no projeto do seu satélite de sensoriamento remoto, principalmente devido à falta de tecnologias de antenas de retransmissão e de pessoal qualificado no setor de ciência e tecnologia em decorrência da forte perseguição sofrida pela comunidade científica durante a Revolução Cultural. Naquele momento, iniciou-se a aproximação do país com o Brasil, terceiro país no mundo capacitado para receber imagens dos satélites de sensoriamento Landsat e que também vinha trabalhando no desenvolvimento do seu primeiro satélite de sensoriamento remoto.
           
No lado do Brasil, a parceria se mostrou interessante, mesmo entre conflitos ideológicos, pois a China já dominava o ciclo de acesso ao espaço: satélites, mísseis e veículos lançadores foram desenvolvidos com tecnologia autônoma. A necessidade que países de grande dimensão territorial e recursos naturais como China e Brasil tinham em adquirir imagens levou à aproximação entre os dois nesse nicho específico do setor espacial. É importante notar que a cooperação entre Brasil e China na seara espacial servia ao interesse de ambos os países, que já tinham um programa espacial em desenvolvimento, em estágios diferentes, mas que encontraram complementaridades que possibilitaram a aproximação (RIBEIRO, 2019).
           
De acordo com Costa Filho (2006), a cooperação com a China é uma espécie de ruptura na política externa brasileira iniciada a partir dos anos setenta e continuando nos anos oitenta, ao passo que, nitidamente, numa perspectiva Sul-Sul, o Brasil historicamente se envolveu com maior ênfase com o continente africano e com a América do Sul. O programa CBERS surge como uma evolução dos acordos na área de ciência e tecnologia, buscando a complementação de esforços do Brasil e da China, duas nações em desenvolvimento e aparentemente postulantes de melhores posições no cenário internacional, a cooperar numa área específica no segmento de satélites.
           
Visto que os custos para a tecnologia de sensoriamento remoto é alto, ambos os países firmaram um acordo onde existe repartição de custos, sendo a maior parte do investimento vindo da China e, além disso, ambos os países estabeleceram benefícios estratégicos, com destaque para: o desenvolvimento conjunto, baseado na equivalência e nos benefícios mútuos; e o uso por ambas as partes, quando o satélite estiver voando sobre cada território, sendo que o uso do satélite por um terceiro país ou o envio de imagens só poderá ocorrer mediante a aprovação da China e do Brasil (MISSAGIA; GUIMARÃES, 2020).
           
Os CBERS-1 e 2, lançados em 1999 e 2003, respectivamente, são idênticos em sua constituição técnica, missão no espaço e em suas cargas úteis. Os equipamentos foram dimensionados para atender às necessidades dos países e para permitir o ingresso no restrito mercado de imagens de satélites dominado pelas nações desenvolvidas (INPE, 2018). Ao longo de 20 anos, ambos os países realizaram o lançamento de seis satélites.
           
Os países do BRICS representam outro foco principal no qual China e Brasil estão transformando a geografia política do espaço dos satélites para transformar a geopolítica de recursos globais e as economias políticas globais de desenvolvimento, comércio e investimento de forma geral. Em 31 de outubro de 2016, os chefes de agências espaciais dos países membros do BRICS se reuniram em Zhuhai, China, para discutir a construção de matrizes de satélite conjuntas paras serviço de terra e sensoriamento remoto. Menos de um ano depois, em 3 de julho de 2017, as partes reuniram-se em Haikou, China, para redigir o acordo de Constelação de Satélites de Sensoriamento Remoto do BRICS. Uma reunião técnica em Brasília aconteceu de 18 a 20 de setembro de 2017, que serviu como o primeiro Fórum Oficial de Satélite de Sensoriamento Remoto do BRICS (KLINGER, 2018).

A iniciativa de sensoriamento remoto do BRICS é desenvolvida em duas fases. A primeira é construir uma geografia jurídica favorável a esta iniciativa, realinhando as atividades espaciais nacionais e políticas para facilitar a transferência de tecnologia e compartilhamento de informações entre as agências espaciais dos estados membros. Essas transformações institucionais são legais e são pretendidas para criar os circuitos globais de potência, experiência e visibilidade necessários para apoiar a segunda fase, que é o lançamento de uma constelação de satélites de sensoriamento remoto do BRICS (KLINGER, 2018).

Argentina

O Centro de rastreamento e controle de satélites da China foi inaugurado na região de Quintuco, em Neuquén, Província no sul da Argentina em abril de 2017. Construído e controlado inteiramente por um destacamento militar chinês, foi alugado com isenção de impostos para a China por cinquenta anos com a aprovação do Parlamento argentino em 2015. Embora seja projetado para rastrear as missões robóticas da China à Lua e Marte, alguns especularam que foi colocado na Patagônia porque fica diretamente ao sul de Washington, DC, e pode, portanto, espionar os satélites geoestacionários que servem a costa leste dos Estados Unidos. Além disso, representantes oficiais argentinos declararam que a base na Patagônia poderia ter dupla utilização. Além de rastrear as missões lunares chinesas, eles disseram que teria a capacidade de interferir nas comunicações, nas redes eletrônicas e nos sistemas eletromagnéticos. Também pode receber informações sobre o lançamento de mísseis, o movimento de drones e outros aspectos da competição militar (ROTBERG, 2017).

Enquanto a natureza da cobertura limitada deste desenvolvimento é uma resposta discursiva típica a relatórios de desenvolvimentos nas relações espaciais China-América Latina, a base de Neuquén é uma manifestação da evolução das geografias físicas e políticas do espaço sideral, que envolvem transformações espaciais terrestres e extraterrestres e é conduzido em parte pela cooperação entre países latino-americanos e China (KLINGER, 2018).

Argentina e China são parceiros estratégicos abrangentes desde 2014. Esse nível de relacionamento implica a organização do Diálogo Estratégico de Coordenação e Cooperação Econômica (DECCE). Este mecanismo também está encarregado de implementar o Plano Quinquenal Integrado, onde estão listados os projetos prioritários entre os dois países: fotovoltaico, eólico, gasodutos, termelétricas, linhas de transmissão e barragens. A Argentina possui um excelente capital técnico-científico, com desenvolvimento em diferentes áreas, e organizações especializadas de alto prestígio. Existem iniciativas específicas no campo da pesquisa aeroespacial, como o acordo de cooperação existente entre a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CONAE) e o Controle Geral de Lançamento e Rastreamento de Satélites da China (CLTC), por meio do qual se desenvolveu a Estação Espacial Profunda em Neuquén (NARVAJA, 2021).

Esta base científica de Neuquén serviu de apoio à missão chinesa que concluiu com o primeiro pouso lunar no outro lado da lua em janeiro de 2019. Um ano depois, em maio do ano passado, o Lançador de Longa Marcha lançou a bandeira argentina ao espaço em uma cápsula como gesto político de reconhecimento. A sonda Tianwen-1 lançada a Marte em julho carregava o logotipo da CONAE, selando a presença da Argentina no espaço sideral. E a isso se soma seu retorno bem-sucedido com amostras lunares que serão compartilhadas com cientistas argentinos. Outro exemplo de cooperação conjunta é o Radiotelescópio Sino-Argentino (CART) do Complexo Astronômico El Leoncito. O radiotelescópio será utilizado para realizar pesquisas na área de radioastronomia  (NARVAJA, 2021).

De acordo com Carvalho (2021), a Estação CLTC-CONAE-NEUQUEN é parte integrante do novo paradigma chinês de política externa na América Latina. O intuito chinês de cooperação precisa ser enxergado sob a ótica do “win-win” e o cuidado com o direcionamento dos investimentos em infraestrutura na região. A justificativa oficial do projeto é o de realizar observação e exploração pacífica do espaço e que já contribuiu com o sucesso da missão no lado escuro da lua.

Rússia

Como dito anteriormente, a China iniciou seu programa de mísseis com a ajuda da União Soviética na década de 1950 e lançou seu primeiro míssil em 1970. Foi com a União Soviética que tivemos o primeiro satélite no espaço e o primeiro homem no espaço. Agora, o futuro do programa espacial russo depende da China. Após anos de promessas e alguma cooperação limitada, Rússia e China começaram a traçar planos ambiciosos para missões que competiriam diretamente com as dos Estados Unidos e seus parceiros, inaugurando uma nova era de competição espacial que poderia ser tão intensa quanto a primeira (KRAMER; MYERS, 2021).

Eles se uniram para uma missão robótica a um asteróide em 2024 chamada Kamo’oalewa. A espaçonave circulará pela Terra para deixar uma amostra e, em seguida, usará a gravidade da Terra como um estilingue para uma viagem secundária a um cometa. Além disso, estão coordenando uma série de missões lunares com o objetivo de construir uma base de pesquisa permanente no polo sul da lua até 2030. China e Rússia têm se aproximado cada vez mais através de seus líderes atuais, Xi Jinping e Vladimir Putin, suavizando décadas de desconfiança entre os países e criando uma aliança potente, embora não oficial, contra o que eles percebem como o comportamento hegemônico dos Estados Unidos. O espaço se tornou uma extensão natural dos laços de aquecimento dos dois países, dadas as relações cada vez mais tensas com os Estados Unidos (KRAMER; MYERS, 2021).


 

Caça Sukhoi em serviço na Força Aérea do PLA batizado como J-11 – Foto Chinamil

O novo acordo sobre o posto avançado lunar sugere um envolvimento mais profundo, com a Rússia agora se envolvendo nos ambiciosos planos da China de construir uma base lunar para a futura exploração espacial e extração de recursos naturais. As próximas três missões Luna da Rússia serão integradas à série de espaçonaves Chang'e da China. Entre 2026 e 2030, as missões Chang'e-8 e Luna 28 pousarão separadamente com os primeiros blocos de construção da nova estação. A China espera que a estação demonstre capacidade de desenvolver recursos hídricos, minerais e energéticos que podem permitir a sobrevivência de curto prazo dos astronautas e servir de base para uma exploração espacial mais profunda (KRAMER; MYERS, 2021).
Cassita (2021) afirma que, a primeira fase do projeto de construção da base, de reconhecimento, envolve a coleta de dados e verificação de pousos de alta precisão entre 2021 e 2025, com as missões chinesas Chang’e 4, 6 e 7, além das russas Luna 25, 26 e 27, bem como outras de possíveis missões de parceiros. Depois, vem a fase de construção, essa sendo dividida em duas etapas. A primeira, com início em 2026 e fim em 2030, envolve verificações de tecnologia, coleta e retorno de amostras, entrega de cargas e o início das operações conjuntas, com as missões Chang’e 8, Luna 28 e, talvez, contribuições internacionais. Já a segunda etapa inclui a finalização da infraestrutura de órbita e superfície para o uso de energia, comunicação, recursos e outras tecnologias. Os veículos de lançamento superpesados da Rússia foram listados para lançar as missões ILRS-1(International Lunar Research Station) até 5, que serão focadas em recursos de comunicação, tecnologias, uso de recursos locais e instalações de pesquisa e exploração. A fase final, de utilização, deve ser iniciada de 2036 em diante, incluindo instalações científicas e equipamentos para estudos da Lua e sua estrutura, além de observações da Terra e do espaço a partir do terreno lunar.

Dentro do âmbito do BRICS, a Rússia contribui com a projeção do Kanopus-V1, um satélite de sensoriamento remoto que monitora desastres naturais, agricultura e mudanças no uso da terra, incêndios florestais e grandes incidentes de poluição (KLINGER, 2018).

África
           
A cooperação no espaço sideral entre a China e os países parceiros africanos resumem a interseção do desenvolvimento pacífico e dos interesses de segurança de todas as partes envolvidas. Cada vez mais, a China e os países africanos estão construindo redes de satélite de sensoriamento remoto para dar integração de suporte logístico aos estados parceiros da Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative/BRI) e para gerenciar desastres naturais, com algumas aplicações de segurança e vigilância (KLINGER, 2018).
          
Os satélites são cruciais para as atividades que formaram o núcleo das agendas de pesquisa China-África, como pesquisa de recursos minerais, localização de infraestrutura e construção, produção agrícola, monitoramento do desmatamento e cooperação climática, bem como comércio interoceânico. Embora a infraestrutura de satélite seja fundamental para essas dimensões de Cooperação China-África, a cooperação espacial também demonstrou efeitos sinérgicos sobre relações econômicas e diplomáticas, que têm sido objeto de mídia, política e atenção acadêmica mais sustentadas (KLINGER, 2020).
           
Segundo relatório da indústria espacial da África, o crescimento da indústria é impulsionado por economias privadas em crescimento, complementadas por prioridades estratégicas nacionais e regionais. A nova Agência Espacial Africana irá complementar os programas espaciais nacionais ao mesmo tempo que implementa a política espacial continental estipulada na Agenda 2063 da União Africana. Esta política visa aumentar a indústria com uma combinação de experiência e produtos de fora da África juntamente com a expansão das capacidades africanas para fazer a indústria crescer para o bem de todas as partes (African Space Industry Annual Report, 2019).

Engenheiros africanos já construíram grande parte dos satélites, incluindo aqueles que construíram no continente e outros usando instalações fora da África. Existem múltiplas oportunidades de negócios para empresas locais e estrangeiras nos vários subsetores da indústria espacial africana. Uma das entidades não-africanas que mais tem se destacado é a China Great Wall Industry Corporation (CGWIC), presente em países como Nigéria, Argélia, Angola e Etiópia (African Space Industry Annual Report 2019).

Klinger (2020) destaca principalmente a Nigéria. A maioria das pesquisas sobre as relações China-Nigéria concentra-se em energia, infraestrutura, e setores militares, o que é um tanto surpreendente, dada a importância da cooperação espacial para ambas as partes. Entre as nações africanas, a Nigéria tem o envolvimento mais amplo de desenvolvimento por satélite com a China. Os dois governos estabeleceram relações diplomáticas em 1971. Desde a virada do milênio, a ajuda chinesa, os empréstimos e os investimentos na Nigéria aumentaram vertiginosamente.

Em 2006, a Nigéria se tornou o primeiro país africano a assinar o Acordo de Parceria Estratégica com o Ministério das Relações Exteriores da China. Além disso, a Nigéria tem estado entre os maiores parceiros comerciais da China em África na última década. Existem dezenas de milhares de membros da comunidade chinesa e diásporas nigerianas vivendo nos países uns dos outros. A Agência Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa Espacial da Nigéria (NASRDA) foi estabelecida em 2001. Em dezembro de 2004, o governo nigeriano fez um contrato com a CGWIC para construir o segundo satélite do país, NigComSat-1 (KLINGER, 2020).

Vale destacar, porém, que a Nigéria tem sido palco de disputa comercial entre a China e a Índia no setor aeroespacial. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, deu um grande passo em 2020 ao promover um importante acordo de cooperação em questões espaciais com o presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari (PONS, 2020).

Países Árabes
           
A parceria estratégica que a China tem com os países árabes se dá principalmente com a projeção do Sistema de Navegação por Satélite BeiDou (BDS). O BDS está em desenvolvimento e uso regional desde 2000, e pretende ser a alternativa da China à dependência tecnológica dos EUA com seu Sistema de Posicionamento Global (GPS) de propriedade do governo. O sistema permite que assinantes fora da China comprem receptores e serviços que oferecem aplicações civis e militares maior redundância e independência em um cenário de conflito que emprega recursos espaciais. Por um lado, é um feito tecnológico impressionante com inúmeras potencialidades comerciais. Por outro lado, é um reconhecimento de que se a China se envolver em uma guerra é provável que seja com países ocidentais ou Estados apoiados pelo Ocidente. Consequentemente, é necessário que a China tenha uma alternativa ao GPS operado pelo governo dos EUA. (CORDESMAN, 2016).
           
De acordo com Klinger (2020), o BDS consiste em três gerações de constelações de satélites. A primeira constelação de três satélites forneceu serviços de navegação para a China e estados vizinhos entre 2000 e 2012. Isso foi considerado importante para os objetivos de segurança da China ter um sistema de navegação nativo e alcançar a independência da matriz de GPS controlada pelos EUA. A segunda constelação de dez satélites foi lançada em 2011 e 2012 para fornecer serviços de navegação para a região Ásia-Pacífico. Em 2015, a CNSA começou a construir a terceira geração de trinta e cinco satélites de altíssima resolução para fornecer cobertura global e apresentar aos estados parceiros do BRI uma alternativa ao sistema GPS dos Estados Unidos ou Sistema europeu de navegação por satélite, Galileo. Em 2016, a Liga Árabe, por unanimidade, votou para estabelecer a primeira estação de processamento no exterior para BDS na Tunísia. Esse arranjo alavanca e expande a infraestrutura ArabSat existente na capital, Tunis.
           
A promoção do BDS no mundo árabe é um componente importante da Iniciativa Cinturão e Rota; é uma medida importante para aprofundar a parceria estratégica entre a China e o mundo árabe e para concretizar a “Conectividade e comunicação mútuas” entre os dois lados. O sistema Beidou também é um elemento importante da estratégia de "saída" para realizar o projeto global de Pequim do Plano Quinquenal (SUN; ZHANG, 2018), sendo este um plano de governo elaborado pelo Estado chinês que proporciona diretrizes, estratégias e políticas de desenvolvimento nacional para o país durante o período de cinco anos. Neste documento, são traçadas as principais metas sociais, econômicas e também de setores considerados chave pelo governo central, como os setores energético e tecnológico. Desde que foi implantado em 1953, já foram realizados mais de 10 planos (UNGARETTI, 2021).
           
Com a expansão consistente dos mercados externos do sistema Beidou, a imagem da China evoluiu de tradicional para moderna. As dificuldades das indústrias de alta tecnologia da China adicionaram recursos às indústrias tradicionais, sendo os primeiros a ferrovia de alta velocidade, a energia nuclear, a tecnologia aeroespacial e o Sistema Beidou, entre outros. A China está marchando de um país atrasado para uma grande potência da ciência e tecnologia, que trouxe uma riqueza de recursos e conteúdo para a diplomacia chinesa. A diplomacia da China, por sua vez, continuou a ser mais madura para a promoção do sistema Beidou no mundo árabe (SUN; ZHANG, 2018).
           
Primeiro, o mundo árabe possui uma vasta área e grande mercado potencial. Como um importante grupo da Organização de Cooperação Islâmica, os 22 países árabes cobrem uma área de 14,26 milhões quilômetros quadrados, representando 9,5% do total mundial; a população nos países árabes cresce rapidamente – atingindo mais de 400 milhões, representando 5% do total da população mundial, com a população egípcia chegando a mais de 90 milhões. Os jovens com menos de 30 anos representam 60% a 70% da população total do mundo árabe; Egito, Argélia, Sudão, Iraque, Marrocos e Arábia Saudita são os países mais populosos da região. Eles têm mais demandas para o sistema Beidou em hidrologia, meteorologia, agricultura, pesca, infraestrutura, transporte e outros domínios (SUN; ZHANG, 2018).
           
Em segundo lugar, o sistema Beidou é de grande importância para o desenvolvimento das indústrias no mundo árabe. Os países árabes têm as seguintes características: em primeiro lugar, os árabes constituem o principal grupo étnico, mas os países variam em sistemas políticos, caminhos de desenvolvimento, e o nível de avanço econômico, bem como o relacionamento com potências estrangeiras e outros aspectos; em segundo lugar, a maioria dos países são estáveis, mas vários países, como Iêmen, Síria, Iraque, Líbia e Somália enfrentam graves disputas sectárias e a ameaça do terrorismo; em terceiro lugar, todos eles apoiam a causa palestina e são contra a ocupação israelense dos territórios palestinos; em quarto lugar, o mundo árabe é um ponto convergente da Europa, Ásia e África e é um trânsito das rotas comerciais Leste-Oeste, e a maioria dos países árabes tem portos, estações e costas marítimas cruciais, embora o comércio e os investimentos interárabes sejam insignificantes; em quinto lugar,  países do Golfo como Iraque, Líbia e Argélia possuem ricos recursos naturais de petróleo e gás, cujas reservas comprovadas de petróleo representam 57,5% do total mundial; em sexto lugar, são relativamente pobres em termos de produção de satélites de navegação e em outras áreas de alta tecnologia com falta de investimento de capital e talentos, mas a demanda do mercado é enorme, o que oferece uma oportunidade para empresas chinesas de abrir o mercado (SUN; ZHANG, 2018).
           
Em terceiro lugar, alguns anos pós-Primavera Árabe, países agora se concentraram no desenvolvimento econômico e social doméstico, o que criou condições para o sistema Beidou para penetrar nos mercados do mundo árabe. Nos últimos anos, os países árabes também demonstraram grande interesse pelo BDS. Depois de junho de 2014, quando o presidente Xi Jinping propôs o BDS para pousar nos países árabes o mais rápido possível, os governos do mundo árabe deram uma resposta positiva. Como resultado, uma delegação de diplomatas de países como Omã e Jordânia acabaram realizando visitas na sede da Beidou em Qinhuangdao e realizaram discussões preliminares sobre a trajetória do sistema Beidou nos países árabes. Além disso, antes da Primavera Árabe, o GPS dos EUA era amplamente usado no Oriente Médio, praticamente um monopólio. Em nome do “fornecimento de bens públicos gratuitos”, os Estados Unidos ocuparam mais da metade do mercado de satélites de aviação militar e civil nos países árabes (SUN; ZHANG, 2018).
           
Por último, sob a nova liderança do Partido Comunista da China (PCCh), a Iniciativa Cinturão e Rota cria condições para que o sistema Beidou abra o mercado árabe. Desde o 18º Congresso Nacional do PCCh, uma liderança coletiva central mudou o padrão de abertura da China para o Leste, para as potências ocidentais e para o Sudeste nas últimas décadas, e implementou a estratégia “voltada para o Oeste". Essa estratégia da China tornou-se cada vez mais proeminente; a promoção do Sistema Beidou no mundo árabe é uma importante parte da estratégia de se abrir para o Ocidente e realizar “conectividade e comunicação” propostas pela nova administração; em janeiro de 2016, a China anunciou seu primeiro Documento de Política Árabe, expressando o forte desejo de Pequim de expandir a cooperação bilateral e multilateral. Durante a visita do presidente Xi à Arábia Saudita, Egito e Irã, todos os países anfitriões expressaram sua vontade de se tornarem os países-piloto do BDS no mundo árabe. Espera-se que a prioridade estratégica da China e do mundo árabe sejam movidos da borda para o centro na estratégia de cada um (SUN; ZHANG, 2018).
           
Anteriormente foi citado a importância do BDS no avanço da infraestrutura da ArabSat. Para esclarecer o que seria ArabSat voltamos a citar Klinger (2020), que afirma que a Organização Árabe de Comunicações por Satélite (Sigla de ArabSat), foi fundada em 1976 em Riad, capital da Arábia Saudita. A ArabSat recebe seu capital operacional anual de US$ 500 milhões de todos os vinte e dois estados árabes. Suas estações de controle de satélite estão localizadas em Riad e Tunis, na Tunísia. A matriz fornece serviços de entretenimento e comunicações para oitenta países no Oriente Médio, Norte da África e Europa. A organização possui e opera sete satélites localizados em órbita geoestacionária.
           
Em março de 2019, dez estados membros – Argélia, Bahrein, Egito, Jordânia, Kuwait, Líbano, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Emirados Árabes Unidos – lançaram o Grupo de Cooperação do Espaço Árabe com sede nos Emirados Árabes Unidos. É imaginado como um precursor de uma Agência Espacial Árabe, modelada a partir da Agência Espacial Europeia. O grupo está atualmente desenvolvendo um satélite de observação da Terra e monitoramento ambiental, a ser lançado em 2023 (KLINGER, 2020).
A ArabSat fornece uma plataforma através da qual Estados árabes individuais, como a Arábia Saudita, cooperam com a China e outros países no desenvolvimento, construção e compartilhamento de dados de componentes de satélite. Como é o caso de câmeras desenvolvidas pela Arábia Saudita instaladas em satélites orbitais lunares como o Longqiao-2 da China, que captura imagens da superfície lunar e fornece dados lunares para ambos os países (KLINGER, 2020).
 
Considerações finais
           
Neste artigo, foram analisadas as estratégias que a China usa para alcançar sua influência global com o seu fortalecimento científico-tecnológico sendo o objeto de estudo e abordando aspectos políticos que norteiam sua política externa, além de também ter sido analisada sua política de defesa contra ameaças externas através da vigilância usada para preservar territórios considerados seu domínio e que são disputados por Estados vizinhos. Sendo de extrema importância que a China mantenha sua influência constante perante o Sistema Internacional, foram também abordadas as parcerias estratégicas que a China mantém para o avanço da tecnologia em países subdesenvolvidos e emergentes ao redor do mundo com vias a serem uma alternativa à influência de países desenvolvidos no oferecimento de tecnologia sem a transferência de tal tecnologia para tais países. Com a abordagem do tema das parcerias estratégicas, foi possível analisar a pulverização da China acerca de suas relações internacionais em acordos de cooperação e de que maneira isso impacta a balança de poder entre potências no mundo.

Através da análise do setor aeroespacial, podemos perceber que a China não foca somente no âmbito comercial. Diversas regiões do mundo acabam se beneficiando da cooperação aeroespacial com a China, mesmo que nessas regiões a maior parte do desenvolvimento tecnológico e científico seja feito por atores locais. No caso da África, é possível perceber o avanço científico-tecnológico devido ao investimento pesado da China, que foi capaz de alavancar, por exemplo, a produção econômica da África do Sul através da produção de componentes que foram posteriormente usados pelo rover que pousou na Lua em uma das missões Chang’e (KLINGER, 2020).
           
Além disso, foi possível apresentar a elevada influência da China em regiões que historicamente são influenciadas pelos Estados Unidos, como é o caso da Arábia Saudita, de modo que Washington tem estado em profundo estado de alerta, já que não se encontra mais sozinho ou com ínfima concorrência no setor aeroespacial. Hoje, o país tem se mostrado muito avançado em termos de turismo espacial com empresas como Blue Origins e Virgin Galactic através do oferecimento de viagens curtas para fora da terra num viés mercadológico. Há também a presença da SpaceX em marte com uma estratégia de povoamento do planeta vermelho e que também tem um viés mercadológico, porém com um maior apoio da NASA, sendo essa uma agência do governo estadunidense, que oferece seus astronautas em contratos bilionários para, por exemplo, construírem módulos de pouso lunar.
           
Existe uma interação simbiótica entre setor aeroespacial civil e militar da China, fazendo com que ambos os setores se desenvolvam e tenham as mesmas capacidades com a regulação estatal existente. Como dito anteriormente, isso traz uma vantagem política acima de tudo para a China, que vem, desde a Revolução de Mao, a partir de 1949, construindo um país com poder, com riqueza e com desenvolvimento de forma a superar a sua história do século XIX considerado como um século de humilhação devido às concessões territoriais de potências estrangeiras, às derrotas nas guerras contras países como Grã-Bretanha e França e à invasão japonesa que perdurou até a metade do Século XX. O setor aeroespacial é uma das diversas áreas que a China tem aplicado grandes somas de investimento com um tipo diferente de pensamento do Ocidente em termos de desenvolvimento e tomando como base o contexto histórico, econômico, político e social.
 
Referências

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[1] Artigo desenvolvido como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Negócios Internacionais, PPGEEI, UFRGS, 2021, sob orientação do prof. Dr. André Luiz Reis da Silva.

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