Aeronáutica desenvolve combustível para foguete

O Brasil concluiu uma importante etapa no processo de desenvolvimento de motores para foguetes movidos a combustível líquido, tecnologia utilizada há vários anos pelos principais veículos lançadores de satélites no mundo. Os propulsores líquidos também são usados em satélites de sensoriamento remoto, meteorológicos e de comunicação para realizar manobras de correção de órbita.

Virgínia Silveira

Apesar da escassez de recursos financeiros e humanos que o setor aeroespacial enfrenta, o primeiro motor brasileiro a combustível líquido foi testado com sucesso, em dezembro, no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), órgão de pesquisa do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).

"Realizamos um teste de qualificação em solo do primeiro motor, batizado de L5 e projetado para operar com oxigênio líquido e etanol", explica o pesquisador e chefe da subdiretoria de espaço do Instituto de Aeronáutica, coronel Avandelino Santana Junior. O próximo passo do projeto é o lançamento em voo, que deverá ser feito primeiro em um foguete de sondagem suborbital.

O domínio dessa tecnologia é uma das prioridades que o governo federal estabeleceu em decreto, em dezembro de 2008, na Estratégia Nacional de Defesa (END) para o setor espacial brasileiro. Segundo Santana Junior, o Brasil precisa evoluir a tecnologia dos seus lançadores, pois o atual Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), que usa combustível sólido, não tem capacidade para atender as futuras missões do programa espacial, como o satélite geoestacionário, que será comprado pelo país até 2014.

Além de dominar uma tecnologia mais avançada na área de lançadores, o projeto desse motor tem como objetivo substituir o atual quarto estágio do foguete brasileiro VLS-1 em suas futuras versões. O próximo VLS-1, que será lançado ao espaço entre o fim deste ano e início de 2013, ainda usará o motor de propulsão sólida.

Com um combustível de maior eficiência energética, segundo o pesquisador, ao invés de lançar um satélite de 115 quilos a 750 quilômetros de altitude, o VLS-1 poderá colocar um satélite de 200 quilos em órbita da Terra e de uma maneira mais precisa. Para se ter ideia da potência do novo motor, o L5 tem força para empurrar um bloco de meia tonelada. Além disso, o propulsor líquido tem a capacidade de interromper e reiniciar o lançamento, sem a necessidade de destruir o foguete, como acontece com o foguete movido a combustível sólido.

O custo de produção também é vantajoso, pois Santana Junior calcula que o motor do quarto estágio do VLS-1 chega a ser oito vezes mais caro que o L5. Além disso, afirmou que um quilo de hidrazina custa 20 vezes mais que um quilo de etanol. A hidrazina é um dos combustíveis líquidos que serão usados pelo foguete ucraniano Cyclone-4, que está sendo desenvolvido pela binacional ACS (Alcantara Cyclone Space), criada pelo Brasil e Ucrânia.

Além da questão do custo, a seleção do etanol e do oxigênio líquido para o motor L5 usou como critérios a segurança no manuseio, o baixo nível de fuligem e a não agressividade ao meio-ambiente. O objetivo era, principalmente, ter à disposição um combustível no mercado nacional que garantisse independência do Brasil em relação aos mercados externos, disse Santana Junior.

O VLS-1 usa o perclorato de amônio, produzido pela Usina Coronel Abner, mantida pela Aeronáutica, enquanto o polibutadieno (PBLH) teve sua produção local descontinuada e passou a ser importado.

O pesquisador disse que há interesse em usar combustíveis líquidos também nos estágios superiores do novo foguete VLM (Veículo Lançador de Microssatélites), em fase de desenvolvimento, para dar prioridade ao uso de tecnologias limpas. O IAE também estuda outras opções de combustível verde para o VLM.

Projeto requer participação de fabricantes brasileiros

O domínio da tecnologia de propulsão líquida em motor-foguete de pequeno porte significa uma etapa importante em direção ao desenvolvimento de motores maiores. O primeiro passo foi dado pela Aeronáutica com o desenvolvimento do projeto do motor L75, que funcionará com oxigênio líquido e querosene, com força para empurrar 7,5 toneladas. Mas a indústria nacional já está envolvida no processo de fabricação de componentes para o novo motor L5.

O modelo L75 será pressurizado por turbobomba – um conjunto de turbina e bomba, com a função de injetar, sob pressão, o combustível e o oxidante na câmara de combustão. O nível de empuxo (força) foi escolhido para atender ao foguete VLS Alfa, primeiro veículo da nova geração brasileira de lançadores de satélites, denominada Cruzeiro do Sul. O VLS Alfa será capaz de lançar satélites com massa superior a 400 quilos em órbitas equatoriais de 400 quilômetros.

Um dos requisitos para o desenvolvimento desse veículo é o envolvimento da indústria em todas as fases de produção, principalmente na parte de propulsão líquida: turbobomba, câmaras de combustão, injetores, válvulas e reguladores de vazão e pressão, diz o coronel Avandelino Santana Junior, pesquisador do Instituto de Aeronáutica.

A empresa Fautec produziu a câmara de combustão; a Laser Tools, os injetores de combustível; e a Brasimet, o cabeçote de injeção. O etanol é comprado no mercado brasileiro e o oxigênio líquido pode ser fornecido por diferentes empresas, como AGA e White Martins.

A Orbital Engenharia está desenvolvendo em parceria com a Aeronáutica um sistema de alimentação de motor-foguete para propulsores líquidos como o L5, com a função de fornecer combustível e oxidante para os motores-foguetes movidos a combustível líquido. Os recursos para o projeto, avaliados em R$ 2 milhões, foram repassados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A Orbital vai produzir tanques de fibra de carbono e de alumínio, válvulas, reguladores, filtros, tubulação e suporte para fixação do motor.

O laboratório da Aeronáutica foi montado em 2005, após a formação do primeiro curso de especialização em propulsão líquida realizado no Instituto de Aeronáutica e Espaço (ITA), com a participação de professores do Moscow Aviation Institute. Dos 18 especialistas formados, 14 permanecem no laboratório. Para Santana Junior, o ritmo de desenvolvimento ainda é lento por falta de recursos financeiros e humanos.

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