Invasão: o que fariam os russos ao cruzar a fronteira ucraniana

Elias Groll
Foreign Policy

Se a Rússia decidir invadir o leste da Ucrânia, ampliando seu controle sobre o território do país vizinho, da Península da Crimeia até as províncias ao leste e ao sul, como isso seria concretizado?

Desde que a Rússia invadiu e anexou a Crimeia, a perspectiva de uma invasão mais ampla ganhou peso para um governo ucraniano envolvido num amargo impasse com os separatistas. Ativistas pró-Rússia e homens armados tomaram edifícios do governo na região e, embora um acordo tenha sido feito ontem para sua saída, não há garantias de que isso ocorrerá.

Muitos observadores especulam que a tomada de prédios do governo tenha ocorrido a pedido de Moscou –funcionários do alto escalão do governo americano chegaram a afirmá- lo –como objetivo de criar um pretexto para a invasão.

De acordo com esse raciocínio, depois que os agentes de Moscou tiverem causado bastante confusão, as forças russas chegarão de suas posições perto da fronteira e restaurarão a paz, vendendo sua invasão como missão de paz.

Mas o que fariam os soldados russos depois que cruzar a fronteira ucraniana? Em relatório publicado n o início do mês, analistas do Royal United Services Institute, um centro britânico de estudos estratégicos e de defesa, descrevem uma série de situações demonstrando os possíveis rumos seguidos por soldados russos numa invasão das províncias do sul e do leste da Ucrânia.

Embora não haja certeza nenhuma de uma invasão russa da Ucrânia, os acontecimentosrecentesnopaísespelhamoseventosqueculminaramcomadiscretainvasãoda Crimeia. e, mesmo que as previsões de uma invasão russa não se concretizem, essas situações servem como modelo para avaliarmos as opções militares de Moscou.

De acordo com os autores do relatório – Igor Sutyagin, bolsista de pesquisado RUSI, e Michael Clarke, diretor geral do instituto–, a Rússia tem cerca de 50 mil soldados mobilizados contra aproximadamente 70 mil soldados ucranianos. Embora tenham a vantagem numérica, as forças de Kiev têm "equipamento precário e dificuldades de mobilização plena".

Pressão. De acordo com o relatório, soldados russos foram dispostos em grande número ao longo da fronteira da Ucrânia para obrigar Kiev e o Ocidente a aceitar os ganhos territoriais de Moscou na Crimeia.

De acordo com esse raciocínio, os soldados russos não cruzarão a fronteira e "seriam desmobilizados rapidamente tão logo o processo político tenha conferido a Putin o reconhecimento de seu ‘faitaccompli' na Crimeia". Recentes levantes na Ucrânia indicam que essa situação é improvável.

Além disso, os autores do relatório consideram esse cenário menos provável, já que o Ministério do Interior colocou suas forças em alerta, com o propósito de pacificar populações locais. Numa situação mais agressiva," forças russas apoiariam secretamente levantes civis, possivelmente orquestrando os, em todo o leste e sul da Ucrânia,usando a instabilidade como pretexto para abrir um corredor terrestre seguro até a Crimeia, passando pelas províncias de Donbass, Zaporizhia e Kherson".

De acordo com uma terceira situação, "levantes e pressões separatistas no sul e leste da Ucrânia, sejam reais ou fabricados, podem representar uma oportunidade arriscada e tentadora para dividir o país em dois, ao sul e leste do Rio Dnieper". A Rússia pode ir além e abrir um "corredor a oeste da Transnístria, na Moldávia, até a Crimeia, passando pelas províncias de Odessa e Mykolaiv, envolvendo a cidade histórica de Odessa".

Essa operação criaria um arco de território russo no sul da Ucrânia, unindo a região independente e pró- Rússia da Transnístria a novos territórios reivindicados pelos russos. E qual é a situação dos soldados ucranianos que devem responder a essas ameaças?

Em resumo, não muito boa. Relatos recentes descrevem forças ucranianas rumando para o leste, mas ainda não se sabe em que quantidade. E, mesmo que mudem o posicionamento, é provável que serão sobrepujadas por seus oponentes. Apesar de tantos prognósticos, ainda é difícil determinar qual dessas situações será a mais provável. Por enquanto, estamos entre o primeiro e o segundo cenários.

Os autores dizem que vários fatores geopolíticos tornam alguns cenários mais prováveis do que outros. A Rússia reduziria muito o isolamento da Crimeia ao garantir um corredor terrestre ligando o território russo à península. Além disso, a Rússia encerraria a disputa envolvendo o estreito de Kerch, garantindo o acesso da Gazprom aos depósitos de gás no Mar de Azov.

Elementos importantes da industria russa da defesa– incluindo os programas de mísseis– dependem de fornecedores ucranianos no leste do país. Mas não se sabe ainda se a Rússia irá buscar opções mais agressivas. "Pode-se especular que, como a maioria das fábricas militares fica no sul e no leste da Ucrânia, a tentação de concretizar o terceiro e quarto cenários será ainda maior", diz o relatório.

"Encarar tais cenários como uma possibilidade real em nome da captura da produção dessas diferentes fábricas seria uma maneira típica do século19 de encarar um relacionamento do século 21. Entretanto, nem isso pode ser descartado."

Tradução de Augusto Calil

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