PCC – Estado fez acordo para cessar ataques

 

Alexandre Hisayasu

 Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – Depoimento obtido com exclusividade pelo Estado mostra que representantes da cúpula do governo estadual fizeram um acordo com o chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, para pôr fim à onda de ataques da facção criminosa, em maio de 2006. A reunião foi feita dentro do presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes.

A declaração, do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, foi dada durante depoimento em processo judicial que investigou advogadas supostamente ligadas ao crime organizado. Ele foi um dos escolhidos pelo governo para participar do encontro em 2006. Apesar de essa possibilidade ter sido divulgada na época dos atentados, o governo do Estado sempre negou o acordo com o PCC e admitiu apenas que a conversa com Marcola foi uma condição para a rendição da facção.

Estudo do US Army sobre MEGACIDADES que incluiu a cidade de São Paulo. Vale a leitura, embora sintética é esclarecedora:

Megacidades – US Army analisa desigualdade social e o poder do PCC em São Paulo

Série de artigos sobre MEGACIDADES e a análise do Estudo do US Army: MEGACITIES AND THE UNITED STATES ARMY PREPARING FOR A COMPLEX AND UNCERTAIN FUTURE


Megacidades: SP e RJ pelo US Army

 

Megacidades: US Army analisa ocupações irregulares e poder paralelo no Rio de Janeiro

A proposta do crime organizado foi levada pela advogada Iracema Vasciaveo, então presidente da ONG Nova Ordem, que defendia o direito dos presos e, na época, representava o PCC: se os responsáveis pelo comando dos atentados nas ruas fossem informados de que Marcola estava bem fisicamente, que não havia sido torturado por policiais e que os presos amotinados não seriam agredidos pela Polícia Militar, os ataques seriam encerrados.

O recado deveria ser dado pelo próprio chefe do PCC. O papel de Iracema era convencer Marcola a aceitar a ideia.

A cúpula das secretarias de Segurança Pública e da Administração Penitenciária, cujos chefes na época eram Saulo de Castro Abreu Filho e Nagashi Furukawa, respectivamente, aceitaram a ideia da advogada. O então governador, Claudio Lembo, autorizou o encontro.

Missão. No depoimento, que está no processo criminal 1352/06, Cavalcanti conta que recebeu uma ligação em 14 de maio, dois dias depois do início dos ataques, do seu chefe Emílio Françolim – diretor do Departamento de Narcóticos, o Denarc -, convocando-o para a viagem. Na ocasião, dezenas de policiais já haviam sido mortos em atentados.

A missão do delegado era acompanhar a advogada Iracema Vasciaveo até o Presídio de Presidente Bernardes. Os dois e mais o corregedor da Secretaria da Administração Penitenciária, Antonio Ruiz Lopes, foram no avião da PM até Presidente Prudente, onde se encontraram com o comandante da região, coronel Ailton Brandão, e seguiram para o presídio.

Cavalcanti contou que Ruiz Lopes e o diretor do Presídio de Presidente Bernardes, Luciano Orlando, autorizaram que a advogada entrasse com celulares. Todos ficaram em uma sala e Marcola foi levado por um agente penitenciário. Iracema então se apresentou e começou a conversar com o chefe do PCC. Inicialmente, ela tentou convencê-lo a falar ao celular com outro criminoso, que comandava os ataques – o homem nunca foi identificado pela polícia.

Marcola se recusou. Ele teria lamentado a morte tanto de policiais quanto de bandidos. A advogada insistiu e, finalmente, o chefe do PCC aceitou a proposta. Como não fala ao celular, ele pediu para chamar o preso Luis Henrique Fernandes, o LH, que é de sua confiança.

Segundo Cavalcanti, “LH foi trazido para a sala e Marcola disse que ele poderia falar ao telefone e dar a mensagem da advogada; LH concordou, e a advogada entregou o seu telefone, que já tinha um número previamente gravado na memória, para onde LH ligou e conversou com uma pessoa desconhecida”.

O delegado negou a proposta de qualquer acordo, mas disse que Marcola pediu que a polícia respeitasse o direito dos presos, o que lhe foi garantido pelo comando da PM. Cavalcanti ainda relatou que “supõe que o bloqueador de celular tenha sido desligado”, pois LH fez algumas tentativas antes de completar a ligação. Por fim, declarou que “no fim daquele dia e no dia seguinte os ataques definitivamente pararam”. O policial não quis dar entrevista, mas confirmou as declarações.

Celulares. A advogada Iracema Vasciaveo confirmou os fatos narrados por Cavalcanti. Segundo ela, a situação estava “fora de controle”. Ela contou que, quando recebeu a proposta dos bandidos, levou ao conhecimento de colegas na Polícia Civil.

“Naquele domingo (14 de maio de 2006), recebi um telefonema com uma ordem: que eu fosse para o Campo de Marte, porque de lá seguiria para Presidente Bernardes.” Lá, a advogada afirma que recebeu de um policial os celulares usados no presídio.

Ela também rejeita a palavra “acordo”. Segundo Iracema, “havia uma chance para encerrar os ataques, e tudo foi feito para que isso fosse possível”.

 

 

 

Autoridade admite reunião em presídio 

Alexandre Hisayasu

O Estado de S. Paulo

 

Ex-governador de São Paulo Claudio Lembo (ex-PFL), no entanto, nega acordo e afirma não saber se bloqueador funcionava

 

SÃO PAULO – O governador de São Paulo na época dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), Claudio Lembo (ex-PFL), nega que o Estado tenha feito acordo com o crime organizado, mas admite que o encontro da advogada Iracema Vasciaveo com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, contribuiu para o fim das ações da facção.

Lembo, junto com a cúpula da Segurança Pública e da Administração Penitenciária, acompanhou todas as decisões de enfrentamento contra o PCC. No começo da tarde de domingo, dia 14 de maio de 2006, São Paulo já registrava dezenas de policiais assassinados e outra dezena de ataques contra delegacias e batalhões. Ele lembra que recebeu uma ligação do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Eliseu Eclair Teixeira Borges, que tinha uma proposta da advogada Iracema.

Claudio Lembo acompanhou decis?es sobre o PCC

Claudio Lembo acompanhou decisões sobre o PCC

“Ele disse que a advogada queria ver o Marcola, se certificar que ele estava bem fisicamente, que não havia sido torturado. E que isso poderia ajudar a encerrar os ataques. Eu não vi problema e autorizei a viagem dela e dos demais no avião da Polícia Militar”, contou. 

O então governador justificou que cedeu a aeronave oficial porque a situação era atípica e precisava de ações rápidas. “Era uma possibilidade de encerrar aqueles motins, por isso autorizei. E autorizaria de novo, se fosse o caso.”

Sobre o fato de o detento Luis Henrique Soares, o “LH”, ter dado a ordem a um outro bandido para encerrar os ataques pelo celular levado pela advogada, Lembo diz que não sabia desse episódio. “Eu apenas autorizei a viagem. O que aconteceu lá dentro, não tenho detalhes.” Sobre os bloqueadores de celular no Presídio de Presidente Bernardes, o ex-governador afirma que não pode garantir se funcionavam na época dos ataques. “Eu nunca estive no presídio para constatar esse funcionamento. Me informaram que sim (funcionavam).”

Bastidores. O então secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, preferiu não dar entrevista. Mas disse que também não poderia confirmar se os bloqueadores de celular funcionavam perfeitamente naquela época.

Ele lançou um livro recentemente, em que conta bastidores da cúpula do governo durante os ataques de maio de 2006.

Na edição, afirma que a proposta inicial de Marcola, ainda na madrugada de sexta-feira (dia 12) para sábado, para encerrar os ataques era ter a autorização do governo do Estado para que os presos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) recebessem visitas no Dia das Mães e pudessem conversar imediatamente com seus advogados. Segundo Furukawa, com exceção dele, toda a cúpula da Segurança queria aceitar o acordo. Só depois, o secretário de Segurança na época, Saulo de Castro Abreu Filho mudou de ideia e mandou os policiais enfrentarem o PCC nas ruas. O pedido de Marcola foi negado.

O Estado fez vários pedidos de entrevista para Saulo Abreu Filho, atualmente na Casa Civil, mas ele preferiu não falar.

Perigoso. Para o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, o Estado reconheceu em Marcola um representante da facção criminosa com quem poderia dialogar. “Isso é o mais perigoso, porque quando você empresta esse reconhecimento, você não consegue tirar mais. Você passa a ter um ator dentro dessa sistemática de segurança pública, que é uma liderança dentro de uma organização criminosa, e isso é perigoso.”

Ele concorda que os ataques diminuíram até cessar depois da conversa entre Marcola e a advogada. “A questão é se esse tipo de contato entre o Estado e uma organização criminosa é benéfico ou não. Isso é questionável.”

.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter