F-X3, o desafio dos treinadores a jato está no ar

F- X3, o desafio dos treinadores a jato está no ar

 

Roberto Lopes

 
O governo que se seguirá ao atual – talvez com a própria presidenta Dilma à testa – assistirá a mais uma mobilização da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC) em torno do reequipamento da aviação de combate. Dessa vez, focando a compra de jatos dedicados à fase avançada de adestramento dos pilotos de caça.

O assunto vem dividindo opiniões, dentro do Comando da Aeronáutica, desde a década de 1990.

Primeiro houve quem, de forma inegavelmente otimista, enxergasse no avião de ataque EMBRAER A-29 Super Tucano – dotado de aviônica sofisticada (para um monomotor turboélice) –, o modelo cujos préstimos seriam capazes de simular a performance de um caça. Caso prevalecesse a ideia, uma encomenda adicional da versão A-29 dispensaria o gasto com a aquisição de um treinador.

Depois, alguns oficiais alimentaram a expectativa de que a FAB conseguisse arrematar, no mercado internacional, um número de F-5Fs suficiente para formar um esquadrão de treinamento. Plano do tipo “quebra-galho” e que, ainda assim, revelou-se de difícil realização.

Estudos feitos no Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER) entre janeiro de 2012 e maio de 2013, período em que o órgão esteve entregue à liderança do Tenente-Brigadeiro-do-Ar Aprígio Eduardo de Moura Azevedo (oficial que presidiu a COPAC e tem 1.800 horas na aviação de caça), concluíram que a melhor opção é também a mais ortodoxa e dispendiosa: a importação de jatos concebidos especificamente para a tarefa do adestramento de pilotos de combate.

O novo trabalho de seleção terá como objetivo a compra de uma quantidade ainda não perfeitamente definida de aparelhos de adestramento, mas que pode ser estimada entre 24 e 36 unidades. O favorito para essa escolha é M-346, do grupo italiano Alenia Aermacchi, mas é certo que ao Comando da Aeronáutica será solicitado examinar os predicados de, ao menos, dois desafiantes: o YAK-130 russo e o T-50 sul-coreano.

Há indícios de que também a indústria aeronáutica britânica poderá se interessar pela concorrência no Brasil. Nesse caso, oferecendo o BAE Hawk Mk. 128 – chamado de Hawk AJT (Agile Jet Trainer) –, versão mais recente de uma aeronave de adestramento já lendária, que, por sua robustez e modernidade, vem, desde o fim da década de 1970, operando como jato de ataque ao solo. Mas, conforme veremos, a opção pelo AJT seria a mais dispendiosa – proibitiva para uma aviação militar que, no dia-a-dia, lida com escassez de recursos e irregularidade no recebimento de verbas do Tesouro.

Já adotado pelas forças aéreas da Rússia e da Indonésia, o YAK-130 tem, praticamente, as mesmas capacidades do M-346, mas seus préstimos operacionais – fruto, especialmente, da aviônica de ponta – são mais aproveitáveis pelas corporações militares que empregam aeronaves de fabricação russa, o que não é o caso do Brasil.

O T-50 tem como diferencial o fato de ser uma aeronave supersônica, e desenvolvida pela indústria aeronáutica da Coréia do Sul em estreita cooperação com a empresa americana Lockheed Martin, o que o torna indicado para forças aéreas que voam modernos jatos de tecnologia estadunidense, como o F-16 Fighting Falcon – o que, a rigor, também não é o caso da FAB. O F-5F é um predecessor muito antigo das famílias de caças americanos mais vendidos às nações amigas dos Estados Unidos.

A questão é que numa concorrência como essa, não apenas os atributos técnicos são determinantes. Há também as questões de preço, de transferência de tecnologia e de compensação comercial (off set). 

No item custo, o YAK-130 ganha pontos. Seu valor unitário básico é de US$ 15 milhões, uma quantia que pode ser multiplicada por dois caso o cliente deseje os diversos equipamentos opcionais. Alguns modelos do YAK chegam a ser oferecidos por US$ 34 milhões.

O preço-base do T-50 é de US$ 21 milhões, e o do M-346, aproximadamente, US$ 22,5 milhões. Só como comparação: um jato BAE Hawk Mk. 128 não sairia por menos de US$ 29 milhões, podendo seu valor unitário alcançar os US$ 33 milhões.

Em face dessas cifras, o previsto é que a concorrência dos treinadores supere facilmente a marca dos US$ 800 milhões, podendo, inclusive, atingir a marca de US$ 1 bilhão.

É claro que o investimento proporcionará um retorno importante ao Comando da Aeronáutica. Na atualidade, o piloto não é só um tripulante que maneja sua aeronave dentro dos envelopes de vôo para os quais ela foi projetada; ele precisa ser também um competente gerente das várias informações que vão surgindo, em tempo real, nos diferentes mostradores e telas do cockpit. E essa qualificação é obtida a bordo dos aparelhos de treinamento avançado.

Contudo, a aeronave não serve só à adequada formação do pessoal. Jatos concebidos para essa finalidade permitem reduzir o emprego de caças em missões de adestramento, e isso, obviamente, resulta em economia – tanto em termos de custos operacionais quanto de gasto de combustível. Ou seja: dispêndios menores com o treinamento acabam pagando, a longo prazo, o dinheiro investido na aquisição dos aparelhos.

O M-346 é, hoje, a grande estrela do grupo Finmeccanica para o setor aeronáutico. Os italianos calculam que, nos próximos anos, haja a consolidação de um mercado de até 2 mil unidades para aparelhos de adestramento e ataque leve ao redor do mundo.

Em relação à escolha que será feita pelo governo brasileiro, os italianos estão em situação claramente favorável, devido à parceria que conseguiram estabelecer no passado com a FAB.

Durante décadas, a Força Aérea operou cerca de 160 jatos subsônicos MB-326 – parte deles fabricada sob licença no Brasil com o nome de Xavante. Mais tarde, em conjunto com as italianas Aeritalia e Aermacchi, a Embraer desenvolveu o jato de ataque ao solo AMX – um aparelho pequeno que, chega aos nossos dias, como o mais bem artilhado de que dispõe o Comando da Aeronáutica.

A experiência acumulada com a pesquisa, construção e testes de aviônicos, componentes estruturais e tecnologias, possibilitaram à Embraer conquistar know how para criar as suas próprias linhas de produtos para os mercados civil e militar.

A vitória do supersônico sueco Gripen NG no programa FX-2 melhorou ainda mais a situação do M-346 na disputa pelo contrato dos treinadores. Isso porque é a italiana Selex Galileo que fornece uma boa parte dos sistemas eletrônicos do Gripen, inclusive o radar Raven. Além do mais, modelos do radar italiano Grifo são usados pelos jatos F-5F modernizados da FAB.

Na oferta do M-346, os italianos se propõem a materializar a transferência de tecnologia por meio de um compartilhamento da tecnologia dos sistemas de rastreamento – talvez até montar um centro de excelência no Brasil –, uma das áreas mais sensíveis do conhecimento militar.

Poucos sabem, mas o Alenia Aermacchi M-346 é um resultado do trabalho conjunto realizado pela Aermacchi com a Yakovlev desde o ano de 1993, época em que as duas empresas se associaram visando completar o desenvolvimento de um novo treinador que a Yakovlev vinha pesquisando para a aviação da Rússia.

A primeira aeronave desse projeto, conhecida como YAK/AEM-130, voou em 1996. Quatro anos mais tarde, divergências entre italianos e russos quanto a programas (investimentos) prioritários deram fim à parceria. A Aermacchi reteve os direitos de comercialização mundial, exceto para a Rússia e as 11 outras nações da Comunidade dos Estados Independentes (resultante da desintegração da União Soviética).

Com 11 metros e meio de comprimento, peso máximo de decolagem na casa dos 9.500 quilos e razão de subida de 6.401m/min, o M-346 é uma versão consideravelmente modificada do modelo que a joint venture Aermacchi-Yakovlev projetou inicialmente.

Concebido para alcançar a velocidade de 1.2 Mach (e suportar uma velocidade de stall de 166km/h), ele só utiliza equipamentos de fabricantes ocidentais. Nove pontos duros transportam uma apreciável variedade de bombas, foguetes e mísseis.

O primeiro protótipo foi apresentado a 7 de Junho de 2003, e alçou vôo pela primeira vez um ano mais tarde, a 15 de Julho de 2004.

Por não possuir pós-combustão, o modelo italiano oferece custos operacionais reduzidos, especialmente em comparação com o supersônico T-50. Seu design aerodinâmico está amparado em um gerador de vórtice que garante alta manobrabilidade, e, sobretudo, controlabilidade em elevado ângulo de ataque (até 40° graus), por meio de um sistema Fly-By-Wire.

Os dois motores da aeronave são Honeywell F124, o sistema de controle de vôo digital é uma parceria da Teleavio/Marconi com a BAE Systems, e os atuadores são Dowty e Microtecnica.

Na disputa pelo contrato dos treinadores, as chances do sistema sul-coreano T-50 Golden Eagle seriam maiores, caso a FAB operasse supersônicos americanos tipo F-16 Fighting Falcon – ou se, no programa FX-2, o governo Dilma houvesse optado pelo Boeing Super Hornet F-18.

O Golden Eagle foi desenhado para substituir os jatos de treinamento T-38 Tallon, F-5B e o A-37 – máquinas vetustas mas ainda bastante populares na América Latina. O vôo inaugural do seu protótipo ocorreu no dia 20 de agosto de 2002. O aparelho entrou em serviço em 22 de fevereiro de 2005.

Um olhar atento (e competente) percebe que o design do T-50 recebeu forte influência do F-16.

A favor do T-50 existem, contudo, alguns argumentos.

Em primeiro lugar, é preciso não desprezar o fato de que a adoção dessa aeronave teria um impacto positivo na indústria aeronáutica dos Estados Unidos – duramente afetada, em dezembro passado, pela derrota da Boeing no programa FX-2.

A eventual aquisição do Golden Eagle – desenvolvido pela Korean Aerospace Industries em conjunto com a Lockheed Martin americana – funcionaria, portanto, como um mecanismo de compensação política.

Depois, é bom ter sempre em mente que, nesse início de século 21, o avião sul-coreano é o aparelho de treinamento de pilotos mais próximo do desempenho e dos predicados de um caça supersônico de verdade. Sua capacidade de transportar armamento – mísseisSidewinder nas pontas das asas, armas ar-solo padrão sob as asas, e um inovador canhão Vulcan M61-A1 de 20mm, instalado atrás do cockpit – representa importante diferencial em relação aos congêneres.

Sua concepção está tão identificada com a de uma aeronave pronta para o combate, que o Golden Eagle já possui um irmão mais velho sendo oferecido no mercado: o caça-bombardeiro FA-50.

O treinador é impulsionado por uma turbina GE F404, podendo voar a Mach 1,05 e alcançar velocidade máxima de Mach 1,4. Seu peso vazio é de pouco mais de seis toneladas, mas ele pode decolar para cumprir missão real pesando até 13.470kg.
 

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