Na guerra vale tudo, até o Twitter

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O Editor
 


Publicado jornal Expresso – Portugal

Luís M. Faria
Portugal


Aconteceu no Iraque: antes de um grupo terrorista entrar numa cidade, fez uma ampla divulgação nas redes sociais de vídeos em que executava soldados do exército iraquiano. Não houve quase resistência quando tomou a cidade: o exército simplesmente fugiu.  Mas o propósito não é só aterrorizar – é também recrutar.

 

Nas últimas três semanas, o mundo assistiu surpreendido ao drástico avanço do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria), que ocupou várias cidades e pontos fronteiriços do Iraque. Uma das perplexidades refere-se ao modo como uma organização com apenas alguns milhares de soldados pôde obrigar um exército de centenas de milhares a recuar. A resposta, pelo menos em parte, tem a ver com 'as mídias sociais'. Entre os grupos terroristas, o ISIS é o mais sofisticado no uso do Twitter, o Facebook e YouTube. Só no dia em que tomou a cidade de Mossul, 40 mil tweets foram emitidos por contas associadas ao grupo. 

Antes do ISIS entrar na cidade, tinha conseguido fazer uma ampla divulgação de vídeos em que executava soldados do exército iraquiano. Isso ajudou a enterder os motivos que fizeram com que houvesse tão pouca resistência em Mossul. O exército simplesmente fugiu.

Deste modo, o ISIS confirmou a sua mestria dos meios da propaganda de guerra. O Twitter e o YouTube foram usados com sucesso para dar uma imagem bastante ampliada do inimigo que se aproximava. 

Segundo vários comentaristas,  a maestria com que o ISIS utiliza as 'midias sociais' reflete a composição do grupo, do qual um terço de seus membros são estrangeiros, por vezes com formação em design gráfico e em cinema. Os vídeos do ISIS exibem detalhes  de produção sofisticados e as suas estratégias de marketing não são menos elaboradas. Um exemplo é a imagem de uma pistola reluzente e ensanguentada por cima da qual se lê a frase "YOU ONLY DIE ONCE. WHY NOT MAKE IT MARTYRDOM" (Você Só Morre Uma Vez. Porque Não Fazer Disso um Mártir?).
 
Celebrar Messi a prejudicar o Irã

A idéia liga com a suspeita de que uma parte substancial dos recrutas do grupo são jovens alienados, que procuram dar um sentido às suas vidas. Um aspeto notório da propaganda do ISIS é que os materiais postados, com frequência, são obra de militantes individuais ou de células de militantes por sua própria iniciativa. Isso também acontece com outros grupos terroristas, incluindo o Jabat al-Nusra, filial oficial da Al Qaeda no Iraque, mas não na mesma escala.
 
O vídeo mais arrepiante do ISIS é aquele onde soldados iraquianos aparecem repetindo uma frase, que os obriga a repetir e a cavar as suas próprias sepulturas em Tikrit – cidade natal de Saddam Hussein – antes de serem executados. Mas há muitos outros na Internet. Como se seria de esperar na geração do 'selfie', é normal aparecerem militantes  exibindo os seus próprios triunfos, ou o simples fato de se encontrarem presentes no campo de batalha. 

O meio privilegiado de divulgação tem sido o Twitter. Até há pouco, era possível descarregar no Google uma aplicação, “Madrugada das Notícias Felizes” (ou, abreviadamente, Madrugada), através da qual tweets produzidos por uma central eram reproduzidos e retweetados em dezenas de milhares de contas. O Google fechou essa aplicação, mas é provável que já tenha sido criada uma substituta. Entretanto, a multiplicação de 'hashtags' (etiquetas) associadas ao ISIS cumpre idêntica função. 

O grupo até usa etiquetas alheias, como as do campeonato do mundo, que aplica aos seus materiais. E as apropriações do futebol não ficam por aí. Sendo um movimento sunita, o ISIS deu os parabéns a Lionel Messi quando marcou um golo no Irã, país de maioria xiita.  

Assustar, recrutar, angariar 

A par das imagens de guerra e de atrocidades, o ISIS publica cenas de militantes apoiando as populações – por exemplo, distribuindo comida – ou cenas banais do dia-a-dia dos militantes. Tudo para criar um sentido de comunidade e garantir que os cidadãos comuns nada têm a recear. Uma garantia tanto mais necessária quanto o grupo promove uma versão fundamentalista extrema do Islã, com o repertório habitual de proibições fundamentalistas, mesmo de atividades como a música e castigos violentos para quem desobedecer.  

O propósito dos vídeos e do resto da propaganda não é só aterrorizar e conquistar. Procuram igualmente recrutar e angariar fundos. O primeiro objetivo vem sendo conseguido, a avaliar pela quantidade de muçulmanos de países europeus, e não só, que se tem juntado ao ISIS. O governo britânico considerar a hipótese de tornar ilegal a saída de britânicos para lutarem ao lado dos rebeldes na Síria. Ao que parece, é frequente adotaram a postura radical lá. 

Quanto ao segundo objetivo, a indicação de que 35% das contas do ISIS no Twitter pertencem a sauditas, e que noutros países do Golfo o número também é elevado, é inquietante ao Ocidente e os seus aliados. Tradicionalmente, o fanatismo islâmico procura financiamento nessa zona. Também por lá o ar profissional da operação de propaganda  do ISIS poderá ter efeitos persuasivos. Despertando o mesmo sentido de missão, ainda que a contribuição nesse caso seja feita em dinheiro.
 

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