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TOMADA PODER – Comandante disse que vitória de Lula foi indesejada pelo Exército e infelizmente ocorreu

Comandante disse que vitória de Lula foi indesejada pelo Exército e infelizmente ocorreu

Dias antes de assumir, em janeiro, Tomás Paiva foi gravado em conversa com subordinados no Comando Militar do Sudeste

Cézar Feitoza
Folha de São Paulo
28 Fevereiro 2023
BRASÍLIA

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou a subordinados que a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi “indesejada” pela maioria dos militares, mas “infelizmente” aconteceu.

“Não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade [na eleição]. Infelizmente, foi o resultado que, para a maioria de nós, foi indesejado, mas aconteceu”, disse.

A declaração foi dada a oficiais do Comando Militar do Sudeste, em 18 de janeiro —três dias antes de assumir a chefia do Exército com a demissão do general Júlio César de Arruda.

O áudio foi gravado de forma escondida por um dos presentes e divulgado pelo podcast Roteirices. A Folha teve acesso à gravação, que circula em grupos de militares desde a última semana. Procurado, o Exército não se manifestou.

Na conversa, Tomás disse que era preciso aceitar o resultado das eleições porque não havia nenhum sinal de irregularidade no processo eleitoral. Ele lembrou que as Forças Armadas fiscalizaram o sistema eletrônico de votação e não encontraram falhas.

“A diferença nunca foi tão pequena, mas o cara fala assim: ‘General, teve fraude’. Nós participamos de todo o processo de fiscalização, fizemos relatório, fizemos tudo. Constatou-se fraude? Não. Eu estou falando para vocês, pode acreditar. A gente constatou fraude? Não.”

“Este processo eleitoral que elegeu o atual presidente e que não elegeu o ex-presidente foi o mesmo processo eleitoral que elegeu majoritariamente um Congresso conservador. Elegeu majoritariamente governadores conservadores”, completou.

Tomás conversava com os subordinados após o então comandante do Exército, general Arruda, reunir o Alto Comando do Exército pela primeira vez após os ataques de 8 de janeiro.

Segundo relatos feitos à Folha, Arruda havia ordenado que os comandantes militares repassassem mensagens legalistas às tropas, para a manutenção da hierarquia e disciplina. Tomás aproveitou essa ordem para realizar conversas internas e incentivar o apoio ao governo Lula.

Na conversa gravada, Tomás afirmou que “nós estamos na bolha fardado, militarista, de direita e conservadora” e que era importante reconhecer que “existe outra bolha, e ela não é pequena”.

O comandante dedicou parte do discurso para falar sobre os acampamentos golpistas que se formaram em frente a quartéis do Exército espalhados pelo país.

Segundo Tomás, houve inicialmente uma “orientação generalizada” de não impedir as manifestações golpistas, citando a nota divulgada em novembro pelos comandantes das três Forças que, com recados ao Judiciário, tentava justificar os pedidos de intervenção militar.

“Havia um entendimento do comandante em chefe das Forças Armadas, que era o presidente da República, que não era para mexer [nos acampamentos], que era legítimo. Não teve nenhuma intercorrência, ninguém se manifestou [pelo término dos atos], nem a Justiça, nem o Ministério Público, não teve nada”, disse.

O comandante ainda disse que, na virada do governo, não houve ordem de Lula para a desmobilização dos acampamentos. “E de 1º a 8 [de janeiro], qual foi a ordem recebida para tirar? Nenhuma, não teve ordem. Porque a expectativa era que o movimento ia naturalmente se dissolver. Era de se esperar, e não ocorreu.”

Apesar dos ataques às sedes dos três Poderes, destacados por Tomás como “deploráveis e lamentáveis”, o comandante disse que não há como chamar os bolsonaristas de terroristas.

“É triste também porque a gente deu ferramenta para chamar o cara de terrorista. Que é isso? Não é terrorista. Estão até de sacanagem dizendo que o Mossad, está todo mundo querendo vir aqui para aprender com a Polícia Federal como que prende 1.500 terroristas de uma vez só […] Isso daqui é o seguinte: é vândalo, é maluco, cara que entrou numa espiral de fanatismo e extremismo que não se sustenta”, completou.

Tomás também disse que era “impossível de fazer” uma “intervenção militar com Bolsonaro presidente”, como pediam os bolsonaristas em frente aos quartéis. Segundo o comandante, os efeitos de um golpe militar seriam arrasadores.

“Imagina se a gente tivesse enveredado para uma aventura. A gente não sobreviveria como país. A moeda explodiria, a gente ia levar a um bloqueio econômico jamais visto. Aí sim iria virar um pária e o nosso povo viveria as consequências. Teria sangue na rua. Ou vocês acham que o povo ia ficar parado? Não ia acontecer, cara.”

A apresentação de Tomás possuía uma série de slides com matérias jornalísticas e outras informações. O general leu o conteúdo em voz alta para os subordinados.

O comandante se mostrou irritado com charges e memes feitos sobre a atuação dos militares no processo eleitoral e, principalmente, com o desfile de blindados que a Marinha fez na Esplanada dos Ministérios no dia da votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do voto impresso na Câmara, em 2021.

“A gente fica puto quando vê um negócio desses, fica chateado, ninguém gosta”, disse.

No fim da conversa, de cerca de 50 minutos, Tomás leu notícias sobre os planos do PT de promover uma reforma nas Forças Armadas. O comandante disse que é preciso conter as propostas petistas e preservar o Exército.

“Faz parte da cadeia de comando segurar para que isso não ocorra. Agora fica mais difícil, mas nós vamos segurar, porque o Brasil precisa das Forças Armadas. Da nossa postura, da nossa coesão, da nossa manutenção dos valores, da crença na hierarquia e disciplina, do nosso profissionalismo, depende a força política do comandante e dos comandantes de Força para obstar qualquer tipo de tentativa de querer nos jogar para o enquadramento”, concluiu.


As maiores interferências de Bolsonaro no Exército, segundo comandante da Força

Entre os desmandos, Bolsonaro pretendia fazer uma motociata com militares da AMAN antes das eleições

As maiores interferências de Bolsonaro no Exército, segundo comandante da Força

CartaCapital
 28 Fevereiro 2023

O atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, afirmou que Jair Bolsonaro (PL) interferiu diretamente na Força quando era presidente. A declaração consta em um áudio de uma reunião chefiada pelo militar em 18 de janeiro, quando ainda ocupava o cargo no Comando Militar do Sul.

O encontro com auxiliares, importante registrar, foi gravado sem o consentimento de Ribeiro Paiva. O conteúdo do áudio, que tem em torno de 50 minutos, foi revelado pelo podcast Roteirices na noite desta segunda-feira 27.

As interferências:

No encontro, mostra o podcast, o general diz que Bolsonaro, durante os quatro anos de governo, interferiu diretamente na gestão do Exército e cita, ao menos, três destas ações negativas. A primeira foi a troca de comando constante. Durante o governo do ex-capitão, foram três generais que assumiram o alto posto no Exército, sempre após desgastes políticos causados por Bolsonaro.

“No governo passado tivemos uma coisa pouco usual que foram as três mudanças de comandante de Força. Passamos pelo general [Edson] Pujol, depois o general Paulo Sérgio [Nogueira] e depois o general [Marco Antônio] Freire Gomes. Não deu para completar o tempo de quatro anos, que tinha sido normal em todos os governos. Esse é o contexto que estou mostrando para vocês do que ocorreu”, aponta

A segunda interferência apontada por Ribeiro Paiva durante a reunião é a tentativa de Bolsonaro de organizar uma motociata na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). O ex-capitão, segundo o general, queria que o passeio de moto, típico de sua campanha eleitoral, saísse da sede da academia e fosse acompanhado pelos militares. O plano nunca foi concretizado, diz o comandante, por reação dos generais na ocasião.

“Algumas interferências do governo, direta, na área militar. ‘As novas motociatas do presidente Bolsonaro serão na AMAN’ — isso foi noticiado. Não ocorreu porque os nossos comandantes, nossos generais, conseguiram convencer o [ex-]presidente que não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar”, relatou o atual chefe do Exército.

Ainda na gravação, Ribeiro Paiva cita a troca de local da realização do desfile de 7 de Setembro de 2022 no Rio de Janeiro como outra comprovação da interferência de Bolsonaro no Exército. Na época, o ex-presidente atuou para tirar o desfile do local tradicional – a Avenida Presidente Vargas – e levar para a orla de Copacabana. Ao final, a troca não ocorreu, mas Bolsonaro participou de um ato político na praia, onde defendeu empresários que pediam um golpe militar em caso de vitória de Lula (PT) na eleição que se aproximava.

Por fim, além das interferências, o general critica, ainda, a absolvição de Eduardo Pazuello na apuração interna do Exército após o militar participar de um ato político com Bolsonaro. A atitude vai contra a orientação de atuação dos integrantes da Força, mas foi relevada pelo comando da ocasião. Sobre o tema, Ribeiro Paiva classificou a decisão do seu superior naquela época como inadequada:

“O comandante resolveu entregar o FATD [Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar], o general respondeu e […] o pessoal considerou que a transgressão estava justificada. É muito difícil para um comandante [militar de área] criticar a decisão dele [comandante do Exército]. Eu posso até falar para ele o que eu penso, mas a decisão está tomada”, disse Ribeiro Paiva.

“A gente tem que perdoar o pecador, mas tem que mostrar que o pecado aconteceu. Não pode aceitar o pecado, o erro. O erro aconteceu”, completa então o general.

O Exército, após a revelação do áudio, ainda não comentou o conteúdo da reunião chefiada por Ribeiro. O encontro, importante lembrar, ocorreu apenas três dias antes da demissão de Júlio César de Arruda do comando da Força. Neste mesmo dia da gravação, um discurso público em prol da democracia proferido por Ribeiro Paiva foi apontado como fator determinante para que ele recebesse o aval de Lula para chefiar os fardados.

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