Análise e Reflexões sobre a circunavegação polar com pesquisadores de vários países no Navio Quebra-Gelo “Akademik Tryoshnikov” e a sua passagem pelo porto de Rio Grande.
Carlos César Reis de Oliveira
Licenciado em História
Texto e fotos
Quando foi anunciado que o Brasil estava liderando uma expedição internacional de circunavegação do continente antártico, a notícia logo despertou meu interesse. A iniciativa de pesquisadores brasileiros, de desenvolver estudos na região é anterior ao Programa Antártico Brasileiro. Na época os cientistas “pegavam carona” em expedições de outros países. Graças ao círculo de amizades que possuíam. E ao reconhecimento de sua competência e persistência. Eram ações não oficiais do Estado brasileiro. O que mudou com o surgimento do Programa Antártico Brasileiro.
O segundo fato que atraiu meu interesse, foi a descoberta que a expedição seria realizada a bordo de um navio quebra-gelo de bandeira russa. Navios deste tipo são interessantes, e difíceis de se ver passando pelo porto da cidade de Rio Grande. Após uma pesquisa sobre o assunto, veio à tona o nome do navio, “Akademik Tryoshnikov”. Com o nome se descobre o número de IMO, e com isso foi possível monitorar o seu deslocamento. A data de início da expedição (22/NOV/2024) foi divulgada na matéria inicial. Mas a data da chegada (18/NOV/2024) do navio ao porto de Rio Grande não. Isso só foi possível de se saber quando se passou a monitorar o deslocamento do navio. Faltava ter a confirmação oficial desta data e saber o horário.
A viagem do “Akademik Tryoshnikov” da Rússia ao Brasil foi peculiar nos seguintes fatos:
- 1º O navio manteve seu transponder ligado o tempo todo. Ou seja, ele pode ser visto e monitorado em tempo real, durante todo o seu percurso. Em se tratando de navios de Estado, isso não é o normal. É comum que eles desliguem em certos momentos o transponder. E os liguem quando se encontram próximo a um porto ou local de fluxo intenso de navegação.
- 2º Foi uma viagem direta, sem escalas.
- 3º A data e o horário de atracação foram anunciados oficialmente poucas horas antes do fato ocorrer.
Minha interpretação sobre o motivo pelo qual estes três fatos ocorreram estão relacionados à preocupação russa com a segurança do navio. Um reflexo direto da Guerra da Ucrânia. Onde os navios da marinha russa viraram alvos militares ucraniano. Manter o navio “visível” é um gesto “pacífico”. Algo semelhante ao que os antigos navios de guerra, a vela, faziam ao chegar em um porto estrangeiro. Primeiro descarregavam seus canhões e depois posicionavam parte de sua tripulação nas vergas dos mastros. Mostrando que estavam chegando em paz. No momento em que entravam em algum porto estrangeiro. A passagem deste navio pelas costas dos países europeus, pelo simples fato de ser russo, justifica o seu monitoramento pelas forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Dar visibilidade para a posição do navio, rebaixa a expectativa, a tensão, sobre a sua presença naquela área.
Navio Quebra-Gelo russo “Akademik Tryoshnikov” e a sua passagem pelo porto de Rio Grande. Foto Carlos César Reis de Oliveira
A vinda direta, sem nenhuma escala, é fruto das restrições impostas à Rússia. Que visa pressionar o país a pôr um fim na guerra iniciada contra a Ucrânia. É um isolamento forçado. Que pode resultar em sanções ao país que o descumpre. Uma viagem deste tipo, limita as possibilidades de pontos de apoio logístico. Reduz o exercício da política externa, que todo navio pertencente a um Estado possui, de realizar visita aos demais países.
Por fim, a manutenção de um silêncio sobre a data e a hora da chegada do navio no porto representam a parte mais vulnerável de uma viagem. Navegar em águas restritas. Com limitação no espaço de manobra. Normalmente a uma velocidade mais baixa. Tudo isso torna o navio mais vulnerável a um possível ataque. Esta é uma realidade que preocupa várias marinhas pelo mundo. Não é uma exclusividade da Rússia atual. Há também a possibilidade de protestos. Que podem ser pacíficos ou não.
A navegação do “Akademik Tryoshnikov” foi a uma velocidade constante na casa dos 12 nós. Ela só foi alterada quando o navio se aproximou do farol de Santa Marta, no Estado de Santa Catarina. Quando o navio a reduziu, passou a administrar a navegação visando a aproximação ao porto da cidade de Rio Grande. Chegando no início da manhã de segunda-feira (18/NOV) na área de fundeio. Sempre navegando, sem parar para fundear, o navio recebeu a visita do prático. Responsável pela sua entrada no porto. Em manobra estimada para durar 01:30h.
Com o navio atracado, há uma explosão na divulgação da sua presença. Várias matérias são divulgadas na imprensa (rádio, jornal, televisão e internet). As universidades e centros de pesquisas envolvidos são fontes de informações valiosas. Que possibilitam dimensionar a grandeza e a importância da expedição. Há quem faça referência da expedição como sendo uma ação coordenada no âmbito dos países pertencentes ao grupo de cooperação econômica dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O custo está sendo bancado principalmente pela fundação “Albédo pour la Cryosphère” (97%) , uma instituição identificada como sendo Suíça. Mas que na realidade é Francesa. Envolve a presença de 61 cientistas de sete países (Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia).
A análise que se pode fazer do que foi dito acima, possui alguns fatores distintos:
- Do ponto de vista econômico-financeiro, chama a atenção ser a França, o grande financiador da expedição. Ao mesmo tempo, não há referência de nenhum pesquisador desta fundação ou deste país estar embarcado no navio. A Rússia colaborou com o fornecimento do navio. E por isso deve receber parte do valor. Ao mesmo tempo temos de lembrar que há um embargo econômico-financeiro à Rússia. Como este dinheiro vai ser repassado é uma fato interessante. Não há referência ao aporte econômico da China, uma das maiores economias do mundo, no custo final da expedição. A China é, sem sombra de dúvidas, o país mais rico dos países do BRICS. Vale ressaltar que Índia e China possuem as duas maiores populações do nosso planeta. Gente que depende do clima para poder comer e sobreviver. E não há referência do aporte financeiro de ambos países.
- Do ponto de vista político, dizer que a pesquisa é uma iniciativa dos BRICS me parece uma jogada de “marketing”. Onde se incluem pesquisadores argentinos, chilenos e peruanos no grupo. E com isso se faz uma política de boa vizinhança, ou simplesmente, “soft power”. Também é uma maneira de trazer a Rússia para o protagonismo internacional. Retirando o país do exílio forçado em que se encontra.
- Do ponto de vista científico, para o Brasil, a expedição vai alargar os horizontes dos nossos pesquisadores. Dando uma visão do todo. Levando-os onde eles nunca foram. A nossa escassez de recursos materiais, principalmente navios, e financeiros é o nosso maior limitador. Não há dúvida que isso também será uma realidade para cientistas argentinos e chilenos. O que vai diferir é o grau de importância que cada país vai poder retirar do que for visto na presente viagem. Os reflexos das mudanças climáticas são diferentes para cada um dos países envolvidos. E cada qual deverá focar na sua realidade. No caso brasileiro, onde o setor agrícola possui um peso econômico muito grande. O valor desta pesquisa vai ser fundamental para o planejamento estratégico futuro. Nosso país depende das águas para produzir não só alimentos, mas também energia. A escassez hídrica é um problema social. Isso afeta negativamente a qualidade de vida da população e nossa capacidade industrial. Não existe indústria que não utilize água no seu processo produtivo. Nosso maior desafio será transformar os dados coletados em uma política pública, voltada para o bem público. A capacidade de convencimento, de conscientização, da importância deste tema na classe política é um desafio monumental. Vamos ter de vencer não só a ignorância (o ato de desconhecer um tema), como o negacionismo científico, o bairrismo, e a falta de compreensão do que vem a ser o interesse público.
Retornando à reflexão sobre a passagem do navio “Akademik Tryoshnikov”, quero comentar mais dois aspectos observados.
Ao fotografá-lo na chegada, me chamou a atenção as marcas de choro da ferrugem nas janelas de sua superestrutura. Normalmente um navio quando inicia sua viagem está, não só bem apresentado, como totalmente pronto para a mesma. É apenas um detalhe, mas me chamou a atenção.
O outro fato, diz respeito à partida do navio. Novamente o horário que a mesma iria ocorrer não foi divulgado com antecedência. Poderia ser por uma questão de segurança. Inicialmente foi divulgado que haveria uma cerimônia de partida a bordo. Marcada para às 11:00 da manhã de Sexta-feira (22/NOV). O fato é que a partida foi anunciada para às 20:00. E este horário foi remarcado mais três vezes. Passando paras às 00:00 (meia-noite) de Sábado (23). Depois para à 01:00 e finalmente para às 02:00 da madrugada de Sábado. Para mim, este procedimento não é algo normal. Ele revela que alguma coisa tinha de ser executada antes da partida. Abastecido o navio estava. Seria um problema mecânico, de algum equipamento de telecomunicação, ou de pesquisa? Essa dúvida ficou. Ela é uma certeza. A prova disso é que após ter partido do porto de Rio Grande, o navio desenvolveu velocidade na casa dos 16 nós. Dando a impressão de que estava tentando recuperar o tempo perdido.
Finalizo dizendo, que estou ansioso por esperar o retorno do navio “Akademik Tryoshnikov” ao porto da cidade de Rio Grande. Ela está programada para ocorrer no Sábado (25/JAN/2025).
Navio Quebra-Gelo russo “Akademik Tryoshnikov” partindo tendo ao fundo as luzes da cidade de Rio Grande. Foto Carlos César Reis de Oliveira