Eugênio Moretzsohn – Não acredite sem questionar nas razões que vêm sendo apontadas como as causas da violência no país.

Não acredite sem questionar nas razões que vêm sendo apontadas como as causas da violência no país.


Eugênio Moretzsohn

 
 
Certamente, você já ouviu que a causa central da criminalidade é a falência das políticas públicas, pois, muitos difundem a ideia que a violência é fruto da desigualdade social. Papo de esquerda. Pobreza não é a causa do crime. Pirâmide social não explica o crime. Crise financeira não é desculpa para o aumento da criminalidade, pois, desempregado não é ladrão. Aliás, os principais ladrões do Brasil estavam – e ainda estão – muito bem empregados, obrigado.
    
A maioria das pessoas pobres é de gente para lá de honesta e, pelo que andamos vendo por aí, bem mais que as demais integrantes das camadas economicamente abastadas. Nas favelas, a maior parte dos habitantes é composta por trabalhadores, gente que rala diariamente nas madrugadas dos trens de subúrbio e dorme refém dos criminosos que lá se homiziam. Também, verdade seja dita, são os que mais sofrem com a conhecida truculência policial brasileira, pródiga em não poupar pretos e pobres.
    
Em 1980, com 12 mil homicídios, o PIB per capta do Brasil era de 1.939,79 USD. Em 2016, o PIB per capta do país foi de 8.649,95 USD, e os homicídios ultrapassaram os 60 mil. Em 2016, portanto, o país e sua população eram 4 vezes mais ricos que em 1980, e, mesmo assim, a violência multiplicou-se por 5.
    
Outro exemplo: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o ganho dos trabalhadores da região Nordeste – a mais violenta do Brasil – aumentou 221,8% entre 2001 e 2014 (enquanto o aumento médio no Brasil foi de 189,2%). E a violência? Nos últimos 10 anos, o número de homicídios no Nordeste cresceu 58%, saltando de 15.706, em 2007, para 24.825, em 2016. Há alguma lógica perversa nisso?
    
Portanto, há uma questão não respondida por muitos analistas de segurança: quais as reais causas da insana e ascendente violência no Brasil?
    
Aposte comigo nas seguintes (não estão em ordem hierárquica):
    
Razões de estado:

•             Impunidade: o Brasil é o país da “Lei de Gerson” (o importante é levar vantagem em tudo, certo?), infeliz frase ventilada durante um comercial da marca de cigarros Vila Rica, em 1976, tendo como protagonista o craque da seleção brasileira Gerson, fumante inveterado. O cidadão rico, então, está liberado para transgredir. Quer um exemplo? Veja o filho do Eike, aquele mimadinho que de super-herói só tem o nome e que atropelou e matou um ajudante de caminhoneiro que trafegava de bicicleta na Rodovia Washington Luís, na Baixada Fluminense, em 2012, não com seu martelo invencível, mas, com uma Mercedes McLaren a 135 km/h, segundo a perícia afirmou. Não quero correr o risco das perigosas generalizações – não é porque a vítima é pobre e trabalhadora e o atropelador é riquinho e bobo, que a razão estará, necessariamente, com o primeiro. Mas, neste caso, prevaleceu as capacidades de defesa e de negociação do mais rico, o qual, apesar de ter, à época, 9 multas por excesso de velocidade, está livre, leve, solto e ainda voando baixo.

•             Equívoco histórico na forma de o estado lidar com o consumo de drogas ilícitas por parte dos maus cidadãos usuários, os quais, em síntese, são sócios do tráfico: o estado resume-se a prendê-los (quando o faz) e pronto. Daí o preso se alia à facção dominante, para ter alguma chance de sobreviver na prisão, e o resultado é o que estamos vendo. Enquanto a polícia continuar a prender o maconheiro da esquina, sem se preocupar em mantê-lo sob discreta vigilância até chegar duas camadas acima, as cadeias continuarão como estão e os juízes continuarão soltando. Não tenho a palavra mágica para a questão das drogas ilícitas, mas, tenho certeza de que a situação não poderá continuar como está, pois, a repressão ao tráfico está causando mais mortes violentas que o consumo delas em si. E creio ser o álcool problema mais grave, do ponto de vista da saúde pública, que as drogas ilícitas, exceto o crack que merece atenção diferenciada. Existe, ainda, um surdo interesse em manter a rotina das operações nessa conhecida sequência de apreensões, ilustradas por imagens na TV e jornais, com os brasões das corporações ao centro, seguidas de declarações de que “não fazemos mais por falta de efetivo e viaturas”: é a lógica da distribuição de verbas públicas – afinal, se não há um inimigo a combater, que tal encomendarmos um?

•             Corrupção endêmica nos tecidos estatal e privado: não justifica de forma alguma, mas, com os péssimos exemplos vindos da camada dirigente e seus apaniguados não é de se esperar que uma população iletrada como a nossa fosse se comportar de maneira diferente. Além do perverso efeito deseducador, a corrupção mina os já minguados recursos destinados à segurança pública e às demais políticas, causando, ainda, sentimento de desesperança na população. Apesar das muitas denúncias que pipocam nos noticiários diariamente e das constantes operações policiais, ainda há muita corrupção no baixo clero dos governos estaduais e municipais. Tem muita gente roubando, mesmo com a Lava Jato a todo o vapor. Se houvesse recompensa em dinheiro para quem denunciasse corrupção no setor público, com garantia de anonimato total, faltariam policiais para investigar. Outra medida interessante seria anistia para os já envolvidos – em determinados crimes, não todos – que denunciassem seus comparsas. Muitas sardinhas que já fazem parte de esquemas teriam rara oportunidade de arrependimento e de acertar suas vidas com a lei, e a polícia chegaria, assim, aos tubarões.

•             Baixos índices de resolubilidade nas investigações: impressiona a ineficiência de nossa polícia judiciária (somente 6% dos homicídios dolosos – com intenção de matar – são solucionados no país, média que nos envergonha); convenhamos, assim fica difícil dar cabo de alguma coisa. O crime, claro, aposta na ineficiência policial e parte importante na real sensação de impunidade que tanto contribui para elevar a sensação de insegurança da população deve-se a isso. A polícia não investiga os delitos de menor poder ofensivo, alegando não ter efetivos, e esse é o papo de sempre. Agora, se o cidadão der a sorte de residir no mesmo condomínio do filho de um deputado, pode estar certo que haverá interesse em saber quem arrombou o bicicletário do prédio. A sabida ineficiência nas respostas do estado em quase todas as áreas, dentre elas saúde, saneamento e educação, gerando regiões urbanas inteiras desassistidas, confusas, imundas, repletas de doentes, degradadas ambientalmente, corroborando para o abandono e a falência geral, boa parte disso por incompetência pura e simples em práticas mínimas de gestão, favorece a proliferação de atos delituosos. Isso é facilmente explicado pela “Teoria das Janelas Quebradas”, publicada nos EUA em 1982, a qual se fundamentava no experimento de deixar dois automóveis idênticos em bairros diferentes, sendo um deles com o capô aberto, sem placas e com vidros quebrados, e, o outro, em ótimo estados de conservação e de apresentação. O primeiro foi quase desmontado por vândalos, e, o segundo, permaneceu inalterado por semanas, até que um dos pesquisadores, deliberadamente, quebrou algumas de suas janelas, resultando, também, em sua vandalização. Os pesquisadores entenderam que há semelhança entre a experiência e o que ocorre com a criminalidade na vida real – quando não há resposta do estado aos pequenos delitos e aos de menor potencialidade, o ambiente de impunidade atrairá outros delitos. Observaram, ainda, que a diferença social entre os bairros não era razão principal para as ações de vandalismo e, sim, o fato de o bem em questão indicar sinais de abandono, o que funcionava como um chamamento aos vândalos.

•             Masmorras dominadas por facções, que contam com a conhecida corrupção de parte dos integrantes do sistema prisional. Ou você acha que tem outra explicação o fato de os celulares terem suas baterias recarregadas nos presídios? O celular ingressar na cadeia pode ser atribuída às carências de sempre em tecnologia de scanners, (favorecendo o ingresso clandestino dentro do corpo das visitantes mulheres e também no interior de alimentos e insumos), à crônica falta de pessoal, às dificílimas condições de trabalho dos monitores e agentes prisionais, às construções antigas e próximas às ruas (o que favorece o arremesso a partir do lado de fora). Portanto, o fato de um condenado ter acesso a um celular não significa, necessariamente, que há corrupção entre os servidores daquele presídio; mas, e a recarga da bateria em celas que não deveriam sequer ter tomadas elétricas, quem faz? Portanto, não há segredo: quer reduzir a utilização de celulares em presídios? Retire as tomadas dos corredores e aquelas que, indevidamente, ainda estão nas celas. E, claro, monitore cerrada e continuadamente os servidores e terceiros que tenham acesso ao local. Por ausência de recarga, os celulares serão inúteis. Simples assim. Alguém pode perguntar: “mas, e os presos que, como parte da política de ressocialização, têm acesso à TV? Como ligar a TV sem a tomada? Além disso, e os lugares muito quentes? Os presos terão de dormir em saunas?”. Boas perguntas. Concordo que o acesso à informação tecnicamente controlada e de cunho educativo pode fazer grande diferença na questão da ressocialização, pois, a TV, quando quer, é instrutiva. E eu, que, particularmente, detesto o calor, até sou solidário na questão da “sauna”; quando observamos com atenção um ventilador de teto instalado dentro das normas da ABNT, verificamos que a fiação é totalmente interna, não é? Por isso, TV para os que merecerem e ventiladores para todos deverão ser instalados dentro de normas de segurança, sem pontos de energia expostos. E fiscalização diária nas celas, inopinadas. Onde está a supervisão, afinal?  Dormindo? Enquanto a questão prisional não for abraçada de forma multidisciplinar, priorizando o trabalho, a formação educacional e espiritual dos apenados e o suporte às famílias deles, as facções criminosas continuarão engrossando suas fileiras. Está comprovado que, nas unidades prisionais onde funcionam oficinas industrias, por exemplo, e onde as pastorais carcerárias são atuantes, a adesão às facções encontra maior resistência.

•             A leniência jurídica e a cultura disseminada de tolerância ao erro: bem de acordo com a teoria de Gramsci, é assim mesmo que você destrói as sociedades conservadoras – comece perdoando as pequenas falhas, pois, em breve estará perdoando todas. Há juízes que hesitam e alguns até que temem punir. Muitos foram formados em escolas de esquerda, nas quais se ensina que o capital é opressor e que o mais frágil é sempre o indefeso cidadão. Tanto é verdade que, quando surge um Odilon de Oliveira, um Moro ou um Bretas na vida, vira logo celebridade. Mas, infelizmente, são exceções. A regra é o magistrado considerar melhor soltar o bandido que deixá-lo confinado num chiqueiro, e, assim, o cachorro continuará correndo atrás do rabo e, nas horas vagas, mordendo o cidadão de bem que perde a confiança nas autoridades.
    
Razões socioculturais:

•             Baixos índices educacionais da população, o que se reflete na escolha de seus péssimos representantes. Esses mesmos índices vergonhosos de educação formal resultam em toda a sorte de subempregos, favorecimentos espúrios por alguns trocados a mais e apatia cultural. Atraso, enfim. Bom exemplo da falta que faz o estudo é a questão prisional. É sabido que as penitenciárias com projetos sólidos de ressocialização baseados em estudo, trabalho e religião conseguem resultados importantes no caminho da recuperação de parte dos apenados e sua inserção no mercado de trabalho na vida após as grades. E essa parece ser, inclusive, importante via para o enfraquecimento das fações, pois, elas se fortalecem justamente pela ausência de perspectiva para os presos e pela desassistência de suas famílias, que passam a ser cobertas pelo assistencialismo dos “irmãos melhor estruturados”, assim que o detento faz a escolha por uma das organizações criminosas.

•             Pais e familiares omissos na educação dos jovens: esta eu modestamente entendo como a razão mais determinante. Casado com veterana e competente professora do ensino médio, somos testemunhas da degradação do nível educacional da maioria dos alunos. Educação familiar, frise-se, aquela que vem de pai e de mãe. Não mexer nas coisas dos outros, respeitar os mais velhos, devolver o brinquedo do amiguinho, obedecer aos bons e velhos "limites". Os alunos de hoje, em geral, são desrespeitosos, malcriados e arrogantes (e nas escolas particulares o quadro não é melhor, sabiam?). A parte boa ainda está preservada e sempre existirá – serão os líderes de amanhã. Entretanto, a quantidade de marginaizinhos já é assustadora e está aumentando. Os pais, quando estão juntos, atribuem à escola a missão de educar as criaturas (quando não delegam isso ao Serviço Militar). Na falta de tempo para as crianças, enchem-nas de presentes e doces, gerando jovens inseguros, desobedientes e….obesos. Quando os pais são separados, a criança é deixada sob os cuidados das creches, de parentes ou vizinhos e fica lá, empinando pipa em laje. É crônica de uma morte anunciada, como já nos dizia Gabriel Garcia Marques – e que ocorrerá até os 27 anos, pois, esta é a expectativa de vida dos envolvidos com o tráfico.

•             A disseminação do comportamento vadio e da cultura da desobediência: incrível como a população brasileira se identifica com a “chinelagem” e cultua cantores medíocres e suas músicas chulas, que empobrecem nossa rica música popular, mas, que trazem inexplicável audiência a programas populares de péssimo gabarito. Sem falar no Big Brother e demais novelas de prostituição explícita dos valores mais afetos às famílias tradicionais. Meninas jovens, principalmente, se comportam em público de forma leviana, sexualizada, sem pudores, pulando etapas e antecipando as experiências de sexo e álcool de vidas adultas promíscuas. O caro leitor não se iluda: meninas de 16 anos hoje raramente são virgens, já bebem todas nas baladinhas e muitas experimentaram maconha. E – para piorar – adoram os bandidos, os traficantes e os cafajestes. Delegadas de polícia se vestem qual garotas de programa na "night" e esperam, em troca, respeito pela função. Policiais civis e militares se exibem em fotos e filmes eróticos aos montes, em sites do padrão "caiu na net", trajando peças de uniformes de suas corporações como se não fossem sagradas, e continuam na profissão, pois não há um mafrudo para mandar embora um péssimo exemplo desses, porque um juizinho que passou a faculdade colando, fazendo militância do lado errado do ativismo ideológico e fumando maconha, irá reintegrar a criatura em primeira instância.

Razões individuais:

•             Não adianta tentar atribuir a responsabilidade total a terceiros: ao fim e ao cabo, a escolha na hora H é do indivíduo. Ele tem 10 anos e está com uma arma na mão; pode ter sido criado em meio à violência, sem pai e mãe, e ter sofrido abusos de toda a sorte. Porém, antes de puxar o gatilho, ele faz uma escolha. E é por essa razão que a questão da maioridade penal precisa ser rediscutida. O criminoso não deve ser julgado pela idade que tem, mas, sim, pelo crime que cometeu.  Concordo que uma criança cumpra a pena em separado dos demais presos. Concordo que tenha maior atenção do estado. E sugiro até uma fórmula de redução da penalidade, proporcional à tenra idade, porém não maior que 20%.  Mas, que os menores infratores precisam ser julgados como o são os adultos, isso precisa.  Afinal, a escolha foi deles.

•             Questões de índole: a quantidade de pessoas envolvidas com o crime no Brasil, especialmente adolescentes e jovens, pode ser parcialmente explicada por razões que a biologia e a psicologia teriam muito a nos dizer. Se o ambiente é determinante na construção do sujeito, o que explicaria sua agressividade a partir da violência doméstica, por exemplo, as políticas públicas seriam, realmente, imprescindíveis para a edificação de ambientes de paz para as gerações vindouras. Porém, não só o meio justifica o Homem, e apesar dos analistas insistirem na tese que é necessário investir nas políticas sociais para modificar o meio, insisto que somente a educação intensiva e disciplinadora modifica o Homem – mas, ao mesmo tempo, reconheço que, infelizmente, os que já provaram o gosto do sangue, os que já se sentiram emponderados por portarem um Kalashnikov nas vielas,  necessitariam de atenção norueguesa para serem ressocializados; como não a terão, a solução é abatê-los em combate, com regras de engajamento para lá de flexíveis. É, amigo, não há como fazer omeletes sem quebrar os ovos. 
    
Obrigado por sua leitura. Que Deus nos ajude.

Eugênio Moretzsohn
Analista de Segurança
 
Fontes:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/04/com-explosao-de-mortes-estados-do-ne-se-revezam-entre-lideres-de-assassinato-do-pais.htm
https://www.google.com.br/search?q=pib+per+capta+do+barsil+em+2016&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b-ab&gws_rd=cr&dcr=0&ei=zGiYWsb7BpLzzgLf_pH4Bw
http://www.observatoriosocial.org.br/?q=noticia/renda-na-regiao-nordeste-aumenta-mais-que-media-nacional
https://mundoestranho.abril.com.br/curiosidades/qual-a-porcentagem-de-crimes-solucionados-pela-policia-no-brasil/
https://jus.com.br/artigos/36275/teoria-das-janelas-quebradas-na-criminologia

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