André Portalis – ICN projeta novas oportunidades a partir de entregas do PROSUB

ICN projeta novas oportunidades a partir de entregas do PROSUB

 

Danilo Oliveira

Portos & Navios

09 Novembro 2021

 

Para próximos dois anos, ICN pretende focar na consolidação da absorção de tecnologia, na entrega dos submarinos convencionais e nas demandas iniciais do modelo de propulsão nuclear, além dos primeiros serviços de manutenção das novas unidades.

A Itaguaí Construções Navais (ICN) traça um horizonte de novas perspectivas a partir da entrega da primeira das quatro unidades de propulsão convencionais do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB). A expectativa é que o submarino Riachuelo seja entregue até o final deste ano e que as demais unidades sejam entregues uma por ano, entre 2023 e 2025. A ICN espera contribuir com manutenções e gestão do ciclo de vida das novas unidades, bem como os submarinos que já compõem a esquadra da Marinha do Brasil.

Para os próximos dois anos, ICN pretende focar na consolidação da absorção de tecnologia, na entrega dos submarinos convencionais e nas demandas iniciais do modelo de propulsão nuclear, além dos primeiros serviços de manutenção das novas unidades. “Temos uma curva de produtividade e crescimento da nossa eficácia para entregar as três demais unidades. Vamos atingir um bom nível de produtividade e eficácia na finalização do submarino 4”, projetou o diretor-presidente da ICN, André Portalis, em entrevista exclusiva à Portos & Navios.

 

André Portalis Diretor-Presidente da ICN Foto Danilo Oliveira

Ele explicou que há espaço para fazer navios de superfície, porém depende de uma lógica de política industrial e de parceria entre a ICN e a Marinha. Outras vertentes se abrirão a partir da construção do submarino de propulsão nuclear, que faz parte do PROSUB. Segundo Portalis, a unidade de propulsão nuclear e a manutenção dos submarinos convencionais vão agregar uma série de serviços associados no complexo. “Pouco a pouco o submarino de propulsão nuclear, que eleva a segurança, gestão de combustível e muitas questões que vão criar novidades de negócios para ICN e para empresas associadas ao negócio”, acredita Portalis.

Confira abaixo a entrevista com André Portalis, diretor-presidente da ICN:

Portos & Navios: Qual o balanço que se pode fazer das principais evoluções e conquistas já alcançadas pela ICN no PROSUB?

André Portalis: A ICN, que está intimamente vinculada ao complexo naval de Itaguaí, foi criada há cerca de 12 anos. O foco principal dessas realizações foi de recriar uma estrutura que permita receber a tecnologia de construção de submarinos. Estamos chegando à finalização do primeiro (S40 — Riachuelo) este ano. O grande resultado desses 12 anos foi a absorção da tecnologia, que se manifesta bem no submarino Riachuelo. Significa que conseguimos criar nesse espaço industrial uma empresa que conseguiu absorver esse know how, assimilar, desenvolver e finalizar um navio que funciona e tem performance. Isso é um trabalho com alto nível de qualidade, segurança e de tecnologia.

O segundo foco é a capacidade de cumprir. Nesses dois anos, nosso negócio sofreu bastante com Covid-19, porque temos que trabalhar em espaço confinado (em submarinos). Somos vinculados com orçamentos públicos. Tudo isso deu grande complexidade. Precisamos de intercâmbio de pessoas com a França. O período da Covid teve inúmeras dificuldades que foram superadas.

 

A experiência de liderar essa empresa é marcante porque descobri pessoas com motivação e grande capacidade de aprender e de fazer inovação. Trabalhei em várias transferências de tecnologia, com vários países e posso assegurar que a vontade das equipes brasileiras para absorver essa tecnologia e fazer dela tecnologia brasileira é um grande resultado.

P&N: O quanto essa experiência ajuda a melhorar os processos e impacta o andamento das próximas unidades?

AP: O Riachuelo é o primeiro da classe (no Brasil). Não é o primeiro contrato do Scorpène no mundo. A França já vendeu esse tipo de submarino. A arquitetura geral já existia, mas essa definição do navio foi bastante remanejada para atender às necessidades da Marinha do Brasil. É um submarino com muitas novidades, em comparação aos mesmos submarinos que estão, por exemplo, no Chile.

 

Com essa experiência, se pode utilizar todas as lições aprendidas, eficácia, produtividade e agilidade para evitar qualquer problema de funcionamento e montagem. Todos esses fatores são otimizados para a realização das unidades 2, 3 e 4. Temos uma curva de produtividade e crescimento da nossa eficácia para entregar as três demais unidades. Vamos atingir um bom nível de produtividade e eficácia na finalização do submarino 4.

 

P&N: No complexo, a ICN conta com uma integração logística para integração das seções. Ela vem sendo melhorada ao longo do processo?

AP: Tudo foi melhorado e focado na construção dos submarinos convencionais. Isso definiu o embasamento de uma parceria que pode se desenvolver mais longe com a Nuclep e empresas participantes do processo. O funcionamento da ICN dentro do complexo de Itaguaí está abrindo o desenvolvimento dessa dinâmica. Vai depender das outras atividades que vamos realizar além da construção dos quatro submarinos convencionais.

 

P&N: A ICN continua a desenvolver formas para diversificar suas atividades? Quais as principais frentes vislumbradas para o complexo naval de Itaguaí, além da construção dos submarinos?

AP: A primeira frente é o submarino de propulsão nuclear. Já é outro patamar e será o que dará embasamento à empresa e a todas as parcerias. Com certeza, vai precisar primeiro construí-lo, o que, no final das contas, significa mantê-lo. Já com a construção do submarino de propulsão nuclear no complexo de Itaguaí, quando chegar o combustível e quando se organizar a vida do submarino, necessariamente vai abrir outras vertentes.

 

Além da construção do submarino nuclear, teremos ao lado a base naval de submarinos e toda a atividade de manutenção. A manutenção dos submarinos pode ser estendida à manutenção dos submarinos atuais — de projeto alemão no início, mas que a Marinha já controla bem — também abrem possibilidades em torno do complexo naval de Itaguaí. Não é só uma construção de submarino pela ICN. Tem a propulsão nuclear, manutenção dos submarinos convencionais e uma série de serviços associados a essa vida de uma base naval de 4, 5 ou 6 — dependendo dos submarinos atuais que vão vir. Será toda uma dinâmica de tecnologia. Em paralelo, pouco a pouco o submarino de propulsão nuclear, que eleva a segurança, gestão de combustível e muitas questões que vão criar novidades de negócios para ICN e para empresas associadas ao negócio.

 

Para a ICN, essa contribuição do submarino nuclear abre outras atividades associadas, por exemplo à montagem do protótipo do reator nuclear localizado em Sorocaba (SP). A Marinha está solicitando empresas para colaborar e a ICN um dia vai montar o reator dentro do submarino. Será muito interessante montar o protótipo em terra. A atividade de montagem, protótipo de sistemas e planta nuclear são sistemas industriais complexos interessantes associados ao submarino de propulsão nuclear. Haverá o protótipo de toda propulsão do navio.

 

P&N: Virão então novas interfaces para a ICN interagir?

AP: Um dia [o reator] chegará aqui. Será preciso organizar a manutenção de todo esse sistema de propulsão nuclear e do sistema da planta. Tudo isso cria uma dinâmica de competências de alto nível de tecnologia, segurança e de trabalhar parcialmente com produtos com tecnologia nuclear.

 

P&N: Como é a expertise da Naval Group nesse modelo de propulsão nuclear de submarinos, tecnologia dominada por poucos países?

AP: Quem detém essa tecnologia de submarinos de propulsão nuclear são basicamente cinco países: EUA, China, Rússia, França e os ingleses— que têm tecnologia americana, mas são autônomos. No futuro, entrará o sexto país que é o Brasil. Essa tecnologia é desenvolvida pelo Brasil mesmo, não faz parte da parceria com a França. Mas, como a empresa brasileira, a ICN pode contribuir com a montagem do reator, por exemplo. E participar de todas as operações de alta segurança da propulsão nuclear.

 

O Brasil entrará nessa família de países que têm essa capacidade de realizar e sobretudo de manter esses sistemas. No início, [o submarino] será construído como os convencionais, exceto a planta nuclear. Seguirá num local particular especializado que será criado para a parte da planta nuclear, constituindo novas frentes de atuação.

 

Submarino S-40 Riachuelo em testes de mar Foto ICN

P&N: Como está o cronograma das próximas unidades convencionais e como ficou o de propulsão nuclear?

AP: Para os convencionais, vamos entregar a primeira unidade, no final deste ano ou no início de 2022, e depois vamos entregar um submarino por ano. Os outros vão sair [respectivamente] no início de 2023, de 2024 e de 2025. O submarino de propulsão nuclear vai começar com a construção do casco resistente. Estamos negociando contrato para fazer o casco resistente. De agora até 2025, vamos terminar com os convencionais e começar o submarino de propulsão nuclear, focado na primeira parte que é o casco. Em paralelo, está sendo desenvolvido o protótipo da planta nuclear, mas esse processo é liderado pela Marinha.

 

P&N: O casco do submarino de propulsão nuclear será muito diferente dos convencionais?

AP: É muito maior, mas com peças mais complicadas.

 

P&N: Como a ICN vem olhando para as oportunidades de construção de navios de superfície? Seria depois do projeto nuclear ou poderia ser tocado paralelamente? Quais projetos estão no radar?

AP: A capacidade do complexo naval de Itaguaí é muito grande. É totalmente possível de fazer, utilizando plena capacidade industrial, outras atividades. Poderiam ser submarinos convencionais para outros países (exportação), poderiam ser navios de superfície. A ICN faz sistemas de alto nível de tecnologia. Um navio de superfície pode ser de alta tecnologia, mas se afasta da competência da ICN, que é entregar sistemas complexos. Quanto mais nos afastamos de navios complexos, mas o negócio se afasta da ICN.

 

Há espaço para fazer navios de superfície, mas isso deveria entrar em uma lógica de política industrial e de parceria entre a ICN e a Marinha. Hoje esse tipo de estratégia não foi ainda definida. Uma potencialidade, mas agora não é um ponto que pode completamente se desenvolver.

 

P&N: A ICN chegou a participar da concorrência do navio polar…

AP: É um bom exemplo de participação. Não foi inserido dentro de uma visão estratégica completa e, como foi divulgado, foi escolhida uma empresa de Cingapura [Sembcorp Marine]. Nesse tipo de competição, seria preciso pensar dentro de uma estratégia de parceria industrial de longo prazo entre ICN e Marinha. A competitividade da ICN é de uma empresa que faz sistemas como para o submarino de propulsão nuclear. Competir com estaleiros [asiáticos] é outro mundo. O estaleiro de Itaguaí é gigante, com grande custo de manutenção. A questão da política industrial não foi considerada como critério. Não tem problema, mas nesse tipo de competição foi mostrado que é bem difícil ter o resultado positivo. Dentro de uma visão de política industrial costurada com a Marinha, com sistemas de navios complexos, ficaria uma possibilidade.

 

P&N: Olhando para outras marinhas, como de países da América do Sul, há potenciais projetos interessantes para vocês?

AP: São projetos interessantes para nós. Só que a ICN é um construtor, não vai ao mercado internacional para vender submarinos. Esse tipo de parceria para fazer submarinos internacionais para outras marinhas se enxerga dentro de uma parceria com a Naval Group, que entrega a tecnologia. Se a Marinha quiser abraçar, há espaço para realizar atividades industriais na ICN para construir completamente ou parte dos submarinos destinados a uma marinha internacional. Mas seria dentro de uma parceria com Naval Group e ICN mais à frente. Seria interessante porque utilizaria muito bem os meios industriais que foram investidos. Isso passa por parcerias com a Marinha do Brasil e a Naval Group. Neste momento, a ICN pode participar e oferecer prestações competitivas em todas essas realizações de construção de submarinos convencionais.

 

Existem quatro marinhas que possuem o Scorpène: Índia, Malásia, Chile e Brasil. Existem países na América do Sul que estariam interessados em receber da Naval Group novos submarinos, que poderiam ser construídos aqui [Brasil], numa parceria industrial, também com parceiros de outros países e depois para manutenção.

 

P&N: Essas Marinhas interagem com a ICN?

AP: É uma possibilidade. A liderança pertence à Naval Group e à Marinha do Brasil. Essas discussões ainda não chegaram ao nível da ICN.

 

P&N: Na visão da ICN, qual importância do desenvolvimento de uma política e de uma base industrial de defesa para o país?

AP: É uma questão estratégica do Brasil. O Brasil pode decidir comprar no mercado os meios disponíveis. Para consolidar a capacidade e soberania industrial brasileira, é necessário construir uma política industrial de defesa. A questão é saber se o Brasil quer construir uma soberania de defesa brasileira no setor naval. Se o Brasil confirmar isso, vai precisar construir esse tipo de política.

 

O Brasil iniciou essa movimentação criando a ICN e nos próximos anos será um desafio promover e de instalar um tipo de relacionamento com empresas como a ICN. Pode ser o protagonismo de um polo industrial da defesa na construção naval brasileira. É uma decisão do Brasil e da Marinha. França, EUA e todos os países com submarino de propulsão nuclear têm essa visão. Não será possível o Brasil desenvolver e fazer permanecer uma força de submarino de propulsão nuclear sem instalar esse relacionamento.

 

A primeira pedra foi definida criando a ICN. Agora devemos posicionar outras pedras para dar consistência a várias possibilidades que falamos. Puxando essas visões é possível. A ICN poderia ser protagonista, mas é questão de decisão de governo e de longo prazo.

 

P&N: Enquanto tudo isso se desenvolve, quais os próximos desafios para a ICN continuar a crescer?

AP: Abraçamos visões grandes de longo prazo. Para a ICN, hoje ou ano que vem, nosso foco é continuar o que fizemos. Nossa grande prioridade é entregar o Riachuelo. A segunda grande prioridade é entregar os três seguintes com produtividade e eficácia. Depois, iniciar essas duas linhas que são o submarino de propulsão nuclear e a manutenção. Vamos começar com um contrato de parte do casco resistente, um contrato de montagem do reator e temos um contrato em discussão para iniciar a manutenção do Riachuelo. Nos próximos dois anos, o foco maior da ICN é consolidar a absorção de tecnologia, entregar submarinos convencionais e abrir o SN-BR (propulsão nuclear) com essa vertente e a manutenção dos convencionais. O restante fica a trabalho de longo prazo.

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