Uma nova visão das informações compartilhadas no Cone Sul

O Comando de Operações Navais é a organização da Marinha do Brasil (MB) voltada para o emprego do Poder Naval em sua plenitude. Conta com 63 por cento dos homens e mulheres desta Força, número impressionante, considerando-se que os demais setores da MB encarregam-se de todas as outras áreas da Força Naval brasileira como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologia nuclear, e entre suas funções, tem-se o apoio às Forças de Segurança Pública no combate ao narcotráfico.

Em julho de 2010, o Comandante da Marinha do Brasil, Almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto, disse à Diálogo que apesar de a região não ter algo parecido com a JIATF-S (Força Tarefa Conjunta Interagentes Sul, localizada em Key West, na Flórida, e que é especializada no combate transregional ao comércio ilegal de drogas), o Brasil está trabalhando junto à Polícia Federal para estabelecer um comando regional com este e outros organismos internacionais para que haja uma troca de informações, o que é indispensável no combate ao narcotráfico, segundo o almirante.

Para ele, o importante é receber informações e denúncias. Um ano depois, Diálogo voltou ao Rio de Janeiro para entrevistar o Subchefe de Inteligência Operacional do Comando de Operações Navais, Contra-Almirante Almir Garnier Santos, e retomar este tema.

Diálogo: O senhor concorda com o Almirante-de-Esquadra Moura Neto quanto à importância da troca de informações entre as várias agências relacionadas ao combate ao narcotráfico na região, assim como faz a JIATF-S?

Contra-Almirante Almir Garnier Santos: Sim, a troca de informações é fundamental, considerando que esta tarefa envolve outros setores além da Marinha do Brasil e do Ministério da Defesa. Nos últimos anos tem havido demandas da sociedade para que as Forças Armadas brasileiras apoiem os órgãos de Segurança Pública no combate ao narcotráfico. O Governo Federal tem determinado às Forças Armadas, sempre através do Ministério da Defesa, que participem, em apoio às Forças de Segurança. E para isso um organismo nos moldes da JIATF-S facilita a coordenação e a troca de informações.

Diálogo: Como o senhor crê que isso seria possível?

C Alte Garnier: Já existe uma iniciativa, da Presidência da República, do Ministério da Defesa em conjunto com o Ministério da Justiça, que conduz à integração dos órgãos de Segurança Pública e das Forças Armadas, para efetuar, conjuntamente, o combate ao crime em geral, e em particular ao narcotráfico. Essa, digamos, é uma visão nova. Não que as Forças Armadas não se envolvessem nisso antes, mas hoje há uma percepção maior desta necessidade, desta importância.

Estamos, no momento, realizando operações em fronteiras, a MB está participando também no comando do 9º Distrito Naval, em Manaus, com as outras Forças Armadas e órgãos de Segurança Pública, próximo à fronteira, estabelecendo acordos com países vizinhos. Nesse contexto, podem-se conjugar os conhecimentos, as especialidades, as áreas de competência e a jurisdição de todos esses órgãos num local propício à troca de informações, facilitando a tomada de decisão e a manutenção de um quadro tático consistente, mais claro, para otimizar o emprego dos recursos. Então, a MB está comprometida com esse propósito e tem um acordo de cooperação já firmado com a JIATF-S.

Diálogo: Pode falar um pouco mais sobre este acordo?

C Alte Garnier: Este acordo é dividido, basicamente, em quatro fases: troca de conhecimentos; troca de técnicas, táticas e procedimentos; identificação de mecanismos de troca de informações e também a realização de operações combinadas com outras marinhas; e a implantação de um centro de coordenação interagentes.

Diálogo: E este centro seria uma espécie de JIATF-S para a América do Sul?

C Alte Garnier: Pode-se dizer que sim, com relação ao Brasil. No momento há um acordo de cooperação, sendo implantado, da MB com a JIATF-S. Nós não vamos deixar de ser Força Armada, a MB não vai virar uma força de segurança policial, porque é uma marinha que tem o papel de preservar os interesses do Estado brasileiro na Amazônia Azul, no Atlântico Sul como um todo e, também, em locais mais afastados como, por exemplo, o Haiti ou o Líbano em função das operações de paz, sob a égide da ONU.

No Haiti temos um contingente de Fuzileiros Navais (MINUSTAH) e no Líbano, além do comandante da Força Tarefa Marítima (MTF-UNIFIL), temos a Fragata União. A MB tem responsabilidades em uma área marítima equivalente à metade do território brasileiro, além de uma área maior ainda para a salvaguarda da vida humana no mar (SAR – Search and Rescue). Então, a MB precisa estar presente com meios adequados a este trabalho, mas ela também não pode fechar os olhos a este mal que corrói a sociedade hoje que é o narcotráfico, e nosso Comandante [da Marinha do Brasil] está comprometido com isso.

Diálogo: O que acontece se a MB tem de agir em uma região que não seja de fronteira?

C Alte Garnier: Se nós precisarmos combater o narcotráfico em uma região portuária, por exemplo, precisamos ter o apoio da Receita Federal, da Polícia Federal etc. A Força Aérea Brasileira apóia com aeronaves de patrulha marítima de longo alcance. Todas essas organizações e seus recursos têm de ser agregados e coordenados; e a melhor maneira de trabalhar em conjunto é um órgão interagentes, como a JIATF-S.

Diálogo: Há uma troca efetiva de informações e tecnologias quando há ações conjuntas entre o Brasil e outros países da região?

C Alte Garnier: Existe essa troca, mas é um processo que exige confiança mútua. E confiança é algo que se adquire lentamente, como em casamentos.

Diálogo: Mas e os “casamentos mais antigos”?

C Alte Garnier: Com a Marinha dos EUA o Brasil opera há muitas décadas. Só na UNITAS são 53 anos. Com os norte-americanos há transferência de tecnologia, intercâmbio de procedimentos etc., e este mesmo modelo o Brasil, de certa forma, busca reproduzir com outros países também. A sorte é que entre marinhas é mais fácil, porque todas operam no mesmo ambiente.

Diálogo: Mas há a amplitude das fronteiras…

C Alte Garnier: Correto. Mas as características são semelhantes. As dificuldades e, ao mesmo tempo, as facilidades que existem no mar são comuns a todas as marinhas. Já em terra não é a mesma coisa. Existem países que são especialistas em operações no deserto, outros são especialistas em operações de selva, e assim por diante.

Diálogo: Quais são as novas rotas do narcotráfico atualmente na região?

C Alte Garnier: No Brasil houve uma mudança substancial nas rotas do narcotráfico depois da implementação da chamada Lei do Abate. Muitas rotas aéreas se transformaram, então, em rotas terrestres ou multimodais fluviais-terrestres.

Diálogo: Em anos recentes, a MB ajudou a Namíbia, um país africano, a criar sua Marinha. Como se deu este processo?

C Alte Garnier: Houve a transferência de navios e a formação de oficiais e de praças nos nossos centros de formação (Escola Naval, Centro de Instrução Almirante Alexandrino, Centro de Instrução Almirante Silvio de Camargo e Centro de Instrução Almirante Milciades Portela Alves) para começar a Marinha deles, inclusive o seu Corpo de Fuzileiros Navais. Além disto, designamos tripulações brasileiras para ajudá-los a se adestrar em começar a utilizar embarcações com foco militar naval, digamos assim.

Diálogo: Há outros casos parecidos na América Latina?

C Alte Garnier: Já houve transferências, por exemplo, da Marinha do Brasil para a Marinha do Uruguai. Com a Marinha argentina, durante muitos anos, quando o nosso navio aeródromo Minas Gerais ainda estava operativo, a Marinha do Brasil conduziu operações, nas proximidades de Puerto Belgrano, para que eles fizessem pousos e decolagens, porque queriam manter a qualificação dos seus pilotos navais, tanto quanto possível, ou seja, uma bela troca de experiências, que acredito ser inédita no mundo, e que continuou após a incorporação do NAe São Paulo.

Nós já reparamos, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, submarinos argentinos, inclusive com corte do casco, por exemplo. Navios da própria Marinha dos EUA e de outras marinhas do Cone Sul, durante a UNITAS, vêm aqui fazer adestramento em tiro sobre terra, na nossa ilha de Alcatrazes, porque é algo difícil hoje em dia você ter uma ilha-alvo. Há bons intercâmbios também com as marinhas do Chile, da Venezuela, da Colômbia e do Peru. Estas duas últimas com maior enfoque no ambiente fluvial. Creio que todas essas marinhas, ao operarem com a MB, crescem junto conosco. Assim como nós aprendemos com eles, eles certamente aprendem conosco.

JIATF-S: Liderando a luta contra o tráfico de drogas

Localizada na ensolarada Key West, no extremo sul da Flórida, a Força Tarefa Conjunta Interagentes Sul (JIATF-S) lidera uma batalha internacional para combater o tráfico ilícito da América Central, América do Sul e Caribe. Durante as últimas duas décadas, a JIATF-S criou uma sólida rede de ativos de inteligência, militar, e de aplicação da lei para apoiar a luta dos EUA e das nações parceiras contra o tráfico de drogas e outras ameaças relacionadas ao narcoterrorismo.

Atualmente, essa rede abrange todas as cinco ramificações das Forças Armadas dos EUA e agências governamentais de aplicação da lei (Federal Bureau of Investigation (FBI), Proteção de Alfândega e Fronteira, e Administração Antidrogas, entre outros), bem como agentes de ligação em países como Argentina, Brasil, México, Holanda, Peru, Espanha e Reino Unido. Através da troca de informações e estreita cooperação interinstitucional, esta força-tarefa, um componente do Comando Sul dos EUA, tem provado sua competência na condução de operações de detecção, monitoramento, interdição e apreensão em apoio às lutas nacionais e das nações parceiras contra traficantes de drogas.

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