Marinha Mercante e o transporte de riquezas na Amazônia Azul

Parcela importante do Poder Marítimo completa, hoje, mais um ano de criação

Por Segundo-Tenente (RM2-T) João Stilben – Brasília, DF

O Brasil é um País marítimo, sendo detentor de uma área com mais de 5,7 milhões de km², a Amazônia Azul, por onde transita cerca de 95% do comércio exterior e onde se concentra 97% da produção nacional de petróleo. Além disso, mais de 80% da população brasileira vive a menos de 200 quilômetros da costa. Por essa razão, é fundamental enaltecer a importância da Marinha Mercante para a sociedade e o seu papel estratégico na economia nacional, gerando empregos e induzindo melhorias na infraestrutura e nos serviços portuários.

A relevância dessa mola motriz do crescimento ficou ainda mais evidente durante o período do Estado de Emergência Sanitária, provocado pela pandemia da COVID-19, quando a economia brasileira necessitou demonstrar toda a sua força e o transporte marítimo manteve-se em funcionamento.

Por esse e por tantos outros motivos históricos, hoje (28) é comemorado o Dia da Marinha Mercante, uma data alusiva ao nascimento de seu patrono: Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá.

Formação

A Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM) é uma Universidade do Mar, um centro de referência para a formação de Oficiais da Marinha Mercante altamente qualificados, não só do Brasil, mas também para jovens cujo país de origem não tenha uma escola desse tipo, ou para jovens cujo país de origem possua intercâmbio de alunos, como Peru, Panamá, Equador, República Dominicana, etc.

As atividades de ensino são desenvolvidas nos Centros de Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA) e Almirante Braz de Aguiar (CIABA), ambos vinculados à Marinha do Brasil (MB). Na EFOMM são formados Oficiais em duas opções de curso: o de Náutica e o de Máquinas. Em ambos, os alunos estudam na Escola em regime de internato durante três anos, seguido de um período de estágio de um ano embarcado. O curso tem a duração total de oito semestres.

A parte curricular contempla atividades acadêmicas – desenvolvidas em salas de aula, laboratórios, a bordo de embarcações, plataformas, terminais marítimos, estaleiros e simuladores –; atividades militares – desenvolvidas com vistas à formação militar-naval e compreendendo disciplinas curriculares, embarques, formaturas, cerimônias e eventos cívico-militares, serviço diário, prática de liderança e atividades de rotina das Organizações Militares –; e extraclasse – que destinam-se a complementar o curso e compreendem: palestras, seminários, filmes, visitas, atividades sociais e esportivo-culturais, de interesse para a formação do aluno.

Após o término do 3º ano, o aluno realiza, obrigatoriamente, o Estágio de Praticante, a bordo de embarcações mercantes utilizadas na navegação marítima e no apoio marítimo, exclusivamente em empresas indicadas pelos Centros de Instrução. Durante os semestres acadêmicos, os alunos são militares, conforme previsto no Estatuto dos Militares, por estarem realizando a Formação de Oficiais da Reserva da MB.

Após a declaração de Praticantes, os alunos são desligados do Serviço Ativo da MB, incluídos como Guarda-Marinha na Reserva, de acordo com a legislação em vigor. Como alunos civis, passam a ser regidos pelas Normas do Ensino Profissional Marítimo (EPM) e o Regimento Interno dos Centros de Instrução. Ao terminar o curso, o aluno é declarado Bacharel em Ciências Náuticas (curso de nível superior), e passa a integrar o Quadro de Oficiais da Reserva não remunerada da MB, no posto de Segundo-Tenente.

Chefe de Classe 2023

Chefe de Classe (primeiro lugar da turma) deste ano, na EFOMM, o Guarda-Marinha (RM2) Arthur Schmitt Stinghen, de 21 anos, conta que, desde o Ensino Médio, tinha muita dúvida sobre o que escolheria como profissão. “Eu gostaria de algo que não fosse tão comum em nosso dia a dia, mas que fosse muito importante para o nosso País”, afirmou.

Segundo ele, quando ingressou na EFOMM, aos 18 anos, passou a enxergar o verdadeiro universo que era a Marinha Mercante. “Descobri o quão bela é essa profissão, e a importância que ela tem para o nosso cotidiano. Então, profissionalmente, consigo ver a real importância daquilo que escolhi, e me sinto pronto para começar a dar os meus passos na Marinha Mercante, agregando muito valor ao País e para a minha vida profissional”, acrescentou o recém-formado.

Sobre os ensinamentos da EFOMM, para além de sua vida no mar, o Guarda-Marinha  afirma que a palavra resiliência resume tudo o que aprendeu na Escola. “Durante a formação, temos diversos problemas para solucionar, muito conteúdo para estudar, responsabilidades e pesquisas a fazer. E a gente tem que se adaptar a tudo isso, e ser resilientes para não desistirmos, mesmo diante das maiores adversidades e dificuldades, sabendo que, mesmo que tenhamos problemas, temos que resolvê-los”, conclui.

Na rota com o Comandante

O Capitão de Longo Curso (CLC) Allan Moreira graduou-se na EFOMM em 2009 e possui mais de 2700 dias de mar. Segundo ele, o afastamento da família é minimizado, atualmente, com as novas formas de comunicação, incluindo o wi-fi a bordo. “Além disso, as empresas de navegação reduziram o tempo de permanência a bordo, e lidamos com isso sabendo que tudo o que é feito é, de fato, importante. Deixamos bem claro para os filhos que esse afastamento faz parte da profissão, mas que, embora fisicamente afastados, estamos sempre juntos”, afirma o Comandante.

O Oficial conta que a Marinha Mercante possui mérito elevado para o crescimento e engrandecimento do País, já que este depende muito das divisas de exportação. “A questão dos grãos e da carne, além de petróleo, tem basicamente a totalidade de sua exportação e importação possível pelo mar. Ou seja, esse mérito é gigantesco, embora o reconhecimento não seja da mesma forma, devido a uma mentalidade marítima que ainda não é como a dos Europeus, embora o País tenha nascido do mar. O povo brasileiro deve ter, portanto, entremeado em si, que as pessoas que trabalham no mar, seja na Marinha de Guerra ou Mercante, tem valor econômico e de soberania elevados”, discorreu.

Já o Capitão de Longo Curso Sérgio de Moura é o comandante do navio PSV Gemsbok e conta com 40 anos de profissão, além de quase 8 mil dias de mar. Para ele, um fator importante na valorização da Marinha Mercante é o reconhecimento de seu poder de dissuasão, sendo parte do Poder Naval e, consequentemente, parte do Poder Marítimo. “Quanto mais navios mercantes brasileiros existirem navegando pela costa brasileira e nas hidrovias interiores, como também pelo longo curso, maior a vigilância da nossa costa e da nossa Amazônia Azul”, garante o Comandante.

Segundo ele, a lição mais importante que os alunos têm durante o curso na EFOMM é o preparo para o embarque. “O sistema de internato nos prepara bem para a vida em alto-mar e o afastamento da família e do círculo de amizades. Até hoje, eu e minha turma mantemos contato, trocamos experiências. Nossos professores eram brilhantes”, lembra.

O Comandante ressalta que os desafios são elevados na profissão, já que cada Capitão de Longo Curso é responsável por tudo o que acontece no navio. “Ele responde por tudo. Além disso, não só a estrutura do navio, mas também a vida humana presente e o meio ambiente (que pode ser afetado em caso de algum acidente) recaem sobre os ombros do Comandante”.

Quando navegava ao Sul de Cabo das Agulhas (parte continental mais ao sul da África), passando do Oceano Índico para o Atlântico, o Capitão de Longo Curso Sérgio deparou-se com um mar extremamente perigoso (encapelado). “Era um de Escala Beaufort 12 (que classifica a intensidade dos ventos, tendo em conta a sua velocidade e os efeitos resultantes das ventanias no mar e em terra), equiparado a um furacão. Isso tudo em uma embarcação com mais de 300 metros de comprimento, plenamente carregada de petróleo bruto. “Suportamos bem o mar 12, mas tivemos que dar direção 180º, ou seja, dar a volta para sustentar o tempo”, lembra.

Mais recentemente, há um mês, enfrentou ventos de mais de 70 nós (quase 130 quilômetros por hora), próximo à fundeadora do Mocanguê (na Baía da Guanabara, Rio de Janeiro). “Eram rajadas intensas, onde foi necessário o uso de todas as máquinas operando, porque o ferro (como é chamada a âncora) não manteria o nosso posicionamento. Mas nossas embarcações e pessoal são preparados para isso, ou seja, um bom projeto naval faz com que o navio e a tripulação enfrentem qualquer mau tempo de modo seguro”, tranquilizou o Comandante.

Mulheres no Comando

A Capitão de Longo Curso Daisy Lima da Silva Souza tem 21 anos de profissão, sendo nove na função de Comandante. Hoje, está à frente do Aliança Leblon, que faz cabotagem (navegação pela costa brasileira). Ela reconhece que o Brasil é um País com um litoral de potencial gigantesco para esse tipo de navegação, e que o transporte de cargas via navio “tem uma dimensão que não se pode obter com outros transportes, além de poder diminuir emissões de carbono por carga transportada, o que traz um ganho ao meio ambiente em relação ao transporte rodoviário”.

Sobre a vida no mar, a Oficial destaca que, com a adoção do período ‘um por um’, ou seja, mesmo tempo em casa que a bordo, além das formas mais avançadas de comunicação, o desafio da distância de casa ficou mais fácil de superar. “Gosto muito da minha profissão e me dedico 42 dias a ela. É um estilo de vida desafiador. E os 42 dias que estou em casa, me dedico a aproveitar a família maravilhosa que Deus me deu, e os bons amigos que fui colecionando ao longo da vida”, completa.

A Comandante Daisy espera que, no futuro, o navegador mercante do Brasil continue voltado a atingir metas para assegurar o bem-estar das pessoas envolvidas no setor, e a prevenção ao meio ambiente. “A vida atual sem navios ficaria difícil, então espero que consigamos prover esse trabalho com impactos cada vez menores ao meio ambiente”, pontuou.

Fonte: Agência Marinha de Notícias

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