História – Incidente entre a F-45 União e o Submarino da US Navy

Cortesia do Blog do Elimar Côrtes

Elimar Côrtes
elimarcortes@gmail.com


Eram 15 horas (de Brasília) do dia 11 de outubro de 1984. Dois dias antes, cinco navios de guerra brasileiros e cinco americanos – entre eles um submarino, armado com mísseis e movido a combustível nuclear – tinham acabado de zarpar da Baía da Guanabara com destino a Salvador. A viagem fazia parte de exercícios militares envolvendo a Marinha dos dois países. As fragatas já tinham passado pela costa do Espírito Santo e já estavam a cerca de 115 milhas ao leste do Arquipélago de Abrolhos, no Sul da Bahia, quando ocorreu o inesperado: de repente, o Submarino Nuclear Snook emerge repentinamente e navega em rumo de colisão, passando a menos de dois metros da Fragata União (F45), da Marinha brasileira. Mas uma manobra heróica do comando da embarcação nacional evitou o que poderia causar uma tragédia. Por um milagre, a fragata brasileira não afundou o submarino americano, o que provocaria a morte de centenas de militares – entre praças e oficiais dos dois países. Quase 28 anos depois o caso vem a público por meio do Blog do Elimar Côrtes, que, com exclusividade, entrevistou protagonistas desta história que foi classificada como “extremamente sigilosa”,  à época, pelo governo brasileiro.

O USS Snook (SSN-592), Submarino nuclear Classe Skipjack. Entrou em serviço, em 24 Outubro 1961, e foi descomissionado em 14 Novembro 1986. É o segundo submarino a levar este nome o primeiro foi um Classe Gato, SS-279, perdido em ação na Segunda Guerra Mundial

Para entender o contexto da importância dos exercícios militares naquele período de chumbo, é preciso recordar que, dois anos antes, Argentina e Reino Unido haviam encerrado uma guerra pelo domínio das Malvinas aqui mesmo no Atlântico Sula. Vitória dos britânicos. O Brasil, em 1984, vivia os últimos dias de uma ditadura militar que durou 20 anos.

Os tempos sombrios da guerra no Atlântico parecem estar agitando a cabeça de muitos neste momento, em que o fim do conflito nas Malvinas completou 30 anos. O atual governo argentino quer a reabertura de negociações sobre a soberania das ilhas e denuncia que o Reino Unido militarizou a área após o envio de um navio britânico.

A Guerra das Malvinas, que começou em 2 de abril de 1982, durou 75 dias. Ao todo, 258 britânicos e 649 argentinos morreram no conflito. Por causa da guerra, os argentinos, que sempre participavam de exercícios militares ao lado de Brasil, Estados Unidos e Uruguai, em 1984 ficou de fora da Operação Unitas XXV porque consideravam os americanos aliados dos britânicos.
A Fragata União estava com uma tripulação de 220 homens, entre oficiais e praças brasileiros e americanos. Já o submarino Snook transportava 83 marinheiros, apresentando também uma tripulação mista, de brasileiros e americanos.

O então sargento Marco Antônio Gomes, hoje advogado criminalista que atua no Espírito Santo, fazia parte da tripulação da União. No momento do incidente, ele estava no que os marinheiros chamam de passadiço, a parte mais alta da F45, onde fica instalado o Comando Visual da embarcação.

Naquele 11 de outubro de 1984, véspera do dia de Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil, o sargento Marco Antônio, que entrou na Marinha em 1969, estava de folga e resolveu fotografar para um concurso de fotos navais.

“Minha intenção era fazer fotos para concorrer ao concurso de melhor fotografia pela Revista NoMar. Aproveitei a folga para fazer fotos de pouso e decolagem de helicópteros, lançamento de mísseis…”, relembra Marco Antônio.

O então sargento estava no passadiço, observando melhores ângulos para fotos. Naquele momento, ele já estava com sua máquina fotográfica posicionada para fotografar um cardume de golfinhos que acompanhava a nossa rota. De repente surgiu na proa da fragata o submarino americano:

“Se o submarino colidisse com nossa embarcação, de quase 4.000 toneladas, poderia causar avarias de imensa gravidade”, calcula, quase 28 anos depois, o agora advogado Marco Antônio Gomes.

“Mas, com certeza, o Snook (submarino) iria sofrer muito mais, pois, se batesse, certamente iria capotar e depois afundar, porque nossa fragata passaria por cima dele”.

Ninguém, é óbvio, queria isso. Se o submarino afundasse, toda sua tripulação – formada por 83 pessoas, entre americanos e brasileiros – morreria. Além do mais, se o Snook batesse na fragata, atingiria o domo-sonar, que fica por baixo do navio, o que poderia causar um grande estrago e a embarcação brasileira iria a pique.

Além da União, o Brasil levou para os exercícios a Fragata Liberal, o porta-aviões Minas Gerais, o navio tanque Marajó e um contratorpedeiro. Já os Estados Unidos levaram o US Concord, US MacDonough, US Thorn, o US Talbot, além do submarino Snook.

As fragatas brasileiras e americanas que participavam dos exercícios estavam a 115 milhas – o que corresponde a 277 quilômetros – da costa, mais precisamente na direção de Abrolhos, no Sul da Bahia. Ainda, portanto, em águas brasileiras, já que o tratado internacional determina que a área do Brasil no Atlântico Sul é de 200 milhas – em direção à África –, o que representa 370 quilômetros. As embarcações estavam na longitude 037°, 14W e latitude 14°, 44S.

“Só tive tempo de fazer a foto”, foi a reação do sargento Marco Antônio. “E era a última chapa que estava na máquina. Já havia gastado todas com fotos internas no navio”.

A história de como o submarino encostou na Fragata União foi muito mais dramática. O primeiro a ver o Snook bem à frente da F45 foi o marinheiro que fica de vigia. Ele fica postado na parte superior do navio. Reagiu incrédulo à aproximação do submarino. Com voz baixa, o marinheiro, que estava num posto acima da cabine do comando, quase que suspirou naquelas exatas 15 horas de 11 de outubro de 1984: “Alvo a zero, zero, zero”.

O sargento Marco Antônio lembra que os radares estavam funcionando normalmente, mas não detectaram a emersão repentina e quase fatal do submarino, em surpreendente e inadmissível rumo de colisão com a Fragata.

Ainda cético, o comandante do navio determinou que o vigia da embarcação verificasse a correta direção do alvo apontado e identificado por sua torre. Passaram-se alguns segundos – mas, para quem estava na fragata, parecia uma eternidade – e o marinheiro respondeu. Desta vez, com a voz alta:

“Confirmo: alvo a zero, zero, zero. Me parece um submarino. Vamos colidir…”

Logo, o comandante da Fragata ordenou ao sargento que estava no timão da embarcação a virar à esquerda numa manobra arriscada, porém feliz. O sargento obedeceu e o lado do boreste da fragata passou raspando no casco do submarino.

“Se ocorresse o acidente, seria trágico”, diz, 28 anos depois, o vice-almirante Lacerda Freire, em conversa, por telefone, como Blog do Elimar Côrtes.

SUBTENENTE RECORDA OS MOMENTOS DE PÂNICO
 
Outro personagem da história que estava de serviço no Centro de Operações de Combate (COC) da Fragata União revela mais detalhes do pânico que tomou conta dos tripulantes. Hoje subtenente, o militar prefere ficar no anonimato, mas recorda que “a gente já estava com ele (submarino) no Sonar”. Naquela tarde de 11 de outubro de 1984 as fragatas brasileiras e americanas e o submarino Snook faziam exercícios de ataque e defesa:

“Já estávamos monitorando o submarino. Pelo sonar o Snook estava se posicionando para o ataque e defesa. No momento em que ele veio à superfície, involuntariamente, nós estávamos atacando. O submarino tinha que mergulhar, mas, em vez de mergulhar, ele subiu”, recorda o subtenente. “O Snook deve ter cometido algum erro. Por isso, sofreu uma pane”.

Ele recorda que o objetivo do submarino americano era, de modo simulado, atacar o porta-aviões brasileiro “Minas Gerais”, ou o navio tanque “Marajó”: “Eles queriam atacar o corpo principal de nossa Esquadra, que era o Minas Gerais”.

“Vivemos segundos de pânico, embora, para nós militares da Marinha, aquela tenha sido umasituação corriqueira em treinamento, mas ninguém queria que ocorresse um acidente”, diz o subtenente.

Segundo ele, no momento foi acionado o alarme de perigo, enquanto o sargento que estava na direção do timão da fragata recebia ordem para jogar o leme para o outro lado (esquerda) para não ir para cima do submarino.

Quase 28 anos depois, o subtenente ainda suspira aliviado, porque acredita ter sobrevivido a uma tragédia:

“Se bate, seria um estrago muito grande no submarino e na nossa fragata também. Seria uma explosão”, diz o suboficial, que acrescenta: “Creio que por um milagre escapamos da morte”.

A tripulação do submarino só tomou conhecimento do susto dois dias depois, quando as Esquadras chegaram ao Porto de Salvador. Depois de “raspar” o casco da Fragata União, o Snook passou como se nada tivesse acontecido e voltou a submergir.

“Acreditamos que o submarino ficou no escuro por alguns minutos e seu comandante não teve a noção de que estava indo à superfície”, diz Marco Antônio Gomes.

No dia 13 de outubro, houve a chamada Reunião de Crítica, com a presença do Alto Comando das Marinhas do Brasil e EUA, envolvidas naquela Operação. Foi nessa reunião que os oficiais da F45 informaram que o Snook havia emergido a poucos metros da fragata brasileira. Pelas investigações, descobriu-se que sua primeira aparição diante da União se deu a 200 metros de distância, mas depois foi só encostando.

Ainda dentro da Fragata União, o seu comandante, capitão-de-mar-e-guerra Lacerda Freire, chamou o sargento Marco Antônio Gomes para uma reunião. Solicitou a ele as fotos tiradas dentro da embarcação, principalmente as que retratavam o incidente.

Marco Antônio, que sempre teve uma visão de futuro, fez as cópias de todas as fotos, conforme seu comandante ordenou, mas guardou a foto que mostra justamente a aproximação do submarino com a fragata.

“As fotos foram parar no Comando Naval Americano para análise. Já naquele momento em que me solicitou as fotos, meu comandante declarou para mim que o assunto já estava classificado como sigiloso”, diz Marco Antônio, que, como bom advogado, estudou também a legislação que aborda o assunto e verificou que o já atualizado Decreto 4.553, de 27 de dezembro de 2002, diz que assuntos de Estado classificados como secretos, têm de ficar sem vir a público por, no mínimo, 20 anos.

VICE ALMIRANTE RECONHECE QUE TRAGÉDIA PODERIA TER ACONTECIDO 

O vice-almirante da Marinha do Brasil Carlos Edmundo de Lacerda Freire é um militar experiente. Passou maior parte de sua vida – 47 anos – servindo às Forças Armadas. Hoje, o almirante Lacerda Freire está na reserva, vivendo ao lado da família no Rio de Janeiro. Embora seu nome seja uma grife na Marinha e nas redes sociais, não é muito chegado a ter seu perfil, por exemplo, no Facebook:  “Meus filhos já me falaram para ter esse ‘negócio’, mas eu não gosto muito”, diz o almirante.

O almirante Lacerda Freire disse ao Blog do Elimar Côrtes que já até havia esquecido do que ocorreu naquela tarde de 11 de outubro de 1984. Entretanto, reconhece que, se houvesse uma batida entre o submarino americano e a Fragata brasileira, “ocorreria um acidente trágico”. Porém, no alto de sua experiência, o almirante tranqüiliza:

“Passei muito tempo operando no mar. Confesso que vivi momentos piores durante meus 47 anos de Marinha”. Para ele, todavia, o fato do incidente estar vindo à tona agora não causará nenhum transtorno à Marinha e aos governos brasileiro e americano:

“Não causará transtorno nenhum. Até porque, eu já havia até esquecido do assunto”.

BIÓLOGO GARANTE QUE NÃO HAVERIA ACIDENTE NUCLEAR CASO FRAGATA AFUNDASSE SUBMERINO DOS EUA

O biólogo e pesquisador associado do Departamento de Oceonografia e Ecologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), professor João Luiz Gasparini, acredita o acidente poderia causar mortes de marinheiros, mas dificilmente provocaria uma tragédia nuclear. Segundo ele, submarinos e fragatas nucleares são seguros e cercados de mecanismo que evitam vazamento de produtos nucleares, mesmo naquele ano de 1984:

“As embarcações, mesmo naquele ano de 84, já eram muito seguras, a ponto de não permitir vazamento de qualquer espécie de radiação. Existe nas embarcações das Marinhas muito mais contenção para evitar vazamento de material radioativo”, garante o professor Gasparini.

Segundo ele, navios e submarinos são preparados para que, em caso de acidente ou improviso, como o ocorrido com o Snook, o material radioativo fique confinado automaticamente:

“Um submarino nuclear é muito seguro, a não ser que ele seja atingido por um míssil”, afirma Gaparini.

Para ele, caso houvesse uma colisão o maior perigo poderia estar na Fragata União, que, se atingida pelo submarino, poderia provocar vazamento de óleo combustível, que atingiriao verdadeiro santuário da costa de Abrolhos:

“Mesmo assim, pela distância do treinamento, a quase 200 milhas, dificilmente o óleo, em caso de vazamento, chegaria ao litoral”, afirma o professor, que dá mais uma aliviada:

“A contenção de um submarino é muito bem feita. Quando há uma pane, o próprio sistema suspende a operação de risco de acidente nuclear”.

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