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Hostilidades entre Irã e Israel têm origem em traumas causados por outros países

Nos anos 70, os dois países eram parceiros. Hoje são inimigos. Estudo afirma que a imagem que uma nação tem da outra é influenciada por traumas causados por terceiros, como o Holocausto e a interferência externa.

Recentemente Ali Khamenei, o principal líder religioso do Irã, ameaçou: Israel "é um cancro que cabe extirpar". Todo aquele que se encontre em luta com o "regime sionista" pode contar com o apoio de seu país, prometeu aquele que é também o comandante supremo das Forças Armadas iranianas.

Do outro lado, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, repete como um mantra a advertência: o país inimigo tem que parar de construir a bomba atômica, pois um Irã munido de armas nucleares seria uma ameaça à existência de Israel.

"Não permitirei que meu povo viva à sombra de um extermínio iminente", reforçou o chefe de governo. Em caso extremo, poderá até mesmo ser preciso defender-se através de um ataque preventivo.

Sob o signo do trauma

Mas por que as duas nações se confrontam de forma tão hostil? Afinal de contas, até a década de 1970 suas relações eram boas, marcadas por cooperação econômica, diplomática e até mesmo militar.
 

Em colaboração com um colega iraniano, o sociólogo Gad Jair elabora um estudo sobre o tema. Os dois acadêmicos se conheceram num congresso realizado na Europa, no qual também nasceu a ideia para a atual pesquisa.

Do trauma cultural à guerra nuclear – Esclarecimentos sobre o conflito israelo-iraniano ainda aguarda lançamento. E, por precaução, o estudo será publicado sem o nome do colega iraniano, que de outra forma poderia ficar exposto a represálias.

Ambos os sociólogos chegaram à conclusão que suas nações sofrem de um trauma cultural, nascido de suas respectivas histórias, mas que nada tem a ver com o suposto inimigo do outro lado. "O Irã luta contra a humilhação de ser regido de fora; Israel, contra o medo de ser extinto", resume Jair o fenômeno.

Nação humilhada

O Irã, antes um reino gigantesco e soberano, "sofre com a influência secular de nações estranhas". Os mongóis liderados por Gengis Khan, os otomanos, os britânicos e os russos tiveram sua participação, assim como os Estados Unidos, que reiteradamente têm interferido de forma ativa nos destinos do país, aponta o sociólogo da Universidade de Jerusalém.

Por exemplo, o premiê Mohammad Mossadegh, eleito democraticamente, foi deposto em 1953 e a ditadura do xá foi imposta, com a ajuda do Ocidente.

Hoje, a lista de humilhações nacionais é ampliada com as sanções impostas pelas potências industriais ocidentais, com base num suposto processo de armamento nuclear iraniano. A tese dos pesquisadores é que o programa nuclear seria uma tentativa do Irã de, por meio da intimidação, tornar-se inatacável e soberano, como durante o "glorioso passado" do reino pérsico.

Na qualidade de representante do Ocidente no Oriente Médio e aliado dos EUA, Israel passou a ser um símbolo dessa ameaça externa. Também a ocupação dos territórios palestinos é repetidamente utilizada no Irã para denunciar Israel como inimigo.

Medo do extermínio

"O sentimento existencial dos israelenses, por sua vez, é caracterizado pelo constante medo do extermínio", declara Jair. A religião tampouco oferece consolo: grande parte dos feriados religiosos recorda a escravidão, o desterro e o exílio. Os pogroms dos séculos 19 e 20 estão registrados na memória coletiva – assim como, é claro, o Holocausto.

"O Irã toca justamente nessa ferida, com suas ameaças verbais e seu programa nuclear." Recordações do regime nazista foram evocadas quando políticos iranianos, como o atual presidente Mahmoud Ahmadinejad, negaram o Holocausto.

Tudo isso resulta na posição inflexível da política israelense, que sempre enfatiza o próprio direito à autodefesa. "Os judeus nunca mais voltarão a aceitar sem luta o seu destino", assegurou Netanyahu.

A tese do estudo é que, devido a esses traumas provocados por terceiros, nenhuma das duas nações está em condições de corrigir a imagem distorcida que tem da outra, e a noção de um arqui-inimigo vai sendo perpétua e repetidamente confirmada.

"Os fantasmas do passado são mais fortes do que a ameaça real", explica Jair. Para que se saia desse dilema, "a comunidade internacional precisa devolver ao Irã sua soberania. E Israel necessita de um compromisso inequívoco, por parte da liderança iraniana, de que no futuro sua existência e seu futuro serão reconhecidos".

"Iranianos, nós os amamos"

A campanha iniciada no Facebook pelo designer gráfico Ronny Edry, de Tel Aviv, também confirmou que, para além da política, há algo mais unindo iranianos e israelenses.

"Eu estava farto de ser um joguete da política. Ambos os lados exploram os medos da gente", relata Edry. A ideia é tão simples quanto eficaz: ele colocou na internet uma foto sua, acompanhada da legenda "Iranianos, nós não vamos bombardear o seu país. Nós amamos vocês".

O texto prossegue: "Para que haja guerra entre nós, primeiro é preciso que tenhamos medo uns dos outros, precisamos odiar. Eu não tenho medo de vocês, não odeio vocês. Eu nem mesmo conheço vocês. Nenhum iraniano jamais me fez mal."

O sucesso da campanha foi avassalador e se mantém até hoje. "Foi criado um diálogo entre as pessoas das duas nações", comenta o israelense de 41 anos. Há quem critique a ação como ingênua, porém Ronny Edry não se deixa intimidar: "As pessoas confirmam umas para as outras o respeito e estima recíprocos. Isso muda as imagens nas cabeças", assegura. E assim é possível romper a lógica da hostilidade.

 

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