“Estado Islâmico” quer uma Europa anti-islâmica, alertam especialistas

Aconteceu o que todos esperavam: apenas algumas horas após os sangrentos atentados em Bruxelas, nesta terça-feira (22/03), o "Estado Islâmico" (EI) reivindicou a responsabilidade pelos atos. Num comunicado, a milícia terrorista agradeceu à "equipe de segurança do califado", que partiu "para o ataque aos cruzados, que não cessam de fazer guerra ao islã e seus adeptos".

O grupo jihadista advertiu a Bélgica e outras "nações de cruzados" unidas na luta contra o EI que outros "dias negros virão". E o que virá será ainda mais devastador, pois "Alá capacitou nossos irmãos a instilar medo e terror nos corações dos cruzados".

Com declarações como essas, o EI quer mostrar ao mundo que seus seguidores estão por toda parte; que são a ponta de lança de um movimento generalizado; que se trata de uma luta dos fiéis contra os infiéis, os kuffar. Uma luta que eles travam na Europa e também em outras partes do mundo – um mundo preto e branco, do "nós" contra "eles", muçulmanos contra não muçulmanos.

Dividir para vencer

A meta é exatamente essa, explica Günter Meyer, do Centro de Pesquisas sobre o Mundo Árabe, em Mainz. "O EI aposta numa polarização e radicalização das relações entre a população muçulmana e a não muçulmana, para assim recrutar mais adeptos; desestabilizar as sociedades europeias e, deste modo, chegar mais perto da meta de disseminação do califado."

Após atentados como os de Bruxelas ou de Paris, sobretudo os migrantes e refugiados ficam preocupados em se tornarem menos bem-vindos em certos setores das sociedades europeias. Pois, na esteira de seus atentados, o EI também se aproveita do debate sobre os refugiados na Europa.

Isso ocorreu, por exemplo, depois dos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, quando quis-se dar a impressão de que entre os terroristas se encontrava um refugiado. A intenção era colocar sob suspeita generalizada todos os migrantes sírios chegados à Europa nos meses anteriores. Assim, os franceses e o resto do mundo deveriam passar a ter medo dos muçulmanos, medo de tudo o que associam com o islã.

No entanto, nem depois dos ataques a Paris nem depois dos atentados em Bruxelas apareceram provas de que houvesse uma ligação direta entre os refugiados e os criminosos, lembra Ska Keller, porta-voz da bancada do Partido Verde no Parlamento Europeu.

Mídia dos EUA destaca "incapacidade chocante" dos europeus

Desde os devastadores ataques de Bruxelas nesta terça-feira (22/03), a mídia dos EUA vem discutindo abertamente a incapacidade dos europeus de garantir a própria segurança. Os ataques terroristas na Bélgica abalaram a segurança da Europa e fizeram aumentar o medo de falhas dos serviços de informação, segundo o New York Times, por exemplo.

Considerando a ameaça terrorista internacional, o jornal e outros veículos de comunicação alertam para uma permanente vulnerabilidade do Velho Continente, ressaltando que, apesar das atividades febris dos serviços policiais e de inteligência após os atentados de Paris, os atos terroristas de Bruxelas não puderam ser evitados.

A tônica dos artigos é que o "sobrecarregado serviço belga de inteligência" quase não é capaz de enfrentar as "redes terroristas profundamente enraizadas" no país. No New York Times, a Bélgica é até classificada como "o Estado falido mais rico do mundo".

David Ignatius, um dos mais respeitados especialistas em segurança dos EUA, critica no Washington Post, de forma cáustica, todos os países europeus. Segundo ele, Bruxelas mostrou "de forma chocante, a maneira disfuncional que a Europa lida com a própria segurança".

A Casa Branca fala, de forma mais cautelosa, sobre "desafios significativos" e salienta que, tendo em vista o acirramento da ameaça, "mais do que nunca" é necessária uma cooperação reforçada entre os europeus. Mas é exatamente nesse ponto que, apesar de muitos alertas, a coisa ainda parece emperrar, do ponto de vista dos EUA.

"Os recentes ataques deixaram claro que existem muitos pontos cegos entre os serviços de segurança europeus", constata Carl Nilsson Hvenmark, da Brookings Institution, em entrevista à Deutsche Welle. "Não há entre eles uma troca abrangente e profunda de informações", observa, criticando as "rivalidades entre serviços de inteligência", mesmo dentro dos respectivos Estados.

Confiança abalada

A confiança dos americanos na segurança e na inteligência europeias nunca foi particularmente grande, exceto, talvez, no que diz respeito às da França e do Reino Unido. "E os alemães também são competentes", reconhece Ignatius, acrescentando, porém, que eles não aplicam toda sua força devido à falta de apoio político e público. Enquanto isso, os outros países europeus são pouco confiáveis do ponto de vista dos EUA.

Agora, é grande a preocupação de que a estabilidade da Europa seja permanentemente abalada pelos contínuos ataques terroristas. Ignatius ressalta, em seu artigo no Washington Post, que a segurança da Europa está tão ameaçada como nunca havia sido na história moderna, citando o número crescente de "combatentes estrangeiros" radicalizados que retornaram do Oriente Médio. "Os europeus têm de reinventar seu sistema de segurança", conclui, alertando que, de outra forma, o continente pode afundar no medo e no caos.

Especialistas pedem reformas radicais

Muitos especialistas em segurança dos EUA veem apenas uma solução: os serviços secretos de cada país devem deixar de lado as vaidades e as invejas mútuas. "Precisamos de uma forma rigorosa de trabalhar quando se trata da troca de resultados de inteligência", diz Nilsson, também em entrevista à Deutsche Welle, acrescentando ser "essencial um fluxo rápido horizontal de informações". Ele considera que atualmente os europeus ainda estão em um nível muito baixo, semelhante ao da CIA e do FBI antes dos ataques de 11 de Setembro nos EUA.

No entanto, a mídia dos EUA não culpa só os europeus pela atual situação de ameaça. Uma razão mais profunda seria o "fracasso da coalizão liderada pelos Estados Unidos para manter os jihadistas sob controle", avalia Ignatius. Ele também defende que os serviços secretos cooperem mais estreitamente e, para isso, os EUA deveriam, em sua opinião, "tomar a iniciativa de uni-los".

Outros ataques "bastante prováveis"

Além disso, há uma reivindicação frequente de que os europeus voltem a controlar suas fronteiras nacionais com finalidade de combater o terrorismo. Nilsson, entretanto, é contra essa medida, porque iria danificar a ideia europeia e "indicaria que os ataques foram bem sucedidos" no seu objetivo de amedrontar os europeus.

No entanto, mesmo que as demandas dos especialistas sejam implementadas rapidamente, certamente demoraria algum tempo até que a situação de segurança melhore na Europa de forma sustentável. Por isso, Nilsson acredita ser "bastante provável" que o continente seja alvo de novos ataques terroristas.


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