Brasil e Argentina repetiram a rapidez do Congresso paraguaio na aprovação do impeachment de Fernando Lugo e produziram, de maneira também quase instantânea, uma crise de desfecho imprevisível no Mercosul.
Alertada pela colega argentina, Cristina Kirchner, ainda na Rio+20, a presidente Dilma Rousseff teria batido o martelo, sem maiores reflexões, pela exclusão do Paraguai do acordo comercial, por ter supostamente incorrido na "cláusula democrática" do grupo, ao dar um "golpe parlamentar" no aliado Lugo, ex-bispo de figurino bolivariano.
No encontro de cúpula do Mercosul, já em Mendoza, Argentina, a governante brasileira pediria licença aos presentes para uma conversa "política" a sós com Cristina e José Mujica, a fim de aplacar dúvidas que se abateram sobre o presidente uruguaio quanto a questões jurídicas acerca da maneira como foi afastado um sócio fundador do bloco.
A operação foi dada por concluída com a, também relâmpago, inclusão da Venezuela de Chávez no Mercosul, pois o único obstáculo a este antigo projeto de bolivarianos e simpatizantes havia sido cassado, o Congresso paraguaio, mesmo que temporariamente. Pareceu mais um fruto do realismo fantástico latino-americano: o Paraguai foi punido por um alegado "golpe" contra a democracia – embora nenhum dispositivo constitucional tenha sido contrariado no impeachment – e terminou beneficiado um país cujo regime pode ser tudo menos democrático.
Parecia uma manobra maquiavélica exitosa. Longe disso. Além de fissuras diplomáticas graves no Cone Sul permitidas pelo Brasil, cuja diplomacia historicamente trabalhou para livrar a região de tensões – desta vez, fez o contrário -, há desdobramentos complexos de curto e médio prazos.
No Uruguai, o Senado aprovou a convocação do chanceler, Luis Almagro, para se explicar. Mujica teve ainda de ouvir críticas do próprio vice-presidente, Danilo Astori, segundo o qual, em entrevista ao "El Observador", o que aconteceu em Mendoza foi uma "ferida institucional muito grande, talvez a mais grave nos 21 anos de Mercosul".
Em Assunção, o clima está mais tenso, como era de se prever. A comissão de assuntos exteriores do Senado pede a expulsão do embaixador e adidos militares venezuelanos, envolvidos numa história preocupante de contatos com oficiais paraguaios, para instigá-los a manter Lugo. Seria um golpe de fato, de pedigree chavista.
Se já não fossem suficientes os problemas comerciais entre Brasil e Argentina, criou-se uma tempestade político-diplomática. No dia 31, em reunião no Rio, o Mercosul precisa referendar as mudanças. Em tese, há uma chance de o desvario ser revisto, mas não se pode contar com tamanho bom-senso.
O que acontecerá se o Paraguai, ao retornar depois das eleições do ano que vem, como está acertado, pedir que sejam anuladas as decisões de Mendoza? Mais tensões pela frente. E, como todas as decisões no bloco têm de ser por unanimidade, haverá pelo menos um país disposto a dar o troco pela agressão sofrida.
O Mercosul não precisaria de Chávez para travar de vez. Mujica, por sua vez, desembarcou em Montevidéu contente por ter conseguido sinal verde, disse, para firmar acordos bilaterais na América Latina. Se esta foi uma contrapartida ao Uruguai para ele concordar com tudo, abriu-se de vez uma fenda no acordo aduaneiro. A ideologia ainda destruirá o Mercosul.