Brasil e Alemanha: o casamento acabou?

Caros brasileiros,

Será que o amor não volta mais? Para mim, a relação estável e de confiança entre Brasil e Alemanha se parece cada vez mais com a de um casal à beira da separação. Ela (Brasil) deu um fora nele, na esperança de que ele se tocasse do perigo de perder o amor de sua vida. Ele (Alemanha) corre atrás. Mas as declarações de amor já não convencem.

A Alemanha e a arte da sedução – parece que esses são dois mundos bem distantes. A tentativa alemã de renovar um casamento antigo foi ignorada pelo Brasil. A viagem mais recente do ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas, ao Brasil, no final de abril, foi praticamente ignorada pelas mídias brasileira e alemã.

Foi o próprio ministro Maas que deixou clara a razão pela crescente alienação entre os dois: "Durante muito tempo", ele admitiu, "a América Latina e o Brasil saíram fora do foco da nossa atenção."

Falta de atenção – muitos relacionamentos já terminaram por esse motivo. No caso do casamento teuto-brasileiro, é bem provável que, desta vez, a Alemanha vá sentir na pele o que o Brasil estava sentindo durante as duas últimas décadas: negligência e subestimação.

O distanciamento começou com a queda do Muro, 30 anos atrás. A Alemanha investiu pesadamente nos países do Leste europeu. Quando o chanceler da unidade alemã, Helmut Kohl, finalmente visitou o Brasil, em setembro de 1996, teve que admitir que a Alemanha não havia participado da onda de privatizações no país nos anos 1990 e havia deixado o terreno para outros.

Em fevereiro 2002 foi a vez do então chanceler Gerhard Schröder. Como Kohl, ele lançou uma nova iniciativa para a América Latina, desta vez com foco na infraestrutura. Mas a iniciativa não saiu do papel. Schröder deixou de lado a sua própria iniciativa e se concentrou em grandes projetos com Rússia e China.

Falando em China – a potência asiática era e continua sendo a menina dos olhos dos políticos e da indústria alemã. Todos os chanceleres alemães viajaram e viajam regularmente com uma delegação empresarial para lá, tentando se posicionar no mercado chinês.

Finalmente em 2015, depois de Angela Merkel ter ido durante a Copa de 2014 para o Rio, parecia que a ausência dos políticos alemães no Brasil terminaria. A chanceler voltou a visitar o Brasil com o gabinete dela, e o Brasil entrou no clube exclusivo dos poucos países com os quais a Alemanha mantêm consultações oficiais.

Mas, infelizmente, essa tentativa de reanimação no alto nível político também não se concretizou. Por causa da crise politica no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, não houve mais consultações oficiais entre os dois países.

E as perspectivas não são nada boas. Segundo fontes bem informadas, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo não vai atender ao convite oficial do ministro Heiko Maas para participar da conferência sobre a América Latina em Berlim no dia 28 de maio junto com outros chanceleres da região.

O sinal é claro: nem o governo nem a indústria brasileira correm mais atrás da Alemanha. Estão mais interessados nos Estados Unidos e na China.

E falando na China: as empresas alemães vão ter que se deparar com a concorrência chinesa no Brasil. Pois a oferta de bens industriais da China no Brasil aumentou. E, como sempre, os preços de produtos "made in China" são bem mais acessíveis que dos produtos "made in Germany".

Não dá para negar: a crise no casamento teuto-brasileiro é séria. O Brasil parece estar farto de iniciativas lançadas e esquecidas, de um príncipe alemão que nunca se decide e que deixa as oportunidades passar. Chegou a hora de fazer uma autocrítica.

"Os alemães são especialmente céticos com o Brasil", admitiu Reinhold Festge, CEO da empresa alemã Haver & Boecker que desde 1974 trabalha no Brasil nos ramos de armazenagem e tecnologia de processamento. O presidente da iniciativa para América Latina da indústria alemã às vezes se decepciona com os seus próprios compatriotas: "Aquela maneira alemã de saber tudo melhor é um problema", acha ele, "pois nem sempre isso é verdade".

No dia 17 de junho, Festge embarca para o Brasil para participar da 4ª Conferência Brasil-Alemanha de mineração e recursos minerais em Nova Lima, Minas Gerais. "O clima na economia está melhor do que parece, especialmente na mídia", disse ele, "a demanda existe".

O casamento teuto-brasileiro não é uma exceção: é um relacionamento com altos e baixos. Se acabar, fica aqui o meu pedido para que se mantenha pelo menos a amizade. Pois amigos verdadeiros são para sempre.

Chanceler alemão sonda parceiro difícil no Brasil

A coletiva de imprensa do ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, com seu homólogo brasileiro, Ernesto Araújo, assumiu uma dimensão unilateral na manhã desta terça-feira (30/04). Não se escutou quase nenhuma pergunta sobre as relações teuto-brasileiras, em vez disso, apresentou-se uma posição comum diante dos distúrbios no país vizinho Venezuela.

Alemanha e Brasil reconhecem o autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó. Esse é, atualmente, um dos poucos campos políticos em que os dois países concordam. "O tema das relações bilaterais passou para segundo plano", disse o cientista político teuto-brasileiro Oliver Stuenkel à Deutsche Welle.

"Mas isso não foi tão ruim, porque a relação entre a Alemanha e o Brasil não está fácil no momento. Mas quanto à Venezuela, os dois concordam, e então se pôde projetar coesão para fora. Maas provavelmente ficou muito contente com isso."

Não se sabe o que foi discutido no encontro de Heiko Maas com Araújo e o presidente Jair Bolsonaro. O ministro alemão certamente encontrou palavras claras, acredita Stuenkel. Por outro lado, a Alemanha precisa urgentemente do Brasil na questão da proteção climática. Pois, sem o gigante sul-americano, um acordo global não terá sucesso.

No entanto, Bolsonaro quer desmatar e explorar economicamente a Floresta Amazônica, em vez de protegê-la. E Araújo considera mesmo a mudança climática uma mentira marxista, propagada por organismos multilaterais como as Nações Unidas.

Para trás ficaram os tempos em que ambos os países impulsionavam conjuntamente a proteção global do clima. "É uma parceria tradicional em que um parceiro está passando por uma mudança radical", apontou Stuenkel. Agora é preciso sondar como lidar com a situação.

Direitos humanos e multilateralismo

Uma tarefa difícil. Bolsonaro é abertamente contrário aos valores que Maas representou em sua turnê latino-americana: "direitos humanos e multilateralismo".

Sob esse slogan o ministro alemão visitará em seguida a Colômbia e o México, onde procura parceiros para contrabalançar o isolamento da administração americana e de governos autoritários como a China e a Rússia. A iniciativa está programada para terminar no fim de maio em Berlim, numa reunião de ministros das Relações Exteriores.

No Brasil Maas também confrontou Bolsonaro. Na segunda-feira, ele se encontrou em Salvador com o governador da Bahia, Rui Costa, do PT.

Além disso, Maas deu ali a largada para uma rede pelos direitos das mulheres. O fato quase soou como uma bofetada simbólica no rosto de Bolsonaro, que no passado muitas vezes ignorou de forma desdenhosa mulheres e minorias.

"Isso faz sentido", afirmou Stuenkel. "Não se pode confrontar Bolsonaro sem críticas simbólicas. E a Alemanha é muito influente no Brasil, e não pode simplesmente fazer business as usual. Então o aspecto simbólico é importante."

Segundo o cientista político, o governo alemão deve mostrar que apoia a sociedade civil brasileira, mesmo que os direitos dela estejam agora sendo limitados por Bolsonaro.

Porém nem todos estão de acordo com essa a diplomacia simbólica em doses homeopáticas. Maas deveria ter pronunciado palavras duras, afirmou à DW Ulrich Delius, diretor da Sociedade para Povos Ameaçados.

"Ir até Bolsonaro para ganhar seu apoio ao multilateralismo é como perguntar a Putin se ele quer se aliar a uma rede em prol do Estado de direito. O que quer a política externa da Alemanha, o que ela pensa alcançar com essa posição no Brasil?", questionou.

Bolsonaro é o homem errado para tais iniciativas, apontou Delius, pois dá cada vez menos espaço à sociedade civil brasileira. "Na verdade existe uma agenda difícil, que precisa ser tratada, ou seja, que os padrões de Estado de direito estão sendo cada vez mais debilitados por esse governo. Lá é o lugar errado para uma agenda sobre os direitos das mulheres."

Delius também exigiu mais comprometimento das firmas da Alemanha no Brasil. Com cerca de mil empresas do país, a cidade de São Paulo é o maior polo econômico alemão em todo o mundo. "Estamos à espera de opiniões claras, as empresas devem defender os nossos valores europeus, não só em casa, mas também no exterior".

Segundo Delius, além disso, a Alemanha também gastou dinheiro dos contribuintes na proteção da Floresta Amazônica nos últimos anos, e "seria importante que Berlim assumisse uma posição clara agora".

Stuenkel, por sua vez, acredita que atualmente a diplomacia simbólica é mais eficaz do que a crítica aberta: "A visita foi um bom meio-termo. E agora é preciso decidir se isso vai resultar numa visita oficial de escalão mais alto."

Afinal de contas, contemporizou o cientista político, a chefe de governo alemã, Angela Merkel, precisa se entender com todo, portanto, "dentro do possível, no geral a visita foi bem-sucedida".

 

 

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