Agora, com Chávez

Thais de Luna


Hugo Chávez desembarcou no início da noite de ontem, em Brasília, disposto a monopolizar os holofotes na cúpula extraordinária em que o Mercosul oficializa, hoje, o ingresso da Venezuela como quinto membro pleno do bloco — embora o Paraguai, um dos quatro fundadores, esteja suspenso. Antes de se dirigir ao Palácio da Alvorada para um jantar com a colega Dilma Rousseff, o presidente disse à imprensa venezuelana, na Base Aérea, que a entrada de seu país "completa a equação" do bloco, que se estende da Patagônia ao Caribe. Hoje, Chávez será o primeiro dos três convidados a chegar ao Planalto para a cúpula extraordinária que formaliza a adesão, embora a medida tenha efeito jurídico apenas a partir de 13 de agosto. Antes mesmo da reunião com a colega argentina, Cristina Kirchner, e o uruguaio, José Mujica, Chávez assinará com Dilma a compra de 20 aviões E-190 da Embraer.
 

Já na partida de Caracas, em uma longa coletiva de imprensa, o presidente acenou para os venezuelanos com a geração de 240 mil empregos, em decorrência da adesão, e prometeu um fundo de US$ 500 milhões para dar crédito a empresas estatais e privadas. "O Mercado Comum do Sul é bom para a classe média, para os agricultores, os camponeses e os trabalhadores em geral", festejou. Chávez não perdeu a oportunidade para provocar os Estados Unidos e apresentou a ampliação do bloco — possibilitada pela punição do Paraguai, cujo Congresso bloqueava a adesão — como um "fracasso da política externa norte-americana": "Por trás do entrave autoritário paraguaio, que se opôs de maneira irracional à nossa entrada, durante anos, estava a mão da diplomacia dos EUA".
 

Com o reforço da Venezuela, o Produto Interno Bruto (PIB) combinado do bloco passa a somar US$ 3,3 trilhões, que correspondem a 83,2% do PIB sul-americano. A população conjunta chega a 270 milhões de habitantes, ou 70% do total regional, com um território de 12,7 milhões de km² que se estende do Caribe à Patagônia. A despeito dos números, porém, controvérsias sobre o processo pelo qual o obstáculo paraguaio foi contornado e a própria trajetória de Chávez, questionado pelo autoritarismo e pelas quebras de contrato, podem dificultar a aproximação com outros países e blocos regionais.
 

Em reunião preparatória no Itamaraty, no fim da tarde de ontem, os chanceleres Antonio Patriota (Brasil), Hector Timmerman (Argentina), Luis Almagro (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela) discutiram os procedimentos técnicos para a adequação do novo parceiro. A Venezuela tem prazo de quatro anos para adotar a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e a Tarifa Externa Comum (TEC), que são os pilares da política comercial do bloco. Em relação à nomenclatura, os ministros negociam a antecipação do prazo para dezembro próximo.
 

Controvérsia
 

O analista norte-americano Christopher Sabatini, diretor de política do Conselho das Américas, não vê pontos positivos na ampliação do Mercosul. Na sua avaliação, o bloco está incorporando uma economia que se enfraqueceu nos últimos anos. Já Alcides Cunha Vaz, professor do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB), vê ganhos para o processo de integração sul-americano. "Além de ter o petróleo como base da economia, a Venezuela é um grande mercado de demanda, principalmente de bens manufaturados. Para o Brasil e para a Argentina, se tornará um grande destino de exportações", disse o estudioso ao Correio. Fernando Sarti, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. "A entrada venezuelana promoverá investimentos bilaterais entre os países-membros. Esse é o caminho para integrar, futuramente, os demais países andinos", estimou.
 

Sabatini, do Conselho das Américas, lembra que a Venezuela não tem uma estrutura econômica conforme à dos novos parceiros, por ser muito dependente de produtos importados. "Essa adesão transforma o Mercosul em um bloco político, em vez de econômico, principalmente porque Caracas não tem compromisso com o livre comércio, como os demais Estados", criticou.
 

"Qualquer integração tem bases políticas e econômicas, pois esses fatores andam lado a lado. A política não é apenas partidária e ideológica, mas feita o tempo inteiro", discorda Sarti. Para o economista da Unicamp, a ampliação do Mercosul deve ser analisada pelo impacto de longo prazo. "Governos passam, mas o Estado e as instituições permanecem."
 

Alto representante
 

Na reunião informal de chanceleres, iniciada às 17h30, o ex-secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Ivan Ramalho foi aprovado, por unanimidade, para tornar-se o alto representante-geral do Mercosul. O economista, que sucede o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ficará um ano e meio no cargo. A função do alto representante é atuar como interlocutor com outros blocos, nações, empresários e demais negociadores externos que queiram se aproximar do Mercosul.
 

Por trás do entrave autoritário paraguaio, que se opôs de maneira irracional à nossa entrada, durante anos, estava a mão da diplomacia dos EUA"
 

Paraguai critica politicagem
 

O presidente do Paraguai, Federico Franco, voltou a criticar o ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul. Franco, que assumiu o governo em 22 de junho, após o impeachment relâmpago de Fernando Lugo, afirmou que a decisão de ampliar o bloco teve fins políticos, para favorecer a reeleição de Chávez. "A Venezuela tem eleições em 7 de outubro e, por isso, querem dar um empurrão ao presidente", afirmou, citado pela agência de notícias IP Paraguay. Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Venezuelano de Análise de Dados (Ivad), no último dia 22, mostrou Chávez com 52,3% das intenções de voto, 20 pontos à frente do candidato da oposição, Henrique Carpiles Radonski.
 

Para o ministro paraguaio das Comunicações, Martín Sannemann, o Mercosul tirou do bloco o "irmão pobre", em referência ao seu país, para incorporar o "tio rico", que seria a Venezuela. O comentário complementou as declarações feitas no dia anterior por Franco, quando o presidente afirmou que o grupo tratava sua nação como "criança" por seu PIB representar apenas 7% do da Venezuela.
 

Nenhum representante de Assunção estará na cúpula de hoje, já que o país foi suspenso no mês passado, por suposta violação da ordem democrática na destituição de Lugo. Imediatamente após a suspensão, decidida em 29 de junho, na cúpula de Mendoza (Argentina), os presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai aprovaram o ingresso pleno da Venezuela. O Congresso paraguaio era o único que ainda não havia ratificado a ampliação do bloco, o que motivou críticas sobre as três nações terem aproveitado a suspensão para agregar Caracas. O Paraguai só deve voltar a participar dos encontros e das tomadas de decisão a partir de abril de 2013, após a eleição do novo presidente.
 

O economista Fernando Sarti, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que possam surgir conflitos surgir quando Paraguai e Venezuela estiverem ambos à mesma mesa de negociações, mas estima que as diferenças sejam resolvidas no próprio processo. Já Christopher Sabatini, diretor de Política do Conselho das Américas, nos Estados Unidos, ressalta que a presença venezuelana, além de enfraquecer economicamente e politicamente o Mercosul, pode dar origem a impasses de difícil solução. "Se isso ocorrer, questiono a sobrevivência e o futuro do bloco", afirmou.
 

"A Venezuela tem suas eleições em 7 de outubro e, por isso, querem dar um empurrão ao presidente"

Federico Franco, presidente do Paraguai

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