Relatório Otálvora: Venezuela, entre os movimentos dos EUA e da Rússia


 
EDGAR C. OTÁLVORA
@ecotalvora


A presença de militares russos na Venezuela foi analisada na reunião do ministro da Defesa brasileiro, Fernando Azevedo, com o secretário de Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, e o assessor de segurança, John Bolton.

Além de reuniões privadas no âmbito da ONU, pelo menos três conversas telefônicas e uma reunião pessoal entre altos representantes dos governos dos EUA e da Rússia ocorreram até o presente em 2019 para discutir a Venezuela . Na prática, o Departamento de Estado dos EUA transformou o governo de Vladimir Putin no parceiro de uma espécie de negociações não oficiais sobre o futuro da Venezuela.

Secretário de Estado Mike Pompeo e seu colega russo, Sergei Lavrov conversaram por telefone várias vezes, revelando que a crise venezuelana tornou-se rapidamente em um problema global em que Washington e Moscou assumiram papéis de liderança, enquanto a comunidade latino-americana perde espaço nas ações.

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Em sua conversa de 12FEV2019, Pompeo e Lavrov concordaram em continuar fazendo "consultas" sobre a "questão da Venezuela" na qual há um confronto aberto de posições enquanto os EUA apóiam e promovem uma mudança de governo na Venezuela enqunato Moscou tornou-se padrinho internacional do regime chavista. "Realizar consultas sobre a Venezuela com base nos princípios da Carta das Nações Unidas", rejeitando qualquer "interferência" dizem os russo conforme a sua chancelaria. Falar de uma "transição pacífica para a democracia que seria de interesse mútuo para os EUA e a Rússia" é a posição dos EUA, de acordo com o Departamento de Estado. Nessa conversa de 12FEV2019, a questão "Venezuela" foi um dos itens da agenda previamente acordada. 

A segunda conversa sobre a Venezuela entre os chefes da diplomacia dos EUA e a Rússia, no sábado 02MAR2019 foi feito durante uma troca de conversas telefônicas cuja agenda incluiu também as questões:  Coreia do Sul, Afeganistão e Síria. Como resultado dessa conversa o Departamento de Estado e do Ministério das Relações Exteriores russo começou a negociar os termos de uma reunião física de altos funcionários de ambos os países, a fim de trocar pontos de vista especificamente sobre a Venezuela. Esta iniciativa foi concluída, em 19MAR2019, quando para tratar do assunto Venezuela o Departamento de Estado enviou Elliot Abrams e ministério  russo das Relações Exteriores o Vice-Chanceler Sergey Ryabkov. Realizada em Roma a reunião durou duas horas que não teve qualquer declaração conjunta. 

Abrams disse à imprensa que "foi útil para nós entendermos que a Rússia considera a crise na Venezuela muito séria, ao contrário de Maduro" (…) "especialmente do ponto de vista econômico e humanitário". O americano ratificou a Riabkov que o governo de Donald Trump mantém "todas as opções sobre a mesa", mas que ele está privilegiando a "pressão política e econômica" para obter a saída de Maduro. O emissário russo disse em uma conferência de imprensa convocada por sua embaixada em Roma, em 19MAR2019, que a Rússia "está disposta a continuar o diálogo com os EUA, porque a gravidade da situação não nos permite um erro". Devemos entender as intenções de cada parte com a maior precisão possível. " A reunião em Roma teve a a importância de esclarecer as posições de cada um em relação à Venezuela.

A mais recente conversa telefônica entre Pompeo e Lavrov, ocorreu em 25MAR2019, na qual o "assunjo Venezuela" não era apenas um item da pauta. O Departamento de Estado realizou essa ligação telefônica porque Pompeo queria comentar à chegada de duas aeronaves militares com registro russo, no sábado, 23MAR2019, no aeroporto internacional de Maiquetía, arredores de Caracas. Um cargueiro Antonov An-124 e um avião de passageiros Ilyushin Il-62M, ambos da Força Aérea Russa, chegaram à Venezuela ostensivamente e deles desembarcaram funcionários russos, provavelmente militares, não identificados.

A chegada dessas aeronaves militares russas tornou-se um novo elemento no confronto entre os EUA e a Rússia sobre a Venezuela. A porta-voz do Ministério russo das Relações Exteriores Maria Zajárova e seu colega norte-americano Robert Palladino, os chanceleres Pompeo e Lavrov, altos funcionários dos EUA, como vice-presidente Mike Pence, o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e o enviado especial Elliot Abrams, todos fizeram declarações ou usaram o Twitter para se referir-se ao dia a dia da crise venezuelana. Desde janeiro do ano passado, a Rússia, Cuba e os próprios porta-vozes de Maduro denunciaram repetidamente os supostos preparativos dos EUA para uma invasão da Venezuela.

O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, em 20JAN2019, denunciou que a República Dominicana e Porto Rico, seriam usados como "plataformas para o planejamento e organização de operações de natureza ilegal e terrorista", enquanto em 22JAN2019, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo alegou que os EUA tinham enviado "Forças Especiais e técnicos militares", par regiões próximas da fronteira com a Venezuela, além do fato de que a OTAN estaria adquirindo armas e munições da "Europa Oriental" para serem entregues à oposição venezuelana. 

A tentativa frustrada da entrada da ajuda humanitária, em 23FEV2019, de acordo com o governo de Maduro, foi na verdade uma operação para a entrada de tropas dos EUA na Venezuela. As "advertências" de Moscou, Havana e do governo Maduro soaram como propaganda. O governo Trump, por outro lado tem negado sistematicamente que há preparativos bélicos relacionados à Venezuela. Mas o tema transformou-se em uma troca de dardos cotidiano e a presença ostensiva de “militares” russos, desde 23MAR2019, acirrou ainda mais as tensões.

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Em 31 de agosto de 2008, após retornar de uma viagem a Moscou, Hugo Chávez anunciou, em Caracas, que a Venezuela logo teria um sistema de mísseis antiaéreos com alcance de até 200 quilômetros. Um sistema com essas características é classificado como estratégico devido à enorme área de exclusão aérea que isso implica. Era o russo sistema Antey-2500, com lançadores móveis, mísseis e sistemas de radar móveis. Um dos modelos mais avançados (na época) da família de sistemas S-300. O sistema S-300 foi apresentado publicamente em Caracas, no desfile militar, de 19ABR2013 data em que o governo de Nicolás Maduro começou. 

Sistema Antey 2500 mais conhecido como S-300 desfila em Caracas


A Venezuela é o único país do continente que possui esse sistema antiaéreo e antimísseis. A venda destes sistemas estratégicos atendeu à aliança política e militar assinada em 2001, entre Chávez e Vladmir Putin, que ainda parece estar em vigor. No início da década passada, Chávez foi visto em Washington como uma excentricidade local, e não lhe deu a devida atenção, enquanto Moscou decidiu lidar com isso como uma janela de oportunidade de longo prazo em solo americano. As consequências podem ser avaliadas agora. De acordo com Elliot Abrams, disse em 29MAR19, parte das atividades da equipe russa que chegou à Venezuela estaria relacionada com os sistemas S-300, que segundo o diplomata norte-americano estariam “fora de serviço”.
 
A presença de altos dirigentes russos militares na Venezuela e, certamente, o pessoal técnico de assessoria, tem sido habitual nas últimas duas décadas, além de programas de treinamento para funcionários, operadores de armas, tais como carros de combate, sistemas antiaéreos e aviões de combate, bem como técnicos venezuelanos na Rússia ou na Bielorrússia e a participação repetida de militares venezuelanos em competições de guerra promovidas por Moscou.

Como exemplo, em 15ABR2015, o Exército Venezuelano como parte do "Exercício Maisanta 2015" realizou testes de fogo real dos sistemas antiaéreos Pechora 2M e Buk de fabricação russa. O exercício ocorreu, em San Carlos del Meta, uma cidade ribeirinha no rio Meta que serve de fronteira à Venezuela e à Colômbia, estava presente o general russo Alexandre Dragovaloski. Quatro anos depois, nas manobras "Bicentenario de Angostura 2019", os militares venezuelanos acionaram uma bateria antiaérea Buk-M2E, segundo as agências de notícias russas. A agência Sputnik, que geralmente divulga os sucessos das armas russas na guerra na Síria, twittou a notícia em 16FEV2019, sobre o teste do sistema de defesa aérea Buk na Venezuela. A Rússia é um dos maiores fabricantes e vendedores de armas do planeta e agências de notícias oficiais operam, entre outras funções, como promotores das novidades oferecidas para exportação  pela estatalRosoboronexport S.A.

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Os governos da Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia, na sua qualidade de membros da Grupo de Lima expressaram "preocupação pela chegada de dois aviões militares russos à República Bolivariana da Venezuela e, nesse sentido, reiteram sua condenação a qualquer provocação ou desdobramento militar que ameace a paz e a segurança na região, em 26MAR2019.

" Note-se que na lista de países signatários existem três áreas fronteiriças com a Venezuela. O ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo, referiu-se à chegada de aviões russos como "uma incursão militar em território venezuelano que não teve autorização da Assembléia Nacional". Donald Trump exigiu a retirada dos militares russos, em 27MAR2019, enquanto recebia a esposa de Juan Guaidó, na Sala Oval da Casa Branca. A presença de militares russos na Venezuela foi analisada nas reuniões do ministro da Defesa brasileiro, Fernando Azevedo, em 26 de março de 1919, em Washington, com o secretário de Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, e o conselheiro de segurança, John Bolton. Em 29 de março, Elliot Abrams, em uma coletiva de imprensa no Departamento de Estado, alertou que "é um erro os russos pensarem que têm liberdade aqui". 

O Embaixador Bolton, por sua vez, distribuiu no mesmo dia, uma declaração na qual ele advertiu "fortemente para atores fora do Hemisfério Ocidental contra a implantação de meios militares na Venezuela ou em outras partes do hemisfério, com a intenção de establecer ou expandir as operações militares" e complementou que “considerava tais ações provocativas como una ameaça direta à paz e à segurança internacional na região".

As respostas da Rússia ficaram nas mãos da porta-voz María Zajárova, segundo a qual "não há necessidade de aprovação adicional pela Assembléia Nacional da Venezuelapois as ações estão conformes o estabelecido naacordo de cooperação militar bilateral, de Chávez e Putin, assinado em maio de 2001.

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Guillermo  A. Cochez é um renomado político panamenho que chamou a atenção continental por sua atuação em favor da democracia venezuelana na sua qualidade de Embaixador, Representante do Panamá junto à OEA, entre 2009 e 2013, quando por pressões evidentes do governo de Chavista foi demitido. Sua passagem pela OEA foi devidamente documentado em seu livro "loucuras de um inconveniente diplomático", publicado em 2017. Concorre agora a uma vaga de deputado na Assembléia Nacional nas eleições gerais previstas para 05MAI2019. Cochez é membro do Partido Popular Social Cristão, no circuito 8.8, da Cidade do Panamá.

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Decisões editoriais do Diario Las Américas modificaram a periodicidade do surgimento do Relatório Otálvora. No futuro, o Relatório Otálvora não circulará mais semanalmente e só aparecerá duas vezes por mês.

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