Segurança Pública – O modelo militar adotado pelo Brasil novamente em debate

 

André Luís Woloszyn
Analista de Assuntos Estratégicos


Muito antes da promulgação da chamada Constituição Cidadã de 1988 já se questionava a existência das polícias militares com relação a suas características militares e sua aplicabilidade  na segurança pública no Brasil. Na oportunidade, um grupo de parlamentares chegou  a cogitar excluí-la do art.144, inciso V, o que significaria um passo decisivo para  sua extinção. Em 1990, o assunto ressurge com a polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada pelo então Deputado Federal, Hélio Bicudo/PTSP, construída no mesmo sentido.

Sua exposição de motivos expressava que o cenário havia se modificado  radicalmente com o fim da bipolaridade mundial ocasionado pelo término da guerra fria e o conceito de inimigo interno desaparecera assim como a necessidade de grandes mobilizações de tropas de pronto emprego, motivo pelo qual, as polícias militares chegaram ao patamar de tropa auxiliar reserva do Exército brasileiro. Era baseada, também, no conceito universal de que a violência e a criminalidade são fenômenos sociais que não podem ser tratados por uma percepção militar, de um inimigo a ser combatido e aniquilado, tese natural em conflitos bélicos entre países beligerantes. A proposta não prosperou assim como o movimento de desmilitarização  mas, a partir de então, o tema vem surgindo constantemente, apoiado por importantes setores da sociedade brasileira, incluindo organizações internacionais de direitos humanos.

Ainda nesta década, diversos episódios de violência envolvendo as polícias militares com repercussões internacionais iriam criar mais adeptos da teoria da desmilitarização. Entre estes, os lamentáveis  massacres do Carandirú, em São Paulo, onde 111 detentos resultaram mortos pela tropa de choque da PM em outubro de 1992,  da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, onde oito pessoas, dentre estas, seis menores, seriam mortos por policiais militares em julho de 1993 e o de Eldorado de Carajás, no estado do Pará, onde 17 integrantes do Movimento Sem Terra (MST) seriam mortos em abril de 1996. 

Logo em seguida a este último episódio, em 1997, é elaborado um novo projeto de emenda constitucional que sugeria uma nova configuração para a polícia brasileira, defendendo a tese de unificação das duas polícias, militares e civis, em uma organização policial única. Este trabalho serviu de base para a elaboração de duas outras PEC que tramitam no Congresso Nacional, a PEC 430/2009  do então Deputado Federal Celso Russomano que prevê a unificação  e a  PEC 102/11 de autoria do Senador Blairo Maggi, PR/MT, que além da desmilitarização a critério dos Estados,  também prevê a unificação das polícias.

Neste interim, surgiram outros movimentos liderados por organizações não-governamentais (ONG) com este mesmo objetivo, acusando o Governo Federal de estar militarizando a segurança pública por conta da utilização das Forças Armadas em operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, atividades que antecederam a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

A própria Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2012, editou um relatório contendo 170 recomendações referentes a adoção de políticas de direitos humanos a seus países membros, entre as quais, a extinção das PMs, como forma de reduzir a violência praticada por grupos de extermínio que foi prontamente rechaçada pelas autoridades brasileiras.

Com as grandes manifestações de rua, ocorridas em junho de 2013, e por conta de  possíveis  excessos cometidos por parte de algumas das polícias militares na repressão contra os manifestantes, o assunto da desmilitarização retorna novamente ao debate.

Por outro lado, muitos especialistas defendem que o caos na ordem pública no país ainda não foi estabelecido em razão do trabalho das  PMs. Houve inúmeros avanços no sentido de torná-la uma polícia mais cidadã como a exigência de curso de bacharelado em Direito para ascender ao oficialato, abandono de antigos métodos empregados na instrução dos novos integrantes além de maior  flexibilização na disciplina. Embora a exigência do 2º grau para ingresso, parte significativa dos escalões mais baixos da hierarquia possuem formação superior ou estão em curso, o que facilita a compreensão do fenômeno da violência e criminalidade, consequentemente, a maneira de abordagem deste sob a ótica policial.  

Sem dúvida, a questão é de grande polêmica e extremamente delicada que não pode ser resolvida apenas com o poder da caneta. E neste contexto, como é natural, a população se divide em satisfeitos e insatisfeitos. O primeiro grupo, quando tem suas necessidades e interesses atendidos de pronto e o segundo, quando frustrados por  alguma expectativa ou direito que julgava ser seu.

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