O Brasil e as “potências emergentes”

José Luís Fiori*

Considerar a China uma "potência emergente" é no mínimo um descuido etnocêntrico ou um grave erro histórico; mas no caso da Rússia, é uma tentativa explícita de diminuir a importância de uma nação que assombra os europeus, desde que os soldados de Alexander Nevsky derrotaram e expulsaram do território russo, os cavaleiros teutônicos germânicos e suecos, na famosa Batalha do lago Chudskoie, em 1242. E que no século XX alcançou em poucas décadas a condição de segunda maior potência econômica, militar e atômica do mundo. Apesar disto, se tornou um lugar comum colocar esses dois países na categoria das "potências emergentes", ao lado da Índia e do Brasil, e a própria África do Sul acabou sendo incluída na produção midiática do Brics

A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico desses cinco países é considerável. Juntos, governam cerca de 3 bilhões de seres humanos, quase metade da população mundial, e desde 2003 o crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB mundial. O produto interno bruto desses países já é de cerca de U$ 29 trilhões, ou seja, 25% do PIB mundial, e já é superior ao dos EUA, e da União Europeia, tomados isoladamente, pela paridade do "poder de compra".

A formação de um grupo de cooperação diplomática e econômica, e a existência de um fluxo comercial e financeiro significativo dentro deste grupo de países é um fato novo e pode vir a ser a base material de algumas parcerias setoriais e localizadas entre todos ou alguns deles. Mas não é suficiente para justificar uma "aliança estratégica" entre estes cinco países que ocupam posição de destaque nas suas regiões pelo seu tamanho, território, população e economia, mas são muito diferentes do ponto de vista de sua inserção internacional, geopolítica e econômica.

Logo depois da dissolução da União Soviética, e durante toda a década de 90, muitos analistas vaticinaram o fim da grande potência eurasiana. Mas a Rússia já foi destruída e reconstruída muitas vezes por meio da sua história milenar. Por sua vez, China e Índia controlam um terço da população mundial, possuem 3.200 quilômetros de fronteiras comuns, possuem arsenais atômicos e sistemas balísticos de longo alcance, e já se enfrentaram em várias guerras.

Brasil tem potencial de projeção internacional de sua influência maior que o dos africanos, dos russos e dos asiáticos

Dentro do xadrez geopolítico asiático, China e Índia disputam várias zonas de influencia sobrepostas, e possuem algumas alianças regionais antagônicas. Por sua vez, Brasil e África do Sul compartem com os gigantes asiáticos o fato de serem as economias mais importantes de suas respectivas regiões e de serem responsáveis por uma parte expressiva do produto e do comércio da América do Sul e da África.

Mas os dois países não têm disputas territoriais com seus vizinhos, não enfrentam ameaças externas imediatas a sua segurança e não são potências militares relevantes. Mesmo assim, o Brasil é mais extenso, populoso, rico e industrializado do que a África do Sul, dispõe de recursos estratégicos, tem capacidade para ser auto-suficiente do ponto de vista alimentar e energético e possui uma importância e uma projeção regional, política e econômica dentro da América do Sul, muito maior do que a da África do Sul dentro do continente africano. E por isto também, o Brasil também tem, no médio prazo, um potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influência muito maior que a dos africanos, e talvez, mais desimpedida ou desbloqueada do que a dos russos e dos asiáticos.

Nas próximas décadas, o mais provável é que a Rússia tente reverter suas perdas depois do fim da Guerra Fria, e se proponha um imediato retorno ao núcleo central das grandes potências, deixando de ser "potência emergente". Enquanto a China tende a se afastar de qualquer aliança que restrinja sua ação no tabuleiro internacional, já na condição de quem participa diretamente da gestão econômica do poder mundial. Por sua vez, a Índia não tem nenhuma perspectiva nem projeto expansivo global e deve se dedicar cada vez mais ao seu "entorno estratégico", onde a expansão da China aparece como sua principal ameaça regional.

Comparado com estes três "países continentais", o Brasil tem menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar do que a Rússia e que a Índia. Mas ao mes mo tempo, o Brasil é o único destes países que está situado numa região onde näo enfrenta disputas territoriais com seus vizinhos e, por isto, é o país com maior potencial de expansão pacífica, dentro da sua própria região. Por último, o Brasil, mais do que a África do Sul, deve manter e ampliar sua posição de Estado relevante, dentro do sistema mundial, mas com pouca capacidade ainda de projetar seu poder fora do seu "entorno estratégico" durante as próximas décadas.

Somando e subtraindo, a categoria das "potências emergentes" pode gerar iniciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que este grupo perca coesão e eficácia, na medida em que o século XXI for avançando, e que cada um destes cinco países seja obrigado a tomar o seu próprio caminho, mesmo na contramão dos demais, na luta pelo poder e pela riqueza mundial.

*José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

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