Os fins não justificam os meios

 

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O editor

Ilona Szabó de Carvalho

Diretora-executiva do Instituto Igarapé, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade Uppsala (Suécia)

 

O Rio de Janeiro está em guerra? Para muitos a resposta é sim. Uma guerra não convencional que teve mais um capítulo quando o helicóptero da Polícia Civil —o caveirão voador— foi usado no Complexo da Maré, em operação que deixou sete mortos, suspeitos e inocentes. A área do confronto incluía uma escola, que ficou com pelo menos cem buracos de balas.

Amigos de Marcos Vinicius da Silva, 14, morto após levar um tiro em operação da polícia a favela da Maré, no Rio – Mauro Pimentel – 21.jun.2018/AFP

Entre os mortos da operação em horário escolar, havia um estudante de 14 anos, a caminho da sala de aula. Suas últimas palavras ainda ressoam: "Mãe, tomei um tiro. Eu sei quem atirou em mim, eu vi. Foi o blindado.

Desde o início da intervenção federal, em fevereiro deste ano, estima-se que 444 civis foram mortos pela polícia —34% a mais que no mesmo período no ano anterior. É urgente falar sobre isso e frear o aumento.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) é a área do direito que rege os conflitos armados internacionais e guerras civis e define as regras sobre o comportamento aceitável, ou não, nessas situações.

Seus princípios foram desenhados para evitar sofrimento desnecessário e, ao mesmo tempo, não impedir a guerra. No âmbito do DIH, um conflito armado não internacional se refere a situações onde um Estado combate um ou mais grupos armados ilegais, ou onde tais grupos travam combate entre si.

Alguns especialistas defendem que os princípios do DIH se aplicam a situações como a do Rio de Janeiro. Apesar das diferenças conceituais e legais, o DIH oferece ideias práticas sobre como minimizar os custos humanos da violência organizada no Rio de Janeiro e em outras cidades com situação similar.

A proteção de civis é aplicada em todas as circunstâncias, mesmo que a guerra não tenha sido formalmente declarada.

Assassinatos e execuções sumárias são proibidos, assim como a tortura e qualquer outro tratamento humilhante e degradante. A população civil —ferida, cercada ou detida— deve ser tratada com humanidade em todos os momentos.

Instalações de saúde e educação devem ser mantidas estritamente fora dos limites dos confrontos —uma garantia relativa a crianças, feridos e doentes que tem sido flagrantemente desconsiderada no Rio.

A aplicação formal do DIH a situações como a do Rio traria consequências políticas, tanto estratégicas como táticas.

Isso porque a adoção de tais regras pode influenciar a forma como os governos decidem "combater" as facções armadas, precipitar respostas militarizadas, incluindo o desdobramento de tropas ou até mesmo a intervenção por atores externos.

Pode levar à decretação de emergências e à suspensão de liberdades civis, e excluir iniciativas mais apropriadas para esse tipo de cenário complexo.

Violações do DIH também têm potenciais implicações judiciais. O assassinato de inocentes, tortura e tratamento desumano —incluindo confinamento ilegal e destruição e apropriação injustificada de propriedade— podem ser considerados crimes de guerra ou contra a humanidade. E, em casos extremos, essas ações podem ser encaminhadas para o Tribunal Penal Internacional.

Apesar do sofrimento dos habitantes de áreas conflagradas no Rio de Janeiro, é difícil aplicar o conceito oficial de guerra ou conflito armado.

A situação de violência crônica demanda ações no âmbito da segurança pública e Justiça criminal, que incluem prevenção e repressão inteligentes e respeito ao devido processo legal.

Mesmo assim, as normas de DIH podem inspirar ações concretas e reforçar as garantias constitucionais e regras de direitos humanos vigentes no que tange a proteção de civis.

Todos queremos a redução da criminalidade no Rio e no Brasil, mas a proteção de vidas humanas, em especial de crianças e adolescentes é prioridade. Os fins não justificam os meios.

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