A manipulação do discurso

Cel R/1 Antônio Machado Lamas
 

Dependendo da época em que nascemos e do nível de interesse, encaramos a tecnologia de modo diferente. Há os essencialmente analógicos, acostumados ao modo anterior ou avessos à tecnologia por qualquer motivo. Há os que vivenciaram o “boom” dos computadores pessoais, no início da década de 90, e se adaptaram. E há os que já nasceram na época digital.

O fato é que com o surgimento dos computadores pessoais, a internet e a popularização dos meios eletrônicos, a forma de encarar a notícia mudou. É possível adaptar-se aos novos tempos ou simplesmente vê-los passar. Antes eram o rádio, o jornal e a televisão. Desde seu surgimento, até hoje, nas ondas do rádio, uma notícia se propaga de modo imediato, caracterizando-se por possuir grande penetração nos lares, principalmente os mais afastados dos grandes centros.

Na televisão, salvo nos casos de grave comoção que causam interferência imediata na grade de programação, a mesma notícia chega via telejornais nos horários pré-programados. Nos jornais, a notícia “de agora” somente amanhã estará nas bancas. Em todos esses veículos de comunicação, há a interferência do repórter, do editor, do editor-chefe e, em alguns casos, da própria direção da empresa.

Os vários níveis de avaliação de uma mesma notícia estabelecem a postura da empresa, resguardam seus interesses e propagam a sua forma de encarar o mundo, ditando, ao fim desse processo, as técnicas e palavras com as quais a notícia será expressa.

Como as fontes de informação eram poucas, as notícias eram tidas como verdades, com difícil contestação. A expansão da rede mundial de computadores, em meados dos anos 90, mudou muita coisa.

A notícia que nos surpreenderia somente mais tarde nos noticiários, ou que pagávamos para ler nos jornais no dia seguinte, passou a estar disponível praticamente na hora em que estava acontecendo, gratuitamente na maioria dos casos. Isso revolucionou o consumo da informação. Primeiro, porque a velocidade passou a ser outra, muito maior.

Ganha audiência aquele meio que divulga primeiro. Segundo, porque aumentou em muito o número de fontes disponíveis, com várias leituras sobre um mesmo fato.

Diferentes análises dão ao leitor um espectro mais amplo da mesma informação, não restrita apenas à visão de mundo de determinada editoria. Algo ocorrido em um país passou a ser analisado mais amplamente sob a ótica interna, por meio de consultas a fontes nacionais, assim como em sites de outros países, medindo a repercussão internacional.

A mudança nos hábitos de consumo levou jornais e revistas a perderem força gradativamente. Vários meios faliram ou precisaram se reinventar para convencer o leitor a continuar pagando pela informação. Com a expansão do volume e da velocidade dos dados na internet (banda larga), surgiram o streaming (transmissão de informação multimídia) e o conteúdo on demand (por demanda).

Ao invés de ouvir uma notícia ou de assistir a algo que não nos interessa, muito comum em rádios, canais de TV e CDs, passamos a ter o poder de escolher o que consumir, gratuitamente ou não. Para assistir a um filme, basta escolher, pagar e ter acesso pela TV, celular ou outro meio disponível.

Essa possibilidade também explica o surgimento e sucesso de fenômenos como o Youtube, Spotfy, NetFlix e outros canais on line similares. Não por acaso, muitos jovens de hoje não se interessam por canais de televisão e rádio, pagos ou não, porque não tinham o hábito de utilizá-los e porque a web simplesmente supriu essa lacuna de modo muito mais efetivo e atraente.

Não raro, os campeões de acesso possuem mesmo perfil e mesma linguagem do expectador. Muitas vezes são produzidos por jovens que utilizam muito mais a criatividade do que recursos financeiros. É o fazer mais com menos: “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, como dizia Glauber Rocha. De modo paralelo, as mídias sociais conquistaram o mundo.

Manter-se virtualmente próximo, ainda que afastados fisicamente, e interagindo com seus afins em grupos virtuais, é a onda do momento. Há grupos para praticamente todos os tipos de interesses. Não raramente, essa união sobre um tema ou uma linha de pensamento nega outras realidades, muitas vezes com intolerância e severas consequências.

Amizades do mundo real já foram desfeitas no mundo virtual por discordância de pontos de vista. Coisas que não seriam ditas olhando nos olhos do outro, são escritas sem pudor e lançadas na rede. Reputações de pessoas ou instituições rapidamente podem ser construídas ou enfraquecidas.

Uma vez tornado público um fato, não há como apagá-lo da web, nem tampouco esperar que caia no esquecimento ou que envelheça. Basta pesquisar e estará lá. E assim, a forma anônima, muitas vezes irresponsável de expor posicionamentos ou fatos, tem sido outro ponto que tem pesado.

Nos dias atuais, a informação e a desinformação (fake news) têm sido largamente utilizadas. Sem querer, porém, as redes sociais ajudaram a continuar tirando o mundo da notícia da sua zona de conforto. Sim, mas e a notícia, como ficou? Quem antes apenas consumia conteúdo, agora passou a interagir ou produzi-lo.

Quem antes não tinha voz nem ferramentas para difundir ideias sem pagar, passou a perceber que o mundo estava ao alcance de suas mãos. Antes o repórter ia até um local para cobrir um fato para ser divulgado mais tarde. Hoje, quem está próximo ao acontecimento rapidamente grava, fotografa e informa do seu jeito e na sua linguagem.

Essa interação, mais espontânea e imediata, traz a sensação de menor interferência externa na notícia, tornando-a mais natural e crível. Um mero smartphone, hoje popularizado, é uma ferramenta poderosa se usada corretamente para o bem ou para o mal. Basta escolher. Inegavelmente, o poder da informação vem mudando de lado.

Antes, apenas consumíamos informação, sem muitas opções. Hoje, além de poder escolher o conteúdo que mais agrada e o momento adequado para obtê-lo, também é possível avaliar a credibilidade das fontes disponíveis, confrontando-as. O poder de resposta, antes concentrado apenas nas mãos da imprensa, não à toa denominada de “quarto poder”, agora ganha força, disseminando-se rapidamente nas mídias sociais.

Em dias como hoje, para não ser manipulado por um volume tão grande de “verdades” lançadas na web, é preciso estar atento às sutis leituras e ao viés daquilo que está disponível. A mensagem subliminar trata daquilo que é produzido por alguém, de forma consciente, para que seja assimilado por outrem, de modo inconsciente.

Está lá, todos veem, mas a maioria não percebe o algo a mais… Por exemplo, as propagandas de uísque em que a bebida aparece num copo com gelo. O gelo no copo da propaganda jamais possui bolhas como aquele que fazemos em casa. Isso porque, na maioria dos casos, não se usa gelo (substituído por vidro ou plástico) ou a imagem foi deliberadamente tratada. Igualmente, são usadas cores quentes.

Além da beleza estética da imagem, quem a vê, implicitamente, também absorve a ideia de pureza e de sabor, associando-a positivamente àquela marca. O mero observador viu tudo isso e absorveu, mas talvez não tenha percebido o quanto de trabalho foi colocado para que tivesse uma boa primeira impressão.

Com a notícia é o mesmo. O fato de poder escolher onde, quando e como pesquisar um assunto deu mais poder ao consumidor. Várias são as fontes disponíveis sobre um mesmo tema, nacionais ou internacionais. Da mesma forma que na propaganda, é preciso estar atento às percepções.

Ler em vários sites, revistas e jornais ajuda a obter mais informações para se formar uma ideia mais ampla. Muitos veículos de comunicação pertencem a um mesmo grupo empresarial. Ainda que possuam públicos-alvo diversos, dificilmente terão uma tendência editorial diferente.

É necessário pensar em quais pontos focar. Reler, atentamente, analisando a escolha das palavras empregadas. Ao extrair a informação, avaliar, conscientemente, se aquilo que foi repassado tem viés positivo ou negativo. Sempre há uma tendência.

Qual a intenção do autor, apenas noticiar ou influenciar? É preciso estar atento, pois corações e mentes podem ser facilmente alimentados com informações erradas para que uma decisão inconsciente seja deliberadamente tomada. Os tempos, definitivamente, são outros. A forma de comunicar mudou. Temos hoje muito mais informações disponíveis do que antes.

Mais ferramentas para avaliar corretamente os fatos e chegar, de modo independente, a uma conclusão próxima da realidade. Não devem ser deixadas de lado as diferentes nuances de uma mesma notícia, os interesses dos diversos grupos envolvidos na sua divulgação e as armadilhas implícitas. Só assim será possível ganhar conhecimento, formar opinião e interagir escapando dos perigos da manipulação das massas.

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