O século XXI e a arte da guerra: a defesa da coesão nacional

TC Daniel Mendes Aguiar Santos¹

Este artigo trata da evolução do cenário mundial pós-Guerra Fria e da sua influência na ‘arte da guerra’, evidenciando o potencial da ‘guerra híbrida’ para a erosão da coesão nacional. Parte-se da premissa de que a política é a ferramenta que dirige o poder no Estado, no intuito de atingir os interesses nacionais, tendo a guerra como instrumento de contingência para o uso legítimo da força. Contudo, o uso da força não se restringe à violência física, podendo alcançar a violência econômica, psicológica, diplomática, etc. (Clausewitz, 1976; Bobbio, 1987).

A guerra sustenta-se pela concreção de uma trindade: a mobilização do povo, a organização da força militar e a direção política. Com a sinergia dessas forças, o Estado enfrenta a ‘fricção’ e a ‘névoa da guerra’, conceitos clausewitzianos, que representam os óbices e as incertezas nos conflitos. O core da trindade está na ‘coesão’.

Tal vocábulo reúne quatro significados: aderência; união; qualidade de uma coisa em que todas as partes estão ligadas umas às outras; e harmonia (Priberam, 2019). Sociologicamente, a coesão é o meio pelo qual os indivíduos mantêm-se integrados a um grupo social, compartilhando crenças, ideias, objetivos e ações. Sua antítese é a desintegração social, causa da extinção do grupo social (Bodart, 2016).

Historicamente, a guerra mostra-se em constante evolução (Lind, 2004). Em uma 1ª geração, estão as guerras baseadas no princípio da massa, travadas desde a Paz da Vestefália (1648) até a Guerra Civil Americana (1861), com destaque à concentração de soldados em linhas sucessivas.

A seguir, a 2ª geração reúne as guerras centradas no poder de fogo e no combate linear, adotada pela França, durante e após a 1ª Guerra Mundial. Na 3ª geração, estão as guerras baseadas no movimento e na manobra, com o amplo emprego de blindados, aviões e rádio. A Alemanha foi a precursora dessa vertente, antes e durante a 2ª Guerra Mundial, enxergando a não linearidade na batalha.

Isto posto, cabe evidenciar que após a Guerra Fria, a bipolaridade deu lugar a um cenário complexo, deflagrando reajustamentos: Guerra do Golfo, Guerra Civil Iugoslava, guerras na África e conflitos no antigo espaço soviético. Pari passu, os anos 1990 foram palco do encurtamento das distâncias (com a evolução das comunicações e transportes), da intensificação da internacionalização da economia e da percepção do conhecimento como matéria-prima. Logo, o processo da globalização foi acelerado, promovendo a conectividade mundial por meio de uma ‘Revolução Informacional’. Contudo, o ideário da globalização foi impactado pelos atentados terroristas de 11 de setembro (2001) e, a seguir, degradado com o curso das Guerras no Afeganistão (2001), no Iraque (2003) e na Síria (2011).

Neste recorte, observou-se a ascensão de uma 4ª geração, guerras que evidenciam a relevância da tecnologia na composição do poder militar (computador, internet e robótica), alcançando os domínios cibernético e espacial. Ainda, a 4ª geração foi caraterizada pelo robustecimento de organizações terroristas e criminosas, que passaram a desafiar os Estados, arrastando a batalha para uma fricção assimétrica/irregular e implicando no fim do monopólio estatal sobre a guerra.

A seguir, a Guerra da Síria (2011) e a Guerra contra o ISIS (2014) passaram a evidenciar espécies de conflitos que transcendem os espaços geográficos e alcançam fronteiras virtuais, cibernéticas e sociais. Tornou-se recorrente a dualidade advinda da alternância de cenários de ‘guerra’ e ‘não guerra’, além da presença de atores transnacionais no espaço de batalha. Assim, com ou sem o patrocínio do Estado, a capacidade e a letalidade de grupos armados não estatais têm aumentado e, inevitavelmente, instigado modelos de guerra não tradicionais.

Atualmente, enxerga-se uma guerra de 5ª geração, que avança a tecnologia da 4ª geração (drones, biotecnologia e nanotecnologia) e apresenta o uso da ‘guerra híbrida’ como um catalizador, conjugando capacidades convencionais, táticas de guerra regular/irregular, ações terroristas, coerção e indução da violência. A ‘guerra híbrida’ tem sido ativada tanto por Estados quanto por atores não estatais capazes de mobilizar o aparto necessário. Em particular, as forças clandestinas de uma ameaça híbrida não podem ser alcançadas por leis internacionais, impossibilitando a limitação da violência e, portanto, ampliando a sua liberdade de ação (Hoffman, 2007).

Esta dinâmica tem alterado as relações de poder tanto de atores conhecidos (ONU, OTAN, e ONGs) quanto dos novos players (crime organizado transnacional, grupos terroristas, movimentos radicais e mercenários). Logo, os Estados passaram a lidar com o robustecimento de organizações clandestinas, crises humanitárias e, principalmente, com ações de erosão que visam degradar a coesão e relativizar a soberania nacional. Sob este ângulo, a ‘guerra híbrida’ nos remete aos escritos de Sun Tzu – ‘A Arte da Guerra’. Nas suas reflexões, o estrategista chinês apresenta “a arte de semear a discórdia”, evidenciando que o principal segredo para vencer consiste em semear a divisão: nas cidades; no exterior; entre inferiores e superiores; de morte; e de vida.

No Brasil, a Política Nacional de Inteligência (2016), atenta ao cenário do século XXI, identificou 11 ameaças à segurança nacional, dentre elas: ações contrárias à soberania, ataques cibernéticos, corrupção, criminalidade organizada, interferência externa e terrorismo. A resposta a tais ameaças vem da conjugação dos meios da nação, acionados pela vontade nacional, na forma do Poder Nacional, integrando as expressões política, militar, econômica, psicossocial e científico-tecnológica. Para isso, a coesão nacional é a amálgama que capacita a obtenção e a manutenção dos objetivos nacionais (ESG, 2009).

Neste sentido, cabe destacar a Diretriz de Comandante do Exército, de 2019, que estabeleceu como primeira premissa “o fortalecimento da imagem do Exército como instituição de estado, coesa e integrada à sociedade”. Neste esforço, o lema do Exército, ‘Braço Forte, Mão Amiga’, é uma ferramenta informacional ímpar para o fortalecimento diuturno da coesão nacional, seja na defesa ou no desenvolvimento do Brasil.

Como conclusão, cabe enxergar que contrariamente às realidades universais da guerra, a sua natureza subjetiva sempre muda, em diferentes ritmos e épocas, indicando que “a guerra é mais do que um verdadeiro camaleão” (Clausewitz, 1976). Portanto, o estudo diuturno da ‘arte da guerra’ é crucial para a defesa do maior capital que um Estado pode ter – a coesão nacional. Fé na missão!

Referências

BOBBIO, N. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

BODART, Cristiano das Neves. O conceito de coesão social. Blog Café com Sociologia. Agosto, 2016. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/para-entender-de-uma-vez-o-que-e-coesao-social. Consultado em: 06 maio 2019.

BRASIL. Decreto Presidencial nº 8.793, de 29 de junho de 2016. Fixa a Política Nacional de Inteligência. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 jun. 2016.

CLAUSEWITZ, C. On War. Princeton: Princeton University Press, 1976.

DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA PORTUGUESA. ‘coesão’. [on line] 2019. Disponível em: https://dicionario. priberam.org/coes?o. Consultado em: 06 maio 2019.

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico: assuntos específicos. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, v. 3, 2009.

EXÉRCITO BRASILEIRO. Diretriz do Comandante do Exército. Gen Ex Edson Leal Pujol. 2019. Disponível em: http://www.eb.mil.br/. Consultado em: 06 junho 2019.

HOFFMAN, F. G. Conflict in the 21st Century: the rise of hybrid wars. Arlington: Potomac Institute for Policy Studies, 2007.

LIND, W. S. Understanding fourth generation war. Military Review, Fort Leavenworth, v. 84, n. 5, p. 12, set. /out. 2004.

SANTOS, Daniel Mendes Aguiar et al. A arte da guerra no século XXI. Coleção Meira Mattos: Revista das Ciências Militares, Rio de Janeiro, v. 13, n. 46, p. 83-105, abr. 2019.

TZU, Sun. A arte da guerra. Tradução de Sueli. Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM Editores, 2006.

¹TC Daniel Mendes Aguiar Santos – Atualmente, o Tenente-Coronel de Cavalaria Daniel Aguiar é aluno do Korean Defense Language Institute (Coreia do Sul, 2019). Anteriormente, foi Instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Rio de Janeiro, 2018) e Comandante do 10º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado (Recife, 2014-2015). Junto às Nações Unidas, desempenhou as funções de Observador Militar (Sudão, 2011) e de Oficial de Treinamento/Proteção de Civis (Sudão do Sul, 2012). Ademais, é Doutor em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos/ECEME (Rio de Janeiro, 2016-2018).

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