Temer deve assinar 11 contratos na China, incluindo Petrobras e Embraer

Gabriela Valente
 

No primeiro compromisso oficial após ser efetivado no poder, o presidente Michel Temer fará cinco discursos na China para mostrar que houve uma guinada política e econômica no país. Na reunião do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), ele ressaltará as diferenças em relação ao governo passado, tanto no controle das contas públicas e da inflação quanto na retomada do crescimento.

Já na agenda preparada exclusivamente para azeitar as relações do Brasil com os chineses, nos níveis empresarial e de Estado, Temer e a equipe de ministros que o acompanham nessa jornada assinarão 11 atos, aos quais O GLOBO teve acesso. São negócios bilionários, como a venda de 50 aviões da Embraer, investimentos de US$ 1 bilhão na Petrobras, construção de um grande terminal de cargas e uma siderúrgica no Maranhão e até a venda para o chineses da participação da Camargo Correa na CPFL Energia, por US$ 1,83 bilhão.

Com esses acordos, Temer quer marcar uma nova fase de entradas de recursos no Brasil e reativação da economia. No entanto, terá de dar várias justificativas sobre a cena política e refutar a ideia de golpe. E ainda enfrentará temas complicados, como o reconhecimento da China como economia de mercado.

A agenda do presidente é extensa. No primeira sessão de trabalho, no domingo (4 de setembro), ele admitirá aos demais chefes de Estado que o desafio mais urgente do país é fiscal. No discurso, prometerá ao mundo que o gasto público no país não terá crescimento real nos próximos 20 anos por causa da emenda constitucional que está no Congresso Nacional.

Sem citar diretamente a ex-presidente Dilma Rousseff, ele alfinetará o antigo governo. Falará que, agora, o Banco Central tem atuado de forma decisiva para trazer a inflação para o centro da meta, o que não ocorreu em “anos recentes”. Dirá também que uma ambiciosa agenda de reformas estruturais está em curso e que o que já foi feito mudou radicalmente as expectativas, o que mexe com a economia.

O presidente afirmará que o Brasil já vive, hoje, uma alta do nível de confiança dos agentes econômicos, queda no custo de financiamento externo, redução de risco país, o aumento do fluxo de dólares e de investimento e também ressaltará o "desaparecimento" do rombo das contas externas.

Bioeconomia & Bioenergia

Na segunda-feira, o foco de Michel Temer será a energia elétrica. Dirá que o país está pronto para cooperar na construção de uma plataforma internacional para desenvolver a bioeconomia e a bioenergia avançada e sustentável. Num discurso voltado para o meio ambiente, argumentará que não há um plano B para o mundo a não ser investimento em energia limpa.

Nesse mesmo dia, o presidente falará em outro fórum que o mundo precisa discutir os subsídios agrícolas e remover barreiras comerciais para países em desenvolvimento.

Em um almoço com chefes de Estados do G20, Temer fará um discurso voltado para o social. Dirá que o G20 tem responsabilidades e que é indispensável uma “solidariedade global revigorada”.

Na quinta sessão de trabalho, o presidente tratará de temas como as migrações, assunto em alta por causa dos refugiados que rumam para a Europa. Defenderá política para estabilização e desenvolvimento dos locais de origem desses fluxos migratórios. Lembrará, por exemplo, que o Brasil recebeu de braços abertos os haitianos – que não se enquadram na categoria de refugiados, mas chegaram aos milhares ao país por diversas razões. Condenará o terrorismo. E ainda falará sobre saúde. Lembrará que o Brasil quebrou a patente dos remédios contra a Aids.

Durante a viagem, o presidente ressaltará que o mundo não se recuperou da crise mundial e que três elementos têm merecido a atenção do governo brasileiro: a evolução do preço das commodities, os reflexos das políticas monetárias acomodatícias em países desenvolvidos e a volatilidade dos mercados financeiros por causa do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e do terrorismo.

O governo brasileiro tem interesses específicos nesta viagem. Com a China, o Brasil quer aumento das exportações do agronegócio brasileiro inclusive por meio da habilitação de novos estabelecimentos autorizados a exportar carne. Sublinhará a necessidade de maior flexibilidade das autoridades chinesas na concessão de autorização para as importações e a participação de empresas chinesas no Plano de Investimentos em Infraestrutura.

Os Atos que serão assinados

Em um seminário empresarial em Xangai, o Brasil deve assinar 11 acordos comerciais, de acordo com informações levantadas pelo GLOBO. O primeiro deles será uma operação de crédito de US$ 1 bilhão com um prazo de 10 anos entre a Petrobras e o China Eximbank. O financiamento é a primeira parcela dos US$ 2 bilhões previstos num acordo assinado no ano passado. A estatal, que tenta se reerguer depois da crise do escândalo de corrupção e da queda do preço internacional do petróleo, tem todo o interesse que esse acordo saia.

Também está previsto um ato que trata da venda de 32 aeronaves para empresas de aviação chinesa. Uma outra negociação é a aprovação pelo governo chinês da aquisição de 18 jatos pela empresa Hainan Airlines. A Embraer pediu apoio ao governo brasileiro para que essa autorização saia o mais rápido possível.

Será negociada ainda a venda da participação da Camargo Correa na CPFL Energia. O negócio é avaliado em US$ 1,83 bilhão.

Um acordo de investimento num terminal multicargas privado na região de São Luís (MA) também deve ser fechado. Esse terminal terá a capacidade instalada de 14 milhões de toneladas por ano para grãos, 3 milhões de toneladas para celulose, 3,5 milhões de toneladas de fertilizantes e 3,6 milhões de toneladas de líquidos. O investimento será de US$ 1,5 bilhão apenas na primeira fase. Ainda no Maranhão, o governo negocia a instalação de uma siderúrgica na cidade de Bacabeira no valor de US$ 3 bilhões.

Infraestrutura

Há previsão de acordos para parcerias com o Banco Modal para ser braço financeiro do CCCC (China Communications and Construction Company Internacional) para analisar e executar projetos na área de infraestrutura no Brasil; criação de um fundo de US$ 1 bilhão dos grupos Pengin e Haitong para investimento em armazenamento, logística e infraestrutura de escoamento de grãos; e ainda a compra de 50,1% da sociedade de investimentos Rio Bravo pelo Grupo Fosun.

Ambos países ainda acordarão medidas de cooperação para ampliar o comércio bilateral, como antecipado pelo GLOBO na semana passada.
 

China e a Economia de Mercado

Para fazer toda essa negociação, Michel Temer foi alertado sobre pontos importantes da política interna da China. O slogan governamental daquele país tem quatro pontos: construir uma sociedade modernamente próspera, aprofundar reformas, implementar o Estado de direito e aumentar a disciplina partidária.

No que se refere à liberdade de expressão, assessores do Palácio do Planalto ressaltaram ao presidente que centenas de advogados chineses foram detidos e se tornaram frequentes casos de assédio e intimidação a críticos do governo e a funcionários e organizações não governamentais.

O governo chinês tem promovido uma campanha de combate à corrupção com prisão de diversos líderes partidários. Tem enfatizado que a unidade e lealdade é o ponto fundamental para o partido para os rumos da economia da política chinesa.

Sobre o reconhecimento efetivo de que a China é uma economia de mercado, a orientação dada ao presidente — de acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO — é dar uma resposta padrão: a questão do reconhecimento da China como economia de mercado para fins de investigações de defesa comercial está em avaliação técnica pelo governo brasileiro.

O tema é considerado sensível para a indústria brasileira, porque parte das medidas de defesa comercia do Brasil contra a China não seria possível se adotada a metodologia geral, aplicável a economia de mercado (comparação com preço doméstico no país do produtor investigado).

No entanto, o tema é de alta prioridade do governo chinês, que espera o reconhecimento do Brasil. Caso não seja dado, os chineses podem reagir. A preocupação do governo é que haja represália. Um dos exemplos é a possibilidade de a China abrir uma investigação antidumping contra as importações de minério de ferro da Vale.

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