Ministro Azevedo – Base militar dos EUA não está decidida

 

   Maria Cristina Fernandes e Andrea Jubé

O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, é o mais político dos generais do poder. Foi este atributo que o levou, por indicação do ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Boas, para a assessoria do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, um mês antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Nota DefesaNet

Duas matérias publicadas no mesmo dia (08JAN2019), que devem ser lidas em conjunto.

Valor

Ministro Azevedo – Base militar dos EUA não está decidida Link

FSP

Bolsonaro recua e desiste de base americana no Brasil Link

 

A cancha na política foi burilada nos anos 1990 quando ocupou a assessoria parlamentar do Exército no Congresso. Vai precisar mais do que nunca dela para transitar pelas duas frentes abertas em sua atuação no Ministério da Defesa. Por um lado, tem pela frente um presidente que dá por decidido temas delicados para a segurança nacional, como a instalação de uma base americana em território nacional e a transferência da embaixada de Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Por outro, tem temas afeitos à sua pasta, como a Medida Provisória 2215, editada no governo Fernando Henrique para subtrair benefícios da carreira militar, cuja revisão é a prioridade número zero da farda, além dos projetos estratégicos da Defesa num governo que se diz comprometido com o ajuste fiscal.

De tão cauteloso, Azevedo e Silva chega a dizer que a pergunta mais difícil que se lhe dirige é se prefere a denominação de ministro ou general — “Sou general de uma força a que servi por 46 anos e sou ministro há poucos dias. Ainda estou me acostumando”. Fala nas entrelinhas. Não diz que o anúncio da base foi precipitado. Prefere explicar que o presidente costuma ouvir assessores e o fará antes da decisão. Não provoca o Judiciário como o vice-presidente Hamilton Mourão, mas defende a recomposição de benefícios das Forças Armadas dizendo que a corporação não pode ser egoísta. “Não há injustiça, há defasagem”, afirma.

O ministro recebeu o Valor no seu gabinete no início da tarde de sexta-feira entre as diversas cerimônias de posse que marcam o início do governo nas três Forças reunidas sob sua Pasta. É um prédio como todos os outros da Esplanada, mas as insígnias não deixam dúvidas. Em suas paredes, os quadros com as fotos de seus ocupantes abrigam até os chefes de gabinete. A seguir, a entrevista:

Valor: O presidente não descarta base militar americana no Brasil em função do conflito na Venezuela e chegou a falar de supremacia bélica no continente. O que há de concreto em relação à base?

:É um assunto muito complexo que ele ainda não conversou comigo. Tem que ver direitinho. Não vejo qual seria o motivo de uma base como essa.

Valor: Uma base americana não afetaria a capacidade de o Brasil liderar politicamente o continente em torno de uma solução negociada com a Venezuela?

Azevedo e Silva: O presidente ainda tem que colocar para a Defesa, que é responsável pelo tema, qual é o pensamento dele. Se responder estarei sendo injusto até com ele. Hoje estive com ele [Bolsonaro] na cerimônia da Força Aérea e conversamos sobre outros assuntos mas esse aí não.

Valor: Abriria um precedente histórico, não?

Azevedo e Silva: Não dá para saber do que se trata. Seria uma base de apoio logístico? De material? Temos vários componentes do que a gente chama de FMS [sigla em inglês para o programa de vendas militares ao exterior], material que o americano disponibiliza pra venda e que as Forças Armadas utilizam bastante. Será que não é isso? [Um assessor, o general Eduardo Garrido Alves, interfere e pergunta se o presidente não estaria se referindo à base de Alcântara, no Maranhão]. Se for a base de Alcântara é uma outra coisa. Por isso digo que a gente está ouvindo o galo cantar e não sabe onde.

Valor: Não faz sentido que esteja falando de uma base em Alcântara e não em Roraima porque chegou a falar dos exercícios militares russos na Venezuela no contexto dessa base militar…

Azevedo e Silva: Da base de Alcântara falo. É uma vantagem pra todo mundo que tem lançamento de satélite. São três sítios onde estamos sujeitos a parceiros. Não apenas americanos mas outros também. É a melhor localização do mundo. O custo dela é 30% menor do que o de qualquer outra base no mundo. Está na linha do Equador e tem as condições climáticas adequadas. Estava em fase final de negociação com os Estados Unidos.

Valor: A negociação tinha um prazo de conclusão. Será cumprido?

Azevedo e Silva: Ainda estou tomando pé. Não consegui passar daquela porta ali que é o meu sanitário. Ainda não o conheço. Mas pelo relato que o comandante da Força Aérea me fez na transição está tudo bem encaminhado inclusive aquele problema com os quilombolas

Valor: O presidente também falou que a decisão da transferência da embaixada do Brasil em Israel de Telaviv para Jerusalém está tomada e que é uma questão de tempo para ser implantada. Não é uma decisão que arrisca colocar o Brasil na rota do terrorismo islâmico?

Azevedo e Silva: O presidente gosta de escutar os assessores dele para tomar decisões e acredito que ainda esteja refletindo. É uma decisão política. É uma intenção dele e cabe aos seus assessores avaliarem as vantagens e as desvantagens de uma decisão como esta.

Valor: E não basta para preocupá-lo? Ele citou, inclusive o que aconteceu na Argentina nos anos 1990 [atentados contra a Associação Mutual Israelita Argentina e a Embaixada de Israel] que deixou o país vulnerável ao terrorismo…

Azevedo e Silva: Mas aqueles dois atentados não se deram em função de mudança de embaixada. Era o momento em que o mundo estava vivendo, de atentados.

Valor: Mas aconteceram num contexto em que o governo Carlos Menem estava em rota de aproximação com Israel tendo, inclusive, enviado tropas ao Iraque, o que levou à interpretação, do próprio presidente, aliás, de que os atentados tenham sido uma retaliação…

Azevedo e Silva: Até o momento só tivemos transmissão de cargos e uma reunião ministerial de planejamento. Ainda não houve uma discussão pontual sobre o tema mas acredito que ainda vá ocorrer. O presidente é aberto a ouvir. Ele escuta e é flexível. Um exemplo foi o do número de ministérios. A equipe de transição explicou que aquela redução pretendida era drástica demais. Ele aceitou e hoje são 22 ministérios.

Valor: Isso quer dizer que o senhor ainda tem a esperança de demovê-lo?

Azevedo e Silva: Não, não farei isso. Militar tem o seguinte: a gente assessora dentro da maior lealdade possível. No momento em que houver decisão, a decisão será tomada. Ele não pediu ainda um assessoramento da Defesa. Se pedir, vou dar, mas no momento em que há uma decisão politica ela é tomada. O Itamaraty tem um peso, a economia tem um peso e nós ainda vamos analisar.

Valor: Tanto o presidente quanto o senhor já falaram da MP 2215 sinalizando uma revisão. É isso que se deve aguardar?

Azevedo e Silva: É outra coisa que preciso ver com calma. Foi uma medida dura pra gente. Não houve uma discussão ampla do tema com a gente. A medida foi tomada em dezembro de 2000. Fomos dormir de um jeito e acordamos de outro. Perdemos direitos como auxílio moradia completo que em alguns casos seriam justos. Por exemplo, quando o oficial é removido por necessidade do serviço e não tem disponibilidade (de imóvel), ele vai ter que alugar. Os outros poderes regularam isso: quem vem de fora ainda tem o auxílio-moradia, nós perdemos por completo. Tínhamos o tempo de serviço: se eu ia embora com 38 anos de serviço, eu tinha 38% de gratificação. Era uma coisa que achávamos justa. De uma hora pra outra congelouse aquilo. Um coronel daquela época indo pra reserva ganha mais do que um coronel que vai se aposentar agora. Vocês discutem muito o direito da pensão das filhas, mas já perdemos isso.

Valor: Como a revisão da MP será afetada pela reforma da Previdência? Será uma contrapartida?

Azevedo e Silva: São coisas distintas. Não gosto de discutir os militares na reforma porque nós não temos Previdência. Os militares estão excluídos dessa. São idiossincrasias justas que os militares têm. É uma carreira diferenciada. Depois de 46 anos, sei o que é isso: dedicação exclusiva e prontidão permanente. As Forças Armadas são um seguro caro que toda nação forte tem que ter. Temos uma proteção para essas especificidades da carreira. Se o nome é reforma da Previdência não estamos nela.

Valor: Mas o regime dos militares tem um déficit estimado de 43 milhões …

Azevedo e Silva: [O general Garrido pede licença para comentar que o déficit tem que levar em contrapartida outra conta: o quanto a União deixa de nos pagar por direitos que outros trabalhadores têm como hora extra, FGTS…] Eu participei da ocupação da Maré, fui autoridade pública olímpica. Se eu ganhasse hora extra desde o meu tempo de aspirante até general de Exército aí nós podíamos discutir alguma coisa … não batia ponto, não tinha horário de almoço, nem jornada de 8 horas, não tinha nada. E se você pegar os exemplos do mundo inteiro poucos países têm um sistema previdenciário para os militares.

Valor: O vice-presidente Hamilton Mourão disse que o Judiciário não conhece o país por conta de seus privilégios. As Forças Armadas se sentem no injustiçadas ante carreiras como o Judiciário ?

Azevedo e Silva: Injustiçadas é um termo forte, tem que ver a defasagem. Ver as outras carreiras de Estado em relação aos militares. Existe uma defasagem? Em carreiras parecidas com a nossa, quanto eles iniciam ganhando, e acabam ganhando quanto? E vamos ver um aspirante quanto inicia ganhando e quanto um coronel termina ganhando depois de 35 anos de serviço? Aí tem uma defasagem… [O general Garrido volta a intervir: Essas carreiras que você citou acumulam o dobro do patrimônio do que um coronel das Forças Armadas . Porque essas carreiras atingem o ápice em 13 anos, nós levamos 28 anos para chegar a coronel]. Só há dois motivos para seguir a carreira militar: pertencer a uma carreira de Estado que, mal ou bem, é segura, e outra é vocação. Quem entrou na carreira militar pra ficar rico está errado, sabe que não vai ficar nunca. Meu pai era militar e sei das dificuldades que passou. Mas gostei do que eu fiz, gosto do que eu faço. Isso é um alento.

Valor: Este governo foi eleito com o compromisso de ajuste fiscal. Como o senhor vai levar à frente a pauta da Defesa sob pressões orçamentárias?

Azevedo e Silva: Não posso ser egoísta. Devo defender minha Pasta para ver o que está certo e errado, mas a solução pra isso vai depender da economia, torço para que se recupere. A máquina pública está muito inchada, não se pode ter custos governamentais de 45% do PIB. Em tempos passados eram 15%. Se a economia andar bem, melhora para as prioridades que o governo tem.

Valor: Sua pasta congrega vários projetos como o submarino nuclear, o [cargueiro militar da Embraer] KC-390 e o [sistema de monitoramento de fronteiras] Sisfron. Como vão ficar esses projetos?

Azevedo e Silva: Tem algumas vantagens de o ministro da Defesa ser de origem militar. Tenho pleno conhecimento do Exército, conheço muito a Marinha e a Força Aérea, pela última função que exerci, eu era chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Eu era responsável pelos projetos estratégicos do Exército. Então qual seria minha prioridade: continuar a reestruturação das Forças. Racionalizar as coisas periféricas, a atividade-meio, cortar supérfluo, melhorar os processos para economizar e destinar mais recursos para atividade-fim. Esta é a modernização das Forças, onde entram os portfólios estratégicos das Forças e o Livro Branco de Defesa, mas sem criar novos projetos. Com o estrangulamento fiscal, a gente não tinha uma previsibilidade. A gente alongava prazo e modificava um pouco o escopo de cada projeto para tentar perdurar e mantê-lo. Não quero coisas além do que está previsto e em curso. Essa é uma vertente. A outra é a reestruturação da carreira militar. A gente sempre teve orçamento apertado , mas a formação dos recursos humanos sempre foi prioridade de cada Força.

Valor: Um governo que levantou expectativas militares mas terá orçamento apertado não provocará o que o general Villas Boas chamou de risco de politização dos quartéis?

Azevedo e Silva: Não acredito em politização. No governo você tem ministros de origem militar mas são oficiais da reserva. Os únicos participantes entre aspas da esfera governamental são os comandantes das três Forças. Assim mesmo em cima deles tem o ministro da Defesa que esse sim é o representante político das FA. E eles estarão voltados para sua atividade-fim que é o preparo para o possível emprego — pode virar força de paz, GLO [Garantia da Lei e da Ordem], massificação da fronteira. Agora o militar, seja o sargento, seja o oficial, tem muitos mais conhecimentos por causa da modernidade, da internet e da rede social do que no meu tempo. Eu tinha acesso só ao jornal quando dava tempo na academia militar, tinha uma cartinha que chegava [sinopse de notícias] e a televisão aberta.

As FA são um seguro caro que toda nação com especificidades de carreira que a excluem da reforma da Previdência” Não há politização nos quartéis, mas o sargente ou o oficial tem muito mais informação do que antes”

Valor: Então evitar a politização é um desafio?

Azevedo e Silva: É um desafio dos tempos mas não tem politização, os comandantes sabem disso. Os militares têm mais informações e têm posições. Cada militar também depositou na urna o seu voto, isso é democracia legítima. Agora eles estão voltados para a atividade-fim, e o representante político das FFAA sou eu.

Valor: Na sua posse o presidente disse que as FFAA cumpririam o papel de evitar que o poder fosse usurpado. O que quis dizer com isso?

Azevedo e Silva: Vou dar minha interpretação mas não posso entrar na cabeça dele. O presidente quis dizer que nós vamos seguir a Constituição, o artigo 142 [que prevê a defesa dos poderes constitucionais e da lei de da ordem]. A regra democrática está jogada, o presidente está eleito. E se fosse outro eleito, estaria o ministro da Defesa aqui. Talvez eu mesmo.

Valor: O senhor fez uma defesa solitária do trabalho da imprensa na sua posse. Como vê a tensão entre este governo e a imprensa?

Azevedo e Silva: Tive muitas oportunidades que é difícil que outro oficial tenha na carreira. Fui da Presidência num momento delicado da vida do país que foi o primeiro impeachment, eu era major, mas participei, vi o trabalho de vocês … Muitas coisas começaram através da imprensa . Fui presidente da Autoridade Pública Olímpica, quando me relacionei muito com a imprensa. E eu tenho a dificuldade de não dominar as redes sociais.

Valor: O que o senhor acha da intenção do presidente de desintermediar a comunicação?

Azevedo e Silva: Não me eximo de conversar, me acostumei a isso. Ao mesmo tempo tento pegar o que vocês estão achando, é uma troca. Mas acho que a imprensa vai ter que se acostumar um pouco ao novo modelo, que é o contato direto do personagem com o público que está plugado nas redes. No meu tempo era a empresa é que dava o furo de reportagem, agora o furo pode vir pela rede.

Valor: Como o senhor vê a relação do governo com o Congresso?

Azevedo e Silva: Fui chefe da assessoria parlamentar, quem me passou a função foi o Villas Bôas, mas ali eu estava para mostrar o papel do Exército brasileiro. Eu acompanhava mas não era um ser político, era um representante no parlamento das FA.

Valor: Que dificuldades o senhor antevê para o presidente no Congresso?

Azevedo e Silva: Esse assunto não me é afeto, tem que esperar Casa Civil, secretaria de governo. O próprio presidente é um ser político. Na democracia você tem os poderes. Vai depender da aprovação de projetos de reformas que passam pelo Congresso.

Valor: A posse de Bolsonaro agilizará o acordo entre Boeing e Embraer?

Azevedo e Silva: Não muda as negociações. Pelo estatuto da Embraer o governo tem 30 dias para se manifestar sobre a oferta. O governo Temer passou um período pequeno e não decidiu. Semana que vem vamos começar a ver isso. Não me aprofundei ainda. Quero ter uma audiência com ele para tratar desse assunto.

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