Exclusivo – Canto da Sereia e o Bafo do Dragão.

Nota DefesaNet

Artigos da Série “Projeto de Pesca Integrada”:

1 – Exclusivo – Chineses oferecem Polo Pesqueiro no Sul do Brasil. Oportunidade Comercial ou Armadilha Geopolítica?

A oferta de investir U$ 30 Mi em Polo Pesqueiro Integrado na cidade portuária de Rio Grande traz uma potencial de conflito geopolítico regional e internacional.

2 – Exclusivo – Canto da Sereia e o Bafo do Dragão.

Carlos Oliveira é um expert nas questões estratpégicas do Atlântico Sul e traz informações exclusivas sobre as ações das frotas pesqueiras chinesas

O Editor

Carlos César Reis de Oliveira
Licenciado em História
Especial para DefesaNet

 

Nas últimas duas décadas, a República Repular da China – RPC teve uma mudança radical na forma como participa na economia mundial. Com mão de obra farta e barata, ela atraiu todo tipo de empresa. Que viam, ao investirem lá, uma oportunidade ímpar de reduzirem seu custo de produção, aumentando sua lucratividade.

De quebra teriam a possibilidade de ofertarem parte de sua produção ao mercado interno da China. Cujo potencial, na casa do um bilhão de habitantes era algo irresistível. Em troca teriam de transferir parte da tecnologia e ter um sócio local. Este contexto era o que podemos dizer o “Canto da Sereia”. E como tal, iludi e cega! a quem s e deixa conquistar por algo fácil de mais.

Os novos sócios dos investidores estrangeiros eram pessoas de confiança, ligadas ao Partido Comunista Chinês – PCC. Que se beneficiaram economicamente do apoio estatal, tornando-se ou formando, uma nova classe social. Num país que, por conceito ideologia, as diferença de classes deve sempre ser combatida.

Em termos industriais o primeiro marco econômico chinês significativo é a conquista de um espaço específico da economia mundial. A RPC se tornou a grande fabricante de produtos baratos. Que no Brasil eram conhecidos como produtos de R$ 1,99.  Todo e qualquer produto barato, era produzido na RPC. Se a qualidade fosse baixa e ele estraga-se, não tinha problema. Ele era descartável. Era só toca-lo fora e comprar outro. Foram assim com baldes e bacias plásticas, ferramentas, brinquedos, lâmpadas e uma infinidade de utensílios e objetos. Vivíamos um período de abundância. Era o início da Era da Globlização.

A RPC se capitalizou. Não no sentido de ter uma economia capitalista plena, mas sim de conseguir engordar suas reservas monetárias. Aos poucos a transferência de tecnologia direta e indireta fizeram a mudança da sua economia. O país começo a produzir produtos com maior grau de sofisticação, maior valor agregado. Deixando de ser um ator secundário na dinâmica econômica e industrial. Para possibilitar os seus primeiros passos rumo a sua independência.

Observem que esta transferência tecnológica foi direta e indireta. A direta é a que a empresa estrangeira levou para lá ao se instalar. Já a indireta é fruto da qualificaç&a! tilde;o p osterior da mão de obra local. Que processou os novos conhecimentos e interagindo no ambiente interna da empresa pode produzir novos conhecimentos. E como o conhecimento é um processo interno e pessoal. Ele pode ser repassado a outras pessoas, independente da vontade e do controle do seu criador. Com isto surgiram empresas 100% chinesas, concorrentes das empresas estrangeiras que lá se instalaram.

A armadilha estava armada. O dilema que se apresenta é como evitar a pirataria, a violação do direito autoral, a concorrência desleal sem ter mais prejuízos. Retirar o investimento feito significa perda de competitividade no âmbito global. Já processar quem o copia é algo difícil. O conhecimento é um bem abstrato. E num país estrangeiro, com um regime político forte, centralizador e extremamente nacionalista a lógica é outra. O Canto da Sereia começo a mostrar o seu lado obscuro.

A reação a isto veio na política externa de enfrentamento do presidente Donald Trump. Mas esta é uma briga de gente grande. De potênc! ias econ& ocirc;micas e militares de peso. Ela não é passível de ser desenvolvida por atores de peso médio. Ou cujo poder interno seja fracionado ou compartilhado, como é o caso da União Européia. Aqui não considero nem a Rússia como ator de porte médio. Não que ela não tenha poder militar. O problema esta no peso do fator econômico do país. Cuja projeção internacional é relativamente pequena. A sua área de influência é regional, e não mundial.

No tocante a América do Sul a situação é bem clara. Somos países fracos e de pouca projeção política e economicamente; e, no campo da defesa (militar) somos ridiculamente frágeis. Nós não possuímos unidade política. Logo estamos a mercê de toda e qualquer ação chinesa. Sem termos a garantia de um amparo político e econômico por parte de quem poderia nos proteger, isto é, os Estados Unidos da América.

Dito tudo isto, quero chamar a atenção para um fato novo que se apresentou na semana passada. E que sem sombra de dúvidas estará em pauta no futuro próximo. Não é um fato totalmente novo. É apenas um desenrolar de algo que já vem ocorrendo. E que se não tivermos clareza sobre o mesmo teremos dificuldade de equacioná-lo adequadamente.

Me refiro ao Projeto de Pesca Integrada,  apresentado pela empresa “brasileira” Ample Develpo Brazil Ltda, com sede em Goiânia – GO, e cujo presidente se chama  Yunhung Arthur Lung. Segundo o documento que é de domínio publico.

Eles desejam:

1º. Se instalar em área do Porto Organizado de Rio Grande, cujo tamanho mínimo é de 100 hectares;

2º. Receber Licença de Operação;

3º. Incentivo Fiscal, na forma de Carência de Imposto de Renda e de Imposto de Importação.

 O primeiro item é um processo simples, de alçada estadual. Que tem de ser tocado pela Superintendência dos Portos do Rio Grande do Sul; com o devido acompanhamento e anuência do órgão fiscalizador portuário nacional, que é a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

O segundo item é de competência do órgão ambiental estadual. Neste caso a ação é promovida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAN. Sendo acompanhado pela Superintendencia dos Portos do Rio Grande do sul e pela ANTAQ.

Já no tocante ao terceiro item, a isenção fiscal isto é algo que toca em parte o Governo Federal (Imposto de Renda e Imposto de Importação) e em outra o Governo Estadual. Que tem direito a cobrar Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS. E que incide sobre os bens importados. Já que não esta claro se eles desejam, também, estes pontos. Considero tanto o ente federal como o estadual neste item.

Em contra partida nos oferecem:

1º Construir uma frota de pesca de arrasto marinho com 400 (quatrocentos) barcos;

2º Construir uma Planta de Processamento de Peixe Congelado, com capacidade para 500 toneladas/dia.

3º Investir em um Porto de Pesca, com localização em águas profundas, com instalações de base para dar apoio às atividades essenciais da logística da pesca.

Aqui a leitura tem de ser mais atenta. O termo “Construir” pode ser compreendido sob o aspecto da fabricação. Por exemplo:

Serão construídos 400 barcos em estaleiros.

Neste caso não há referência nenhuma de que a construção seria um desdobramento do projeto inicial. Vale lembrar que construir leva tempo. E como o volume planejado de embarcações é grande a mobilização do nosso setor industrial teria de ser planejada com muita antecedência. Os barcos de pesca também possuem tamanhos e capacidade bem distintas.

“Construir” também pode ser compreendido como montar, formar ou agrupar, ou seja, trazer 400 barcos para operarem junto à empresa. Neste caso seriam empregados barcos já existentes. Ou então, os mesmos poderiam ser construídos em outro país e trazidos ou “importados” para o Brasil.

Os barcos são definidos, denominados, com “barcos de arrasto marinho”. Isto já indica o tipo de pesca que a empresa pretende empreender em nossas águas. A pesca de arrasto se subdivide em pesca de fundo (solo marinho). Onde a rede vem arando o solo marinho. Levantando e revolvendo tudo o que se encontra depositado no fundo.

E pesca de meia-água, onde a profundidade pode variar, mas não toca o solo marinho. Esta é uma pesca que dependendo do tamanho da malha e pode causar sérios danos à flora e a fauna marinha. Motivo pelo qual ela é fiscalizada com maior rigidez pelos governos de vários países.

O item dois se refere a “construir uma planta frigorífica”. Cuja capacidade de processamento é de 500 toneladas/dia. O mesmo raciocínio utilizado no item anterior deve ser empregado aqui. Já que o termo “construir” pode ser compreendido como empregar 100% de mão de obra e material nacional, ou se for o caso, trazer todos os equipamentos de fora. Empregando apenas uma parte de material de origem nacional.

Estes dois itens tem de ser considerados junto a terceira exigência feita pela empresa, que é a que solicita isenção de Imposto de Importação.

No terceiro item, o que se refere a “investir em um porto de pesca”, destaco os seguintes itens

1º. Localização em “águas profundas”. Isto indica, em se tratando do Porto de rio Grande, uma localização em área do Superporto, onde o calado é maior. Que o navio onde for carregado o pescado processado será de grande porte. Ou em algum caso, que o barco de pesca empregado é de grande porte.

2º. Com “instalações de base de pesca para o apoio a necessidade essencial da logística de pesca”. Neste ponto a “logística de pesca” pode incluir a compreensão de uma estrutura de apoio à manutenção de embarcações. Mais especificamente a uma Carrera ou um dique flutuante. Já que a limpeza do casco e a realização de reparos são vitais para o bom desempenho das embarcações.

Tudo o que foi dito acima é apenas um desdobramento do que o documento apresenta. São questões passíveis de discussão para o melhor entendimento do assunto. No entanto há outro ponto, não menos importante a ser considerado. Ele tem a ver com a conveniência ou não de se ter um empreendimento deste tipo e porto se instalando em nossa terra, e explorando as nossas águas.

No texto apresentado pelo jornalista Políbio Braga, em 12/12/2020, no seu site “polibiobraga.blogspot.com” cujo título é “Ample Brazil quer investir US$ 30 milhões  em atividade pesqueira de mar no RS”, eu me detive muito nos comentários dos seus leitores.

Os barcos de pesca com bandeira da RPC, via de regra, são associados ao problema da pesca predatória. A Argentina vive este pesadelo há anos. Desde que o governo das Ilhas Falklands assinou para a exploração da pesca na área das 200 milhas do seu entorno. A área do Sul do “Mar Argentino”, ou como eles mesmos denominam o “Pampa Azul”, numa analogia direta a nossa “Amazônia Azul”, é rica em vida marinha.

E a frota de barcos de pesca que ali se encontra gira em torno de 500 barcos. A grande maioria atua sobre a plataforma continental, na zona limítrofe entre o mar territorial argentino e o das Ilhas Falklands. Ainda com relação &ag! rave;s Il has Faklands, temos de fazer um parêntese importante. Muito do que se pesca no mar territorial ao redor das ilhas é transbordado para barcos frigoríficos que atuam na região. Estes barcos descarregam no porto de Montevidéu ou seguem rumo à Espanha. Isto vai ser tratado logo a baixo, quando tratar especificamente do papel desempenhado pelo Uruguai.

Como no mar os limites territoriais não possuem marcos físico. Os barcos vão e vem conformo lhes interessa. Pescando em águas argentinas sem nada pagar. Fugindo da fiscalização quando lhes convém. E se for o caso, enfrentando os próprios navios argentinos com manobras e tiros de armas leves. Sendo esta pesca predatória, os danos são reais. Afetando a cadeia produtiva não só argentina, como também uruguaia e brasileira.

Fica aqui o registro que a Argentina, que tem um foco muito claro nesta questão, não consegue, com sua Marinha de Guerra (Armada), equacionar o problema. Faltam-lhes navios. E a presença se faz de forma esporádica, não permanente.

Caso semelhante acontece no Chile. País que possui uma Marinha de Guerra bem equipada. Que assim como os argentinos são nacionalistas e fazem questão de mostrar isto em suas ações. Os chilenos também não conseguem barrar esta ação predatória dos barcos de pesca chineses. Muito disto ocorre pela estratégia adotada por eles. Que ficam no limite dos mar territorial. E ao primeiro sinal de que a Marinha de Guerra se encontra na área alertam, via rádio, sua presença para as demais embarcações. Que em conjunto se afastam. Para depois retornarem a sua atividade. Este é um jogo de gato e rato. O Peru também tem enfrentado este s&! eacute;ri o problema. O foco esta nas Ilhas Galápagos. Um santuário ecológico que tem sido atacado sistematicamente pelos barcos de pesca.

O Uruguai é um capítulo a parte. Ele destoa da realidade vivida pelos outros países. Primeiro porque o seu mar territorial é muito pequeno. Localizado entre dois grandes países. Historicamente ele desempenhou o papel de “Estado tampão”. Hora pendendo para o Brasil, hora pendendo para a Argentina. O papel que o Uruguai representa nesta questão é outro.

Ele é o ponto de apoio, o porto seguro, para a atividade de pesca predatória dos barcos chineses, no continente americano, especialmente no Atlântico Sul. Esta postura, diga-se de passagem, não é pacífica. Há um movimento interno de oposição contra os interesses chineses! . Que hoj e descarregam uma parte mínima do que pescam neste porto. O grosso do volume é transferido em alto-mar para navios maiores. Montevidéu tem um valor estratégico no que diz respeito à manutenção, ao abastecimento e a troca de tripulantes.

A manutenção se dá por meio dos pequenos estaleiros instalados na Capital, e pelo dique flutuante localizado junto ao porto de Montevidéu. Num negócio muito lucrativo. Já que os barcos de pesca não podem atracar nos portos dos demais países sem sejam vistoriados e questionados pelas autoridades marítimas destes. No entanto isto é pouco para as pretensões chinesas. Eles já apresentaram um projeto visando construir um grande porto pesqueiro no Uruguai. Um local com unidade de processamento do pescado, carga e descarga e manutenção de embarcações. Ancorado em um status especial que restringia o poder e a jurisdição do Estado! nacional uruguaio. Algo semelhante ao que já foi implantado em território argentino. No entanto este projeto enfrenta resistência dentro do Uruguai.

Agora o que se vê é uma nova investida chinesa no Brasil, com a tentativa implementação de um projeto modificado junto ao porto de Rio Grande. A primeira sondagem ocorreu por volta de 2010. Quando os projetos faraônicos ligados a construção naval eram notícias em toda parte. Naquela época a proposta era de locar um estaleiro para fazer reparos e manutenção a cerca de 300 embarcações.

Conforme a empresa sondada, o local poderia variar entre as cidades de Rio Grande, São José do Norte ou Pelotas. Em Pelotas o assunto progrediu um pouco mais. E o Governo do Estado chegou a divulgar as tratativas junto há um grupo nacional que lá! ; iria se instalar. No entanto este grupo de investidores era totalmente inexperiente. Pensava que com área de cais faria a manutenção necessária nos barcos de pesca.

Não sabia que era preciso ter uma carreira para retirar as embarcações da água. Permitindo, desta forma, a limpeza e pintura do casco. Isto determinou a derrocada do projeto. Depois disso as atenções chinesas se voltaram para o Uruguai. Dando origem a situação atual.

Outro fato importante a ser considerado no caso brasileiro. É a fragilidade do nosso Poder Naval. Nossa Marinha de Guerra esta carente de embarcações. Assim sendo, como poderão controlar a ação predatória de 400 barcos de pesca chineses. Isto seria a pá de cal sobre a sofrida indústria pesqueira nacional. Deixá-los entrar é um erro estratégico e econômico gravíssimo.

No dia 15/12/2020 foi divulgado a matéria “La travesía de un chileno que trabajó en un barco pesquero chino: Era como llegar a outro planeta”, muito interessante, junto ao site “biobiochile.cl” que relata a aventura do marinheiro  chileno, Sr. Alexis Olivares como tripulante em um barco de pesca chinês. A baixa qualidade remuneração, associado a péssima alimentação, a carga de trabalho excessiva e aos maus tratos caracterizam o estilo de vida. A retenção do passaporte por parte do capitão é uma barreira intransponível para a saída de qualquer tripulante dos navios.

Um fato em especial chamou minha atenção. A propriedade dos barcos é do estado chinês, embora, no papel ela esteja identificada com pertencente a uma empresa privada. Este fato pode causar um imbróglio jurídico. Tendo em vista que barcos de Estado tem personalidade jurídica diferente de barcos pertencentes a empresas privadas.

No tocante a agressão que os tripulantes podem sofrer, este é outro ponto delicado. Em média chaga ao porto de Montevidéu um cadáver de tripulante de barco chinês por mês. Uma vez conversando com um oficial da Aramada Uruguai sobre o assunto, questionei sobre a causa da morte. E ele me disse que nem eles tem condições de precisar. A barreira da língua, a dificuldade de acesso e contato com os tripulantes e a suspeita de que alguns dos tripulantes sejam presidiários, cumprindo pena faz parte deste contexto.

Fora do contexto sul-americano, o problema também ocorre junto a Europa. Lá há dois pontos de conflito. Um o Mar Mediterrâneo e o outro junto a costa atlântica da Espanha, de Portugal e da França. Onde o mesmo comportamento predatório se faz presente. Este modus operandi é o que se pode dizer a principal marca do setor pesqueiro chinês. Pressioná-lo ou modificá-lo exige de nossa parte poder político e policiar (militar). E isto nós definitivamente não temos.

Nossa capacidade diplomática esta muito diminuída no atual governo, e a militar (naval) muito mais. Desta forma temos de ser realistas. Ao invés de arranjarmos mais um problema, devemos declinar do convite. Que a princípio é tentador como o Canto da Sereia. Mas que com o passar do tempo, acaba pornôs defrontar com o Bafo do Dragão.

Nota DefesaNet

As implicações geopolíticas e militares desta oferta chinesa serão analisadas em próximo artigo.

O Editor

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