Familiares de terroristas suicidas recebem pensão?

Flávio César Montebello Fabri

Bacharel em Direito. Bacharel e Mestre em Ciências
de Segurança e Ordem Pública. Atualmente, cursando
(Licenciatura em) História. Colaborador DefesaNet

 Considerando o complexo aspecto geopolítico existente no Oriente Médio (com as mais diversas narrativas e a sempre intensa guerra informacional), tão como a constante menção do termo pay for slay (em tradução livre, pagar para matar), surgiu uma dúvida: terroristas ou familiares de homens-bomba recebem realmente algum tipo pensão? A resposta é SIM. Por incrível que pareça, há pensão vitalícia para terroristas vivos (inclusive), mortos (mártires) e familiares destes. O assunto, por sinal, já foi abordado por diversas notícias da mídia leiga nacional (na Folha de São Paulo há reportagens com citações a respeito em agosto de 1998 e em janeiro de 2006, tão como no O Globo, em junho de 2017).

Imagem: The Wall Street Journal (março de 2017)

Tempos atrás, um interessante livro foi publicado: A minha vida é uma arma: uma história moderna dos bombistas suicidas (Christoph Reuter – Ed. Antígona, 2005 – Portugal). A sua leitura é extremamente recomendada, pois se mantêm atual. Na contracapa (ou, caso prefiram, quarta capa) do livro vemos:

  • As bombas humanas são baratas: além da disponibilidade para o sacrifício, basta pregos, material explosivo, uma bateria, um interruptor, um pedacito (sic) de cabo, um par de reagentes químicos e um cinto resistente.
     (…)
    Uma vez concluída a missão, a organização responsável paga o funeral e a campa do mártir e entrega à família uma importância que varia entre três mil e os cinco mil dólares.”

A maior parte das pesquisas não careceu de recursos sofisticados, entrevistas ou de literatura específica. A mídia aberta é mais do que suficiente para verificar a resposta da pergunta inicial. De qualquer forma, lemos (na mais básica das fontes):

  • Fundo dos Mártires da Autoridade Palestina
    O Fundo dos Mártires da Autoridade Palestina é um fundo operado pela Autoridade Palestina que paga mensalmente subsídios em dinheiro às famílias de palestinos mortos, feridos ou presos enquanto praticavam violência por motivação política contra Israel (…) Em 2016 pagou cerca de 303 milhões de dólares (…) às famílias dos mártires.
    (…)
    Os críticos muitas vezes chamam o fundo de ‘pagamento pela matança’ (pay for slay) e culpam os pagamentos por encorajarem o terrorismo.

    O Fatah* criou o Fundo Palestino Mujahidin e Mártires em 1964 para recompensar as famílias de militantes fedayeen**
    (…)
    A SAMED, Sociedade de Obras dos Mártires da Palestina foi fundada em 1970 e administrou alguns dos pagamentos dos mártires.
    (…)
    A Autoridade Palestina realiza pagamentos por meio de dois fundos, um para presos e outro para familiares de mártires.
    (…)

    Em 2016, o fundo efetuou pagamentos mensais a aproximadamente 35 mil famílias de palestinos mortos ou feridos, com um orçamento de 170 milhões de dólares, segundo dados palestinos.

    Uma análise de 2017 do The Washington Post revelou que 160 milhões de dólares foram pagos a 13 mil beneficiários de ‘pagamentos de prisioneiros’ (12.307 dólares por pessoa) e 183 milhões de dólares foram pagos a 33.700 famílias de ‘pagamentos para mártires’ (5.430 dólares por família)
    (… )
    Um milhão de dólares foi pago às famílias de 200 homens-bomba. “

Fonte:  Wikipedia – Palestinian Authority Martys Fund –  https://en.wikipedia.org/wiki/Palestinian_Authority_Martyrs_Fund

Imagem: CQCS (2007). Reprodução UOL / Der Spiegel

Assim, existem diversas fontes que atestam a existência de um “fundo para mártires” (incluindo a própria Autoridade Palestina). É fato que o mesmo (o fundo) goza de relativa popularidade, tão como o valor pago é por vezes superior à renda média de um palestino. Considerando que muitos, pelo mundo, doam parte de suas posses para que seja feita a caridade (reconstrução de vidas, moradias, auxílio à saúde, cuidado com órfãos etc.) é interessante notar que percentual do que é destinado pode ser entregue para a pensão de terroristas (que foram condenados por atos onde vidas foram ceifadas) tão como a familiares de homens-bomba (necessário relembrar questões de cultura local, reconhecimento pelo sacrifício feito “por uma causa”, coragem frente “ao inimigo”, o que muitas vezes pode significar a morte de civis não combatentes, entre outros). Se é obvio que isso causa revolta para familiares daqueles que foram assassinados (por terroristas), por outro lado, nem toda família de terrorista acha que a pensão dada compensa a perda de entes queridos.

Por exemplo, foi noticiado (em 2016) que a família de um jovem palestino que foi morto, após assassinar uma menina judia de 13 anos, enquanto ela dormia, receberia 350 dólares mensais do fundo. Tal fato fez com que o primeiro ministro Benjamin Netanyahu declarasse que o pagamento era um incentivo para o cometimento de assassinatos. Por curiosidade, o irmão do primeiro ministro de Israel é Yonatan “Yoni” Netanyahu, Tenente Coronel e integrante da Sayret Matkal (Unidade de Reconhecimento Geral, uma força de elite extremamente técnica, experimentada e prestigiada, criada em 1957 por Avraham Arnan, tendo sido também comandada por Ehud Barack, que se tornou primeiro ministro e ministro da defesa). Ele combateu na Guerra dos Seis Dias, Guerra de Desgaste e na Guerra do Yom Kippur. Foi o único militar israelense morto no resgate de reféns em Entebbe (Uganda, 1976), quando uma aeronave da Air France, com 248 passageiros, havia sido tomada por terroristas da Frente Popular para Liberação da Palestina e das Células Revolucionárias.

A operação, coroada de êxito, foi retratada em livros e filmes. Inicialmente chamada de “Thunderbolt”, foi posteriormente rebatizada de “Operação Yonatan”. Fato que não causa estranheza em Israel (onde líderes militares participam ativamente das ações), um dos sucessores de Yonatan Netanyahu na Sayret Matkal, o Tenente Coronel Emmanuel Yehuda Moreno, tombou em combate na 2ª Guerra do Líbano (em 19 de agosto de 2006).

Imagem: O Globo (2017)

Retornando a questão da menina judia de 13 anos que foi assassinada enquanto dormia (em 30 de junho de 2016, no assentamento Kiryat Arba), é necessário mencionar que o pai do “mártir” (ou assassino) não se tratava de alguém que passava por dificuldades financeiras ou que a verba do fundo fosse fazer a diferença no sustento futuro da família. O Sr. Nasser Tarayreh era um comerciante abastado. Residia com seu filho de 17 anos, Mohammed (o mártir), na cidade de Bani Na’in (Cisjordânia, localizada a 8 quilômetros a leste de Hebron).

Ao contrário do que muitos consideraram, além da perda do filho, teve ordenada a demolição de sua residência de dois andares. Não houve qualquer vantagem para ele e família. Pelo contrário. Foi enfático em dizer que nenhum dinheiro do mundo substituiria seu filho (tenho certeza que é a mesma opinião dos familiares da jovem assassinada). Para recordar, na época da morte da menina judia de 13 anos (pelo “mártir” de 17), quem lidava com o Fundo dos Mártires da Autoridade Palestina era a Sra. Intissar al-Wazir. Nascida em Gaza, seu marido foi um proeminente integrante da Organização para a Libertação da Palestina. Foi a primeira mulher integrante do Fatah (em 1959). 

Ela havia confirmado o valor de 350 dólares de pagamento mensal (básico) para os familiares de mártires (o que seria o caso do Sr. Nasser Tarayreh). Também esclareceu que se o mártir fosse casado, haveria um acréscimo de 100 dólares na pensão, com um adicional de 50 dólares por filho. Curiosamente, também por essa época, Israel concedia 125 milhões de dólares mensais à Autoridade Palestina (por intermédio de descontos fiscais e aduaneiros).

Devido aos Acordos de Oslo, Israel continua até o presente momento a transferir considerável montante. Foi noticiado, por exemplo (reportagens de novembro de 2023) que no presente ano, nos primeiros 9 meses, foram transferidos mensalmente 183 milhões de dólares (recursos destinados à Gaza, no entanto, foram retidos). Internamente, no governo israelense, houve um grande (e acalorado) debate a respeito da manutenção das transferências.

Criptomoedas também foram utilizadas para financiar o terrorismo (grupos palestinos receberam 93 milhões de dólares em doações, entre agosto de 2021 a junho de 2023). Somente o HAMAS recebeu, nos últimos 18 meses, 41 milhões de dólares.

Imagem: Palestinian Media Watch (novembro de 2023)

Considerando a guerra informacional reinante, interessante notar a existência de uma ONG israelense chamada Palestinian Media Watch. Fundada em 1996, efetua o monitoramento a respeito do que é veiculado na mídia palestina, documentando os casos de incitamento. Em seu sítio eletrônico (palwatch.org) é possível verificar as análises e material catalogado (do tipo “Israel não possui o direito de existir”, “violência e terror” etc.). A ONG chegou a enviar, em 2008, para o Comitê de Relações Exteriores (Câmara dos Estados Unidos), um relatório onde apontava que a Autoridade Palestina estava envolvida em plataformas de disseminação de ódio aos Estados Unidos.

Em 2011, congressistas americanos receberam dessa ONG um relatório que apontava o fato de que 5 milhões de dólares destinados à Autoridade Palestina (pelos EUA) acabaram por ser utilizados no pagamento de presos envolvidos em atos de terrorismo contra Israel. 

Imagem: Folha de São Paulo (1998)

Em uma constante e aparentemente interminável guerra de narrativas, em momentos em que às vezes, tentam reconstruir o passado (ou interpretar fatos de novas formas), é importante buscar as mais diversas fontes para, ao menos, poder ter uma idéia do que realmente ocorre, em dado momento, em algum lugar. É só uma observação de cunho geral (em absoluto, nada a falar do complexo cenário do Oriente Médio de forma específica).

Da mesma forma que o termo Follow de Money (siga o dinheiro, forma de falar que investigar o percurso de um numerário, as transações feitas, podem ser o fator decisivo para elucidação de graves crimes), pesquisar é o caminho para angariarmos melhor consciência do que ocorre ao nosso redor. De qualquer forma: sim, terroristas suicidas podem receber pensão.

* Fatah – O Movimento de Libertação Nacional da Palestina é uma organização fundada no final da década de 1950 por Yasser Araft (e outros membros). Araft foi seu principal líder até sua morte, em 2004. Quando a OLP – Organização para Libertação da Palestina foi criada em 1964, o Fath era seu principal grupo.  Na verdade, FATAH é o acrônimo reverso do nome do Movimento, cujo significado seria “vitória final”. Um de seus adversários políticos é o HAMAS (sigla que é o acrônimo de uma frase cujo significado seria Movimento de Resistência Islâmica, tendo sido fundado em 1987). 

** Fedayenn palestinos – militantes ou guerrilheiros de orientação nacionalista.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter